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Vítima de “novo Abdelmassih” mostra o rosto pela 1ª vez e conta como foi abusada

Valeska decidiu mostrar o rosto pela 1ª vezArquivo pessoal

O nutrólogo Omar Prado está preso suspeito de abusar de pelo menos 14 pacientes em SC
Uma massagem nos ombros, elogios e um beijo atrás da orelha poderiam ser atitudes comuns caso elas não tivessem partido de um médico no meio da consulta a total contragosto da confusa paciente, que não conseguia acreditar no que estava vivendo dentro daquelas quatro paredes. O resultado: uma crise aguda na mandíbula causada pelo estresse, a perda de 15 kg, idas e vindas a psicólogos e psiquiatras e o início de uma luta incessante por Justiça.

Pela primeira vez, uma vítima do nutrólogo Omar César de Castro resolveu mostrar o rosto. Com exclusividade ao R7, a advogada Valeska Gerlach, de 34 anos, conta como foi atacada pelo médico e fala sobre sua luta para condená-lo e mantê-lo atrás das grades. Castro foi preso em fevereiro deste ano, suspeito de ter estuprado ao menos 16 pacientes.

No dia 24 de junho de 2015, Valeska foi até o consultório de Omar Castro, em Florianópolis, por indicação do plano de saúde. A advogada via naquela consulta com um médico conceituado da região a chance de resolver seu problema de intolerância à lactose. Mas, ao contrário do que foi buscar, Valeska saiu com um problema ainda maior.

— Ele me elogiou assim que eu entrei no consultório e achei que era uma forma de me estimular a cuidar mais de mim. Mesmo quando ele segurou a minha mão e disse que eu era carinhosa e ansiosa eu ainda encarei como uma estratégia de venda do trabalho dele.
Mas as insinuações e toques não pararam por aí. A advogada conta que ele começou a massagear suas costas, alegando que ela estava muito tensa e precisava relaxar para parar de sentir dor, mas a massagem não tinha fim.

— Eu não pensava em hipótese alguma que ele tivesse algo em mente. Mas o corpo dele começou a pressionar no meu. Foi quando notei que o tempo de massagem já havia demorado demais e foi então que senti uma forte respiração no meu pescoço, mas mesmo assim eu ainda tinha dúvidas do que estava acontecendo. Fiquei procurando lógica em tudo o que acontecia.

Foi então que as mãos do médico deslizaram pelo corpo da advogada e o toque indesejado veio acompanhado do “elogio”: “Além de linda, é cheirosa”.

— Um calafrio percorreu minha espinha. Mal deu tempo de processar o que ele disse e ele me beijou atrás da orelha. Eu o reprendi, mas ele disse que havia sido só um beijinho. Na hora de embora ele ainda tentou me beijar na boca e eu desviei. Sai correndo do consultório e voltei para o escritório. Tentei manter a naturalidade, mas eu fui ao banheiro e comecei a chorar. Foi então que decidi ir à delegacia da mulher.

Com medo, Valeska foi buscar ajuda das autoridades num misto de impotência e incredulidade. Ela se perguntava como poderia ter lidado com aquela situação de forma diferente, mas o fato dele ser médico, de estar dentro de um consultório, deixavam dúvida sobre como ela seria tratada caso reagisse ao assédio.

— Se eu gritasse alguém iria me ouvir? As enfermeiras me chamariam de louca? E na delegacia será que acreditariam em mim? Eu tinha uma vaga esperança de que conseguiria provar o que ele tinha feito comigo.

Mas não precisou de muito esforço. Quando o agente colocou o nome de Omar Castro no sistema da delegacia, logo apareceram outras ocorrências nas quais o nome do médico aparecia.

— Tinha até acusação de estupro. Foi então que eu decidi que fui vítima, não fui a primeira, não fui a única, mas faria de tudo para ser a última.

Um tempo depois do registro do boletim de ocorrência, ao ser chamada para depor, Valeska conta que foi desencorajada por uma escrivã de polícia a fazer a representação contra o médico.

— Durante o depoimento, ela veio com perguntas como: Tem certeza de que ele te atacou? Tem certeza de que não foi um exame comum? Tem certeza de que você não deu a entender alguma coisa? Que roupa você estava? Tem alguma prova? Porque se não tem prova, ele pode te processar e acabar com sua vida. Se fosse eu, desistia.

Para que não houvesse dúvida sobre o assédio, a advogada decidiu ir em busca de provas e voltou a frequentar o consultório numa tentativa de flagrar o assédio. Após algumas tentativas sem sucesso, no dia 26 de novembro o médico voltou a atacar.

— Na gravação que fiz com o meu celular dá para ouvir o quão sem graça fiquei com os elogios dele. Dá para ouvir a música alta no consultório. Dá para ouvir eu dizendo “não doutor” e minha saída correndo de lá. Mas eu não tinha mais forças para continuar a buscar provas. Eu fiquei doente novamente.

Em meio às visitas na busca por provas, Valeska foi apresentada a uma outra vítima, que alegava ter sido dopada e estuprada por Omar Prado. E a luta em busca de novas vítimas deu início a uma missão de vida para a advogada.

