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Lei de terrorismo, aprovada no Senado, fragiliza protestos no Brasil

Cerco de policiais a manifestantes. 



Projeto abre brechas para criminalizar manifestações, segundo grupos de direitos humanos


Moradores da periferia queimam um ônibus para protestar contra a morte de um jovem nas mãos da polícia. Durante uma manifestação de estudantes contra o fechamento de escolas estaduais, uma estação do metrô é apedrejada. Em passeata pelo impeachment da presidenta Dilma Rousseff, um rapaz que vestia camiseta vermelha é agredido com tapas e pontapés. De acordo com uma lei aprovada na noite desta quarta no Senado, todos os exemplos podem ser enquadrados como atos de terrorismo, e aqueles que os praticaram estão sujeitos a penas de 16 a 24 anos. Curiosamente, o relator da matéria na Casa é Aloysio Nunes (PSDB-SP), ele mesmo tachado de terrorista quando pegou em armas na luta contra a ditadura militar no país. A matéria agora volta para a Câmara, e caso seja aprovada, segue para sanção presidencial.

O projeto de lei chega num momento em que o Brasil é sacudido por protestos de toda natureza, diante do aprofundamento da crise política e econômica: de professores que se queixam do fechamento de escolas, a movimentos sociais que protestam contra o ajuste fiscal, passando pelos movimento pró e contra impeachment da presidenta Dilma.

O avanço da lei no Senado é visto por entidades de defesa dos direitos humanos como extremamente nocivo, uma vez que tipifica o crime de terrorismo de forma a possivelmente enquadrar participantes de atos de rua que depredem patrimônio público ou privado. Diversas entidades assinaram um manifesto contra a lei. De acordo com o texto divulgado, "as condutas tipificadas são todas já previstas e, por isso, puníveis, na legislação penal em vigor no Brasil". O projeto é apontado como "desnecessário, redundante e desproporcional", além de ter "o potencial de agravar de modo dramático o quadro de restrição a direitos fundamentais e de censura à expressão ideológica e política em que o Brasil já vem incorrendo".

Enquanto os parlamentares se esforçam para criminalizar protestos, o relatório As Ruas Sob Ataque, da ONG Artigo 19, aponta que quem viola direitos em manifestações não costumam ser seus participantes. O documento analisou 740 manifestações de janeiro de 2014 a julho de 2015 - contra a Copa do Mundo, por moradia, de professores entre outros -, e contabilizou 849 detenções arbitrárias e diversas violações dos direitos humanos cometidas pelo Estado. No total, sete pessoas morreram em atos realizados no período. A falta de identificação da tropa - que contraria o próprio Regulamento de Uniformes da Polícia -, a detenção preventiva, que é ilegal, e o uso indiscriminado de balas de borracha e bombas de gás lacrimogêneo são apenas algumas violações cometidas pela PM. A Polícia Militar de São Paulo afirmou em nota que “não existe, no ordenamento jurídico brasileiro, a prisão para averiguação”, e que atos ilegais ou “fundada suspeita” levaram a tropa a conduzir suspeitos para delegacias. Mas o documento pinta um retrato diferente.

Não são apenas com balas de borracha e bombas de gás que o Estado age de forma antidemocrática contra protestos de rua. O texto fala também sobre a ofensiva do Legislativo para restringir a ação dos manifestantes - e cita o projeto de Nunes como sendo o mais nocivo para a liberdade de expressão. Os juízes também têm sua parcela de culpa, segundo o relatório. “O poder Judiciário chancelou a postura criminalizadora dos poderes Executivo e Legislativo em relação ao direito de protesto, optando pela via da condenação criminal de manifestantes”, diz o texto. Camila Marques, coordenadora do centro de referência legal da Artigo 19, afirma que o estudo buscou analisar “não somente as violações que aconteciam na rua”, mas também a maneira “como o Estado como um todo agiu no sentido de criminalizar os manifestantes”.

“A lógica de segurança dos protestos não se voltou para a proteção e bem estar dos manifestantes e comunicadores presentes nas ruas”, diz o texto. Muito pelo contrário, “as forças de segurança se comportaram de maneira agressiva frente aos protestos, demonstrando despreparo do Estado em lidar com essa legítima forma de expressão dos sistemas democráticos”.

Se por um lado nenhuma destas denúncias contra as polícias é nova, o relatório aponta que, se as forças públicas haviam sido pegas de surpresa durante os protestos de 2013, a partir de 2014 já poderiam ter se preparado de forma adequada para lidar com as manifestações. “Houve o tempo necessário para entender o fenômeno (…) e agir no sentido de garantir os direitos de liberdade de expressão e manifestação”, afirma o relatório. Mas a resposta foi uma modernização do aparato repressivo, com o uso de armadura (apelidada de Robocop), veículos blindados municiados com canhões de água e o kettling(envelopamento) de manifestantes e jornalistas pela tropa. No envelopamento os policiais cercam toda a manifestação - especialistas afirmam que o método coloca as pessoas em risco ao confiná-las.

Em nota, a PM afirmou que é “instituição garantidora da democracia e dos direitos fundamentais”, e que sempre atua “para garantir a segurança dos próprios manifestantes”. Segundo a corporação, a técnica de envelopamento “é utilizada internacionalmente”, e foi responsável pela redução no uso de outras técnicas “potencialmente mais violentas, embora legais, como o uso de munição química e de elastômeros [bala de borracha]”.

O Ministério Público também é acusado no documento por ter encaminhado “diversos inquéritos repletos de inconsistências e ilegalidades, sem provas efetivas”. Um exemplo claro desta prática foi o caso do estudante Fábio Hideki Hirano, detido em junho de 2014 durante ato na avenida Paulista, em São Paulo, e acusado de incitação ao crime, associação criminosa, resistência, desobediência e porte de coquetel molotov. Ele ficou 45 dias preso até que um laudo pericial comprovou que ele não tinha explosivo algum: teria sido detido apenas por estar de capacete no meio do protesto.
Ponto fora da curva

Para Camila Marques, da Artigo 19, os protestos contra o Governo da presidenta Dilma Rousseff realizados este ano são um ponto fora da curva no comportamento das Polícias Militares do país. Os atos, que reuniram mais de um milhão de pessoas em dezenas de cidades, terminaram sem repressão policial. “São um tipo de manifestação distinta, que provoca reações distintas do Estado”, diz ela. A advogada afirma que estes atos tiveram um apoio institucional da Segurança Pública, “algo que não vimos, por exemplo, nos atos do Movimento Passe Livre”. De acordo com Marques, “em um caso o Estado garante a segurança dos manifestantes, no outro ele provoca as violações”.

Em São Paulo, onde houve o maior público nos atos contra a mandatária, o governador tucano Geraldo Alckmin foi acusado de incentivar os protestos e garantir sua