Temos
tratado de diversos problemas práticos que o profissional irá enfrentar com a
vigência do NCPC.
Não
por acaso tratamos em algumas colunas a respeito dos prazos, algo de
fundamental importância para se evitar a intempestividade. A mudança mais relevante
nesse assunto, sem dúvida, é a contagem dos prazos processuais em dias úteis, e
não mais em dias corridos. Assim, a partir de agora não se contam mais prazos
em finais de semana ou feriados.
Antes,
qualquer que fosse o processo a contagem de prazo, em dias contínuos, era a
mesma: processo civil (inclusive Juizados), processo penal e processo do
trabalho. Mas e agora? A regra processual civil aplica-se de forma subsidiária
aos demais processos?
Vejamos
o panorama.
1)
Processo Penal
No
âmbito processual penal, seria possível se sustentar a aplicação subsidiária do
CPC, mas a probabilidade de que a tese prevaleça é pequena. Portanto, o risco
de se contar os prazos em dias úteis é grande.
Isso
porque o tema é especificamente tratado no Código de Processo Penal (CPP),
artigo 798:
Art.
798. Todos os prazos correrão em cartório e serão contínuos e peremptórios, não
se interrompendo por férias, domingo ou dia feriado.
Portanto,
se há regra específica na legislação processual penal, a contagem de prazos no
processo penal segue sendo em dias corridos.
Isso
fará com que a contagem de prazos, em varas únicas e gabinetes de tribunais que
tratam de matérias cível e penal, seja feita de duas formas – o que seguramente
não é adequado.
2)
Processo do Trabalho
Tendo
em vista o disposto do artigo 15 do NCPC[3], a primeira interpretação seria
pela aplicação dos prazos em dias úteis ao processo trabalho. Seria, mas não
será.
A
dúvida decorria da Consilidação das Leis do Trabalho (CLT) que, tal qual o CPP,
tem contagem específica de prazo.
Art.
775 – Os prazos estabelecidos neste Título contam-se com exclusão do dia do
começo e inclusão do dia do vencimento, e são contínuos e irreleváveis,
podendo, entretanto, ser prorrogados pelo tempo estritamente necessário pelo
juiz ou tribunal, ou em virtude de força maior, devidamente comprovada.
Para
evitar maiores problemas, o TST editou a Instrução Normativa 39/2016, indicando
alguns dispositivos do NCPC aplicáveis e inaplicáveis ao processo do trabalho.
E o tema prazo foi especificamente enfrentado:
Art.
2º Sem prejuízo de outros, não se aplicam ao Processo do Trabalho, em razão de
inexistência de omissão ou por incompatibilidade, os seguintes preceitos do
Código de Processo Civil:
III
– art. 219 (contagem de prazos em dias úteis);
Assim,
na Justiça do Trabalho, conforme inclusive já apontado pelo TST, os prazos
seguirão sendo contados em dias corridos.
3)
Juizados Especiais
No
âmbito dos três Juizados, a questão deveria ser simples. Mas, infelizmente, não
é…
Hoje,
há três Juizados: Juizado Especial Cível (JEC, Lei 9.099/95), Juizado Especial
Federal (JEF, Lei 10.259/01) e Juizado Especial da Fazenda Pública (JEFP, Lei
12.153/09).
Por
expressa previsão legal, esses Juizados formam um sistema (grifos nossos):
Art.
1º, Parágrafo único da L. 12.153/2009. O sistema dos Juizados Especiais dos
Estados e do Distrito Federal é formado pelos Juizados Especiais Cíveis,
Juizados Especiais Criminais e Juizados Especiais da Fazenda Pública.
E,
no sistema dos Juizados Especiais, aplica-se de forma subsidiária o CPC – e não
o CPP ou CLT, por certo:
Art.
27 da L. 12.153/2009. Aplica-se subsidiariamente o disposto nas Leis nos 5.869,
de 11 de janeiro de 1973 – Código de Processo Civil, 9.099, de 26 de setembro
de 1995, e 10.259, de 12 de julho de 2001.
Portanto,
tendo em vista (i) que não há regra especial de contagem de prazos processuais
nos Juizados e (ii) a aplicação subsidiária do CPC73 e NCPC aos Juizados, seria
simples concluir que os prazos processuais, nos Juizados, deveriam ser contados
em dias úteis.
Trata-se
de solução até mais simples que a do processo penal ou do trabalho, inexistindo
aqui qualquer conflito normativo, correto?
