Desestabilização que visa a inviabilização do Brasil retoma métodos do terrorismo de Estado norte-americano |
Com
todas as cartas que evidenciam estruturas e estratégias golpistas expostas. Com
a democracia e a soberania nacional em risco, surge a pergunta: vamos continuar
tolerando o intolerável?
Agora,
que o governo Temer morreu antes de ter nascido;
Agora,
que já sabemos que o processo de Lula não deve voltar para Curitiba;
Agora,
que o procurador Carlos Fernando dos Santos Lima, porta-voz da Lava Jato,
admitiu que "(...) os governos que estão sendo investigados, os governos
do PT, (...)" são os únicos que vêm ao caso;
Agora,
que ficaram patentes todas as irregularidades e ilegalidades cometidas pela
Força Tarefa de Curitiba desde 2006. Portanto, desde os mais remotos primórdios
da Lava Jato, oficialmente deflagrada em 2014.
Agora,
que os trabalhadores, movimentos sociais, estudantes, intelectuais e artistas
deram corpo e voz ao brado de “Não vai ter golpe”, acrescentando cada vez mais
intensamente o complemento “Vai ter luta”;
Agora,
que já ficou patente para Deus e o mundo, tanto aqui quanto lá fora, que a
democracia corre perigo e que o Estado de Exceção está se instalando e
revogando o Estado de Direito, tamanhas são as recorrentes violações à
Constituição de 88;
Agora,
que cresce o consenso do “Fora Cunha”;
Agora,
que até órgãos da grande mídia parecem desembarcar do golpe, apesar de tê-lo
fomentado e defendido com unhas e dentes – não por amor à legalidade, é claro,
mas por constatarem sua impossibilidade teórica e prática;
Agora,
que foi trincada a sacrossanta imagem do justiceiro Sérgio Moro, revelando a
figura do arbítrio despótico;
Talvez
seja chegada a hora de indagar, não se teremos paz, e poderemos voltar aos
nossos afazeres, mas sim, que configuração tomará a estratégia da
desestabilização do Brasil, a partir do ponto em que chegamos.
É
preciso enterrar, de uma vez por todas, a ideia de que o processo desencadeado
teve algum dia (ou ainda tem) como objetivo efetivo acabar com a corrupção.
Porque um combate ultrasseletivo à corrupção, que deixa de fora uma infinidade
de ladrões para gritarem livre e impunemente “Pega ladrão!”, apontando para
Lula, Dilma e o PT, não pode ser levado minimamente a sério.
E
se o Judiciário – particularmente a cúpula do Ministério Público Federal (MPF)
– assim como setores da Polícia Federal, estão só aparentemente combatendo a
corrupção, o que estão fazendo?
Diversos
indícios, atos e enunciados sugerem fortemente que se trata de desestabilizar o
país a qualquer preço. Preço que, aliás, a esta altura, já é altíssimo, se
levarmos em conta:
1)
o comprometimento de ramos-chave do setor produtivo, particularmente energia,
infra-estrutura e defesa, com reverberações em toda a economia;
2)
a geração de uma imensa crise social, com seu cortejo de desempregados e a
ameaça de regressão da parcela mais vulnerável da população a patamares
infra-humanos que pensávamos definitivamente superados;
3)
last, but not least (por último, mas não menos importante), a desmoralização
das instituições, a começar por um Parlamento bandido, partidos políticos
venais e grotescos, e juízes e procuradores que enxovalham as leis em nome de
valores espúrios.
A
quem interessa tal desestabilização planejada e rigorosamente executada?
Seguramente,
Sérgio Moro e seus procuradores são apenas operadores de um crime de
lesa-pátria; tampouco, os agentes da Polícia Federal são algo mais do que
executores. É claro que a mídia golpista, os partidos de oposição, os
movimentos fascistas continuamente estimulados, a Fiesp, a OAB, os inocentes
úteis e os oportunistas de plantão, inclusive nas hostes governamentais, são
protagonistas empenhados na produção do desastre. Cada segmento operando a seu
modo. E pode-se considerar que, em virtude de seu imobilismo e falta de
iniciativa, o próprio governo Dilma e o PT contribuíram involuntariamente, até
bem pouco tempo, com a desestabilização.
O
silêncio das Forças Armadas é notável, até mesmo quando importantes interesses
da Defesa, que as afetam diretamente, são feridos. Mas o que significa o seu
não-protagonismo? Se for verdade que Lula não foi sequestrado e levado à força
para Curitiba em virtude da discretíssima interferência da Polícia da
Aeronáutica em Congonhas, haveria aí uma indicação de que seu papel como
garantidor da ordem instituída segue intacto?
Resta,
então, a cúpula do Judiciário. Excluindo-se as conhecidas posições de Gilmar
Mendes, que dispensam comentários, é inquietante constatar que ainda não se
sabe ao certo em que direção o Supremo Tribunal Federal (STF) vai se mover,
tendo em vista a emissão de sinais contraditórios e as dúvidas que suscita
quanto ao papel predominante da corte. Se é Corte Constitucional, ou Corte de
Apelação.
