O cientista político Carlos Eduardo Martins concedeu uma entrevista para Nina Jurna, correspondente internacional do RTL Notícias , Het Parool e NRC Handelsblad na América do Sul, no dia 14 de abril de 2016. A matéria que foi ao ar no dia 18 de abril, intitulada “Brazilië zet president op zijspoor“, contou com apenas alguns dos destaques das respostas de Carlos Eduardo Martins. Por isso, o Blog da Boitempo publica, abaixo, o texto integral da entrevista enviado pelo autor. Estruturada por perguntas básicas, que dialogam com o senso comum, a entrevista fornece um breve roteiro para mapear o que está acontecendo no Brasil hoje. Boa leitura!
* * *
Você pode explicar o que, em seu opinião, está acontecendo agora em Brasil?
O que há no Brasil é uma tentativa de golpe de Estado em curso, a
partir de uma articulação entre a Rede Globo de televisão, setores do
grande capital internacional e nacional, a maioria do Parlamento
brasileiro e segmentos do poder judiciário e do ministério público. Esta
tentativa aproveita-se da redução da popularidade do governo Dilma
provocada pelo equívoco que cometeu ao adotar a política do capital
financeiro que atuou de forma pró-cíclica diante do cenário de crise
econômica internacional. Pressionada diante dos sinais de redução do
crescimento econômico, Dilma imaginou que garantiria sua governabilidade
atendo às pressões do grande capital e seu porta-voz nos meios de
comunicação hegemônicos. Entretanto, o resultado foi o inverso. Perdeu
popularidade rapidamente e abriu o espaço para um golpe de Estado
preventivo contra o avanço de programas sociais no futuro e a
consolidação da direção política do país pelas esquerdas com a eleição
de Lula em 2018.
Muitas pessoas, inclusive a presidente Dilma, falam em “golpe”. Por que?
Porque a constituição define que o impeachment só pode
ocorrer em situação de crime de responsabilidade. As chamadas pedaladas
fiscais alegadas pela oposição para consubstanciar o impeachment não
violam a lei orçamentária e não constituem crime fiscal. Foram
praticadas por governos anteriores, por 17 governadores com mandato em
vigência e pelo próprio vice-presidente, um dos líderes do golpe, quando
exerceu o cargo de presidente. A oposição considera que a inadimplência
do governo com bancos públicos é empréstimo, o que a rigor não é.
Durante o governo Dilma, a Caixa Econômica Federal foi superavitária,
mesmo com o atraso no repasse de recursos para pagar o Bolsa Família,
enquanto no governo Fernando Henrique Cardoso, a Caixa Econômica Federal
acumulou estrondosos déficits no balanço orçamentário, como no
exercício de 2001.
Quais sãos as motivações?
Os motivos são vários: impedir o fortalecimento das esquerdas no país
e a ascensão econômica, política e cultural dos setores de baixa renda;
realizar uma nova ofensiva neoliberal no país que destrua direitos
sociais, eleve a desigualdade, desnacionalize o Pré-sal e privatize
empresas e bancos públicos como a Petrobrás, a Caixa Econômica Federal e
o Banco do Brasil; isolar governos nacional-populares sul-americanos; e
impedir a construção de uma geopolítica mundial, reorientando a
política externa brasileira contra o eixo bolivariano, a Unasul a Celac e
o BRICS
Qual será a situação no Brasil, caso o impeachment se realize?
Se o impeachment passar, terá se encerrado, em favor do golpe de
Estado, a Nova República e o projeto liberal-conservador e centrista de
uma abertura lenta gradual e segura formulado pelas classes dominantes
brasileiras desde o fim dos anos 70. Este projeto teve o PT como seu
último fiel da balança, através de governos que pela esquerda garantem a
governabilidade do capitalismo dependente e associado brasileiro, sem
afetar fundamentalmente suas estruturas, como a prevalência do
agronegócio e do latifúndio no campo, a vinculação prioritária do
orçamento público ao capital financeiro, a preservação dos monopólios
dos meios de comunicação, a desnacionalização do setor industrial e a
manutenção de altos níveis de desigualdade de riqueza e de renda. A
queda deste paradigma de esquerda pode colocar os movimentos populares
na defensiva por um tempo difícil de prever, mas abre o espaço para
emergência de uma nova esquerda, muito mais ofensiva, que venha a
questionar o modelo de acumulação capitalista no Estado brasileiro, este
sim, estruturalmente, profundamente impopular.
Você considera o impeachment e um solução ou não? Por que?
O golpe se apresenta por uma ofensiva combinada em três frentes:
contra o mandato da Presidente Dilma; contra dos direitos políticos de
Lula, impedindo sua candidatura à Presidência da República em 2018; e
contra a soberania popular, eliminando as eleições diretas para chefe de
governo, implantando-se o parlamentarismo através de decisão do
Congresso nacional sem consulta popular. O golpe pode cortar a
acumulação de forças que a esquerda vem fazendo no Brasil, mas
desautoriza o projeto de uma esquerda colaboracionista em nome da
direção política de uma democracia de baixa intensidade. Pode apresentar
ganhos políticos de curto e médio prazo para o imperialismo e a
burguesia associada e dependente, mas não resolve o problema da crise de
legitimidade do modelo de acumulação, antes tende a aprofundá-la, e
abre o espaço, como mencionei, num futuro que pode não ser tão distante,
para a emergência de uma esquerda radical no país associada aos
movimentos populares e sociais
O situação agora parece com o impeachment do época de Collor?
A situação é completamente distinta. Collor não tinha apoio dos
movimentos sociais organizados e nem de lideranças populares. Não houve
resistência popular à sua saída. Agora o cenário é muito diferente.