Infelizmente,
errado…
Existe
uma divergência pública entre setores relevantes do Judiciário acerca da forma
de contagem de prazos processuais nos Juizados – e que começa a se refletir nos
casos concretos em trâmite em juízo, com respostas distintas.
Vejamos
o panorama da situação.
(i)
Em encontro de juízes organizado pela Escola Nacional de Formação e
Aperfeiçoamento de Magistrados (ENFAM), em agosto de 2015, cerca de 500
magistrados se reuniram para debater o NCPC e elaborar enunciados.
Tais
magistrados aprovaram o seguinte enunciado, a respeito do tema:
45)
A contagem dos prazos em dias úteis (art. 219 do CPC/2015) aplica-se ao sistema
de juizados especiais.
Em
nosso entender, como exposto acima, essa é a resposta correta, tendo em vista
os argumentos acima expostos.
(ii)
Contudo, em março de 2016, poucos dias antes da vigência do NCPC, o Fórum
Nacional de Juizados Especiais (FONAJE) divulgou “nota técnica” afirmando que,
no JEC, não se aplica o prazo em dias úteis – e indicando que isso será votado,
como enunciado, em encontro a ocorrer em junho de 2016.
Os
argumentos para tal conclusão são a celeridade, duração razoável do processo e
especialidade dos Juizados.
Há,
entretanto, um detalhe importante. Não se indica qual o diploma legal a ser
utilizado para a contagem de prazo processual em dias corridos, já que é
afastada a contagem de prazos em dias úteis do NCPC e não há previsão acerca
desse tema na Lei 9.099/95. Seria o CPP? Seria a CLT? Seria a aplicação das
regras revogadas do CPC/1973?
De
qualquer forma, não se trata de posição isolada no Judiciário. A tese de
contagem de prazos em dias contínuos foi defendida publicamente pela Ministra
Nancy Andrighi, do STJ e atual corregedora nacional do CNJ e teve enunciado
aprovado no âmbito do Fórum dos Juizados Especiais do Estado de São Paulo
(FOJESP), realizado em 18/03/16 – ainda que por apertada maioria.
A
respeito do conflito com o enunciado ENFAM, um dos representantes do FONAJE se
manifestou, sendo conveniente reproduzir o seguinte trecho de notícia divulgada
pela Associação de Magistrados do Brasil (AMB):
Para
o Juiz de Direito e Secretário-Geral do FONAJE, Gustavo A. Gastal Diefenthäler,
“tal entendimento é equivocado e foi extraído sem que fosse ouvido o FONAJE,
foro adequado para deliberações sobre as questões e temas que afetam o Sistema
de Juizados Especiais, em seus 19 anos de existência”.
Tem-se,
portanto, uma divergência pública entre magistrados, que causa confusão entre
os advogados e demais profissionais do Direito (inclusive, é claro, os próprios
juízes dos Juizados). Isso é de causar perplexidade, especialmente considerando
o comando legislativo inserto no NCPC que afirma que os tribunais deverão
“uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente” (artigo
926).
4)
Conclusão
Diante
do exposto, é de se concluir o seguinte:
–
no Processo Penal, os prazos processuais seguem sendo contados em dias
corridos, não se aplicando o NCPC;
–
no Processo do Trabalho, os prazos processuais seguem sendo contados em dias
corridos, não se aplicando o NCPC;
–
no sistema dos Juizados: há magistrados defendendo a contagem em dias úteis,
com aplicação do NCPC (ENFAM) e magistrados defendendo a contagem em dias
corridos, com base no princípio da celeridade, sem indicar, entretanto, qual a
fonte normativa para a contagem de prazos em dias contínuos (FONAJE).
É
de se lamentar que uma questão tecnicamente simples, em que deveria haver, sem
maiores elucubrações a aplicação subsidiária do NCPC, transforme-se nessa
polêmica.
Por
óbvio, o advogado diligente (e, especialmente, o profissional informado a
respeito desta polêmica…) não contará os prazos em dias úteis, até que
finalmente a jurisprudência venha a se fixar, talvez no âmbito de um IRDR.
Em
síntese, o risco de perda de prazo para o advogado que “apenas” leu o NCPC e as
leis dos Juizados ou o enunciado ENFAM é imenso.
Para
encerrar, um ditado popular: “Na briga do rochedo com o mar, quem leva a pior é
o marisco”. Enfim, seja bem-vindo NCPC…
Fonte:
JusBrasil
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