Mais
graves ainda são os atos e as palavras do Procurador Geral da República,
Rodrigo Janot. Acompanhando e mapeando o desenrolar do jogo nos diferentes
tabuleiros de xadrez da crise, o jornalista Luiz Nassif percebeu nitidamente
que o MPF era o “Alto Comando” do golpe. A designação é extremamente forte, mas
há razões para o emprego do termo. Entre elas, a visita inexplicada de Janot ao
Departamento da Justiça em Washington para levar às autoridades americanas
documentos sobre a Petrobrás; sua inapetência para investigar Aécio Neves; sua
defesa intransigente de Moro e da Força Tarefa da Lava Jato, apesar das
ilegalidades cometidas; sua demora para
denunciar Cunha junto ao STF, dando a este todo o tempo para sublevar a Câmara
dos Deputados contra o governo Dilma; e, finalmente, sua autorização para que
Moro divulgasse os grampos ilegais das conversas da presidenta com Lula, do
Ministro Jacques Wagner com Rui Falcão e dos advogados do ex-presidente.
A
cartografia de Nassif confere inteligibilidade à desestabilização e, sobretudo,
ao papel do Alto Comando. Mas ao longo do tempo, e da publicação dos posts,
fica a impressão de que o jornalista se assustou com sua própria
descobertaminis e passou a explicar a conduta de Janot e dos procuradores sob a
ótica exclusiva do “corporativismo”. Assim, o MPF não compartilharia da lógica
que move os outros protagonistas golpistas, já que estes estariam mais
interessados na luta de poder do que no combate à corrupção, obsessão que o MPF supostamente quer cumprir,
“doa a quem doer”.
Voltamos,
portanto, à cruzada contra a corrupção. Mas se ela é seletiva e se a sociedade
brasileira inteira já está pagando um preço exorbitante pela Lava Jato, faz
sentido acreditar em Janot? Se já sabemos quem perde com a desestabilização,
não seria melhor indagar quem ganha com ela? Tudo se passa como se a lógica da
Lava Jato obedecesse à estratégia de desqualificação absoluta do Brasil na cena
global. No âmbito dos BRICS, no âmbito do Mercosul e aos olhos dos próprios
brasileiros. Vale dizer: à estratégia de redução do país a uma condição
neocolonial. A desestabilização visa a inviabilização do Brasil como país. Mais
ainda: a estratégia nem parece ter sido elaborada aqui, na medida em que repete
e retoma métodos, procedimentos e tecnologias jurídicas, policiais e políticas
do terrorismo de Estado norte-americano, em sua guerra contra os países
“inimigos”, principalmente aqueles que detêm soberania em termos de energia e
que, por isso mesmo, precisam ser “neutralizados”. A estratégia busca
criminalizar o governo Dilma, Lula, o PT e todos aqueles que resistem à
implementação da agenda neoliberal e
neocolonial, equiparando-os a “terroristas”, que precisam ser eliminados da
cena política. A estratégia obedece à lógica da terra arrasada, de preferência
levada a cabo pelos próprios autóctones, sem intervenção externa direta e sem
interferência militar. Uma guerra não declarada na chamada “zona cinzenta”,
onde os justiceiros locais fazem o serviço sujo, manejando as armas do Estado
de Exceção e, em sintonia com a mídia golpista, detonando bombas informacionais
com impacto calculado sobre a opinião pública e sobre as instituições.
Moro
e os procuradores de Curitiba são os soldados da desestabilização. Janot e os
procuradores de Brasília são o Alto Comando. Eles formam a espinha dorsal de um
dispositivo de destruição da política como forma de entendimento do coletivo.
Treinados em seminários e colóquios pelos especialistas em “cooperação”,
aprenderam as novas tecnologias jurídicas, políticas e policiais do
“contra-terrorismo”. Importaram e implementaram a estratégia do caos. E não
podemos sequer alegar que não fomos alertados: Snowden, em 2013, havia revelado
os grampos da NSA contra Dilma e contra a Petrobrás, mas não sabemos se o que a
espionagem apurou na petrolífera forneceu material para a Lava Jato. Por outro
lado, o Wikileaks nos informa que Moro e procuradores participaram
entusiasticamente, já em outubro de 2009, de uma conferência no Rio de Janeiro,
na qual pediram treinamento aos americanos da Coordenação do Contra-Terrorismo,
um treinamento multijuridicional, prático, inclusive com demonstrações sobre
como preparar uma testemunha para depor. Nas palavras do próprio documento
vazado: “Treinamentos futuros devem focar áreas como força tarefa sobre
ilícitos financeiros que podem se mostrar a melhor maneira de combater o
terrorismo no Brasil”.
Sabemos
que no Brasil não há terroristas e sabemos quem é que ganha com a
criminalização da esquerda. Já sabemos, portanto, quem quer a desestabilização.
Por isso, para além da defesa de uma Presidenta eleita e de um ex-Presidente
caçado injustamente, está em questão a defesa da democracia e da soberania.
Quer dizer, da construção do futuro. Daí, a pergunta: Vamos continuar tolerando
o intolerável?
Laymert
Garcia dos Santos é sociólogo e professor da Universidade Estadual de Campinas
(Unicamp). Texto divulgado ontem (6), durante ato realizado na Universidade de
São Paulo (USP)
Fonte:
redebrasilatual
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