— Depois da prisão do Omar várias vítimas se apresentaram. Muitas outras me procuraram, contaram suas histórias e não quiseram registrar uma ocorrência porque têm medo. Inclusive uma que também foi dopada, mas quer deixar tudo para trás. É um ferimento que um dia pode curar, mas deixará uma cicatriz. Eu também tenho medo. Ele sabe quem eu sou, onde moro, meu telefone, meus dados. Omar é influente. Tem dinheiro, tem contatos, tem informação. Se ele sair, quem ficará presa sou eu, porque o medo me impedirá de sair de casa.

"Irmão de crime" de Abdelmassih

A similaridade entre os crimes cometidos por Omar Prado e pelo ex-médico Roger Abdelmassih fez com que as vítimas dos médicos se unissem para lutar por Justiça. Abdelmassih foi condenado a mais de 200 anos de prisão acusado de ter estuprado 56 mulheres em seu consultório de reprodução humana.

Valeska conta que, durante uma campanha por ajuda e Justiça, após a prisão de Omar, Vana Lopes, que representa algumas das vítimas de Abdelmassih, entrou em contato para convidá-la para o grupo Vítimas Unidas para conseguir o suporte necessário para sua luta.

— Desde então eu tenho trocado conversas com as meninas. São mensagens de apoio e de encorajamento, são dicas de como superar o trauma. A dor, o medo,o ressábio pode nunca mais passar e há momentos em que caímos ao chão. Somos irmãs na dor. Passamos pelos mesmos medos, tristezas, perdas, dúvidas. Estamos de mãos dadas. Porque se uma cambalear poderá se apoiar na outra. Mas isso dói. É dolorido ver que a história se repete. Médicos que se aproveitam de seus pacientes. Nós compartilhamos nossa dor e nossa revolta.

Leia os principais trechos da entrevista:

R7 – Por que decidiu aparecer pela primeira vez?
Valeska - Essa é uma pergunta complicada. Nesse tipo de assunto, por muitas vezes as mulheres são vistas também como parte do crime e não como vítimas. Apesar de ter falado abertamente sobre o abuso assim que aconteceu, ter desabafado, foi para um grupo de pessoas que, por sorte, me apoiaram. Amigos esses a quem sou grata. Mas também obtive resistência. Me perguntaram o porquê que eu iria "colocar em risco a minha honra" e ir adiante com tudo, como é que "iriam falar de mim nos corredores". Esse tipo de questionamento, de desestímulo me deu forças. Eu sou a vítima e não o criminoso. Mesmo assim, até o presente momento, sempre apareci como anônima, lutei por baixo dos panos procurando por ajuda psicológica para outras vítimas, procurando por pessoas que poderiam ajudar as outras vítimas.  Mas decidi que é chegada a hora de mostrar quem sou.

R7 – Quais medos você tem?
Valeska - O mesmo medo que toda vítima tem. De ter que ver o seu algoz livre, vivendo sua vida como se nada tivesse acontecido enquanto eu tento lidar com as cicatrizes que os atos dele me deixaram. Ele sabe onde eu moro, conhece meu rosto, me usa como parte de sua defesa, inclusive meus prontuários médicos. Se ele sair da prisão e até de dentro dela, tendo em vista sua condição financeira, ele pode tentar me calar, me assustar.

R7 – Como tudo isso mudou a sua vida?
Valeska - Minha vida mudou drasticamente. Eu passei a ter medo de médicos homens. O estresse causado pelo abuso foi tão grande, que eu desenvolvi uma doença que me impediu de comer por um mês. A dor era lancinante. Meu maxilar se deslocou com a infecção. Até hoje, quase um ano após o abuso, eu ainda não consigo comer apropriadamente ou mesmo abrir a boca. E, infelizmente, não possuo condições financeiras para passar pelo tratamento correto. Passo os dias com dores. Alguns dias suaves, outros dias me impedem de comer, o que me fez emagrecer muito e de um modo nada saudável. Tenho tido ataques frequentes de ansiedade e já tive um ataque de pânico. Além disso, não consegui mais ter um relacionamento depois do que o Omar me fez. E já cheguei a chorar quando alguém se aproximou de mim. Eu não consigo dormir direito e, algumas vezes, tenho que me esforçar muito mais para trabalhar, porque alguma coisa pode me fazer lembrar do que aconteceu.

R7 - Por que acredita que muitas mulheres custam a acreditar que estão sendo vítimas de assédio em casos como esses?
Valeska - O médico exerce um verdadeiro poder sobre o paciente. Dentro do consultório nós nos dobramos aos seus pedidos. Tiramos a roupa, levantamos a blusa, deixamos que nos toquem. Mas sempre pensamos que é para nosso bem. O fato de um médico começar a te tocar de maneira que você ache estranha começa a fazer com que você racionalize motivos para aquilo estar acontecendo. "Ele deve estar procurando um nódulo”, "ele está me ensinando como relaxar o pescoço para não ter mais dores de cabeça", até que você se convence. A todo toque, a cada respiração, a cada segundo, você entra em um estado de negação. Eu sempre achei que se algo assim fosse acontecer comigo, eu meteria a mão na cara do abusado. Mas em vez disso, eu fiquei em choque.


Fonte:r7

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