Quanto mais se estenda o processo de institucionalização do golpe, mais a
população vai se organizando nas redes sociais para denunciar a farsa
que sustenta, e mais os setores de baixa renda vão tomando consciência
da violação que está cometida contra os seus direitos.
Como é hoje em dia o posição dos militares em Brasil?
Os militares, na sua maioria, têm permanecido como observadores da
situação, sem buscar um papel próprio e independente neste contexto.
A ditadura militar os desmoralizou profundamente ante a sociedade
brasileira, ainda que haja um segmento de uns 10% da população
brasileira que representa a extrema-direita e clama por uma intervenção
militar no processo político. Todavia não há base para isso no momento. O
que não quer dizer que não poderá haver no futuro próximo. No último
dia 16 de março, ensaiou-se um cerco popular ao Palácio do Planalto, com
a divulgação melodramática pela Rede Globo de Televisão dos vazamentos
ilegais de conversas telefônicas entre a Presidente Dilma e o
ex-Presidente Lula. Todavia a tentativa frustrou-se e as massas não
compareceram a convocação transmitida por essa emissora em horário
nobre. Tentava-se chantagear a ela e às forças armadas sob sua liderança
constitucional com a pressão popular pela renúncia. Mas o caso o golpe
seja referendado pelo Congresso e impugnado legalmente pelo STF, abre-se
uma crise institucional gravíssima e uma indeterminação sobre a quem os
militares devem seguir: ao congresso golpista e ao vice presidente
tornado presidente, ou o poder judiciário como último guardião da
legalidade? A conjuntura pode colocar no colo dos militares a
necessidade dramática de decidir e poderá haver divisão entre eles.
Segundo uma pesquisa Datafolha, 61% dos brasileiros se
demonstrou favorável à saída do presidente Rousseff. Isto não significa
que o impeachment seria melhor?
Se a Dilma é impopular neste momento, foi porque adotou as políticas
econômicas dos seus adversários. Cunha, líder do golpe na Câmara é réu
no STF por crimes financeiros e por corrupção e 80% da população quer
que ele seja preso e destituído do mandato popular, segundo o mesmo
Datafolha. Uma pesquisa do Datafolha, em 18 de março de 2015, mostrava
que a popularidade do Congresso era ainda menor que a de Dilma, sendo
apoiado por apenas 9% dos brasileiros contra os 13% da Presidente. Não
houve mais pesquisas sobre a popularidade do Congresso desde então. Mas é
bastante plausível supor que sua popularidade tenha piorado ainda mais
em relação à da Presidente. Não há nenhuma, nenhuma legitimidade ou base
constitucional para este Congresso cassar os votos de 54 milhões de
brasileiros. Sem contar que é Lula que lidera as intenções de voto nas
pesquisas sobre a sucessão em 2018.
Qual é sua opinião sobre a Lava Jato e a corrupção no Brasil?
A lava-jato mostra uma enorme partidarização política da justiça, com
ampla utilização de procedimentos ilegais como transformação de
indícios em provas, prisões arbitrárias, e a utilização de delação
premiada seletiva como instrumento para atingir o PT e o governo Dilma.
Vários delatores conseguiram penas brandas e a devolução parcial de
recursos desviados, como nos casos de Pedro Barusco e Fernando Baiano.
De outro lado, ofertas de delações premiadas, como as da Odebrecht, que
atingiriam em cheio membros da oposição, têm sido recusadas pelo
Ministério Público levando à sua desmoralização diante da opinião
pública mais bem informada, constituída, por exemplo, pelos movimentos
estudantis, com raízes cada vez mais populares, a partir da lei de cotas
para estudantes oriundos de escolas públicas nas universidades
federais, promulgada pelo mandato anterior de Dilma.
Alguns brasileiros defendem a realização de novas eleições como uma alternativa melhor. O que você acha?
Essa é a proposta que inicialmente havia sido defendida por Marina e
seus assessores no REDE, partido formado sob sua liderança. É outra
forma do golpe, pois a constituição brasileira não prevê novas eleições,
a não ser em caso de renúncia da Presidente e Vice, ou cassação da
chapa pelo TSE antes da metade do mandato. Dilma declarou que não vai
renunciar, Temer é golpista e não há nenhuma base para cassar a chapa no
TSE. Caso este o faça, ilegalmente, isto ocorreria após a metade do
mandato, o que nos colocaria diante do quadro de eleições indiretas pelo
colégio eleitoral do Congresso Nacional. Há outra variante, proposta
por Luiz Eduardo Soares, assessor de Marina, que é a de aprovação no
Congresso de uma PEC do recall, isto é, uma emenda
constitucional que estabeleça um plebiscito sobre a permanência de Dilma
Rousseff. Trata-se de um artifício casuísta, proposto para a um mandato
já concedido pela população brasileira até 2018, com esperanças de
abrir espaços imediatos para Marina Silva de quem é assessor. Todavia, a
própria Marina orientou a bancada do REDE a votar pelo impeachment na
Câmara.
O que você espera do impeachment e o dos próximas meses no Brasil?
O Impeachment, que é um golpe parlamentar, caso se consume, vai abrir
um cenário de gravíssima crise política no país. As políticas propostas
por seus defensores na dita “Ponte para o Futuro”, programa proposto
pelos setores golpistas do PMDB, agravam a recessão, desnacionalizam a
economia, penalizam o salário mínimo, direitos trabalhistas e os
programas sociais. A ruptura e a desmoralização dos meios
políticos-institucionais democráticos, que canalizam institucionalmente
os descontentamentos sociais, somados ao aprofundamento da recessão e a
realização de um megaevento como as Olimpíadas no Rio de Janeiro, cidade
mais ativa das Jornadas de Junho de 2013, faz prever o óbvio: grandes
confrontações sociais e políticas com enorme repercussão internacional,
principalmente na América Latina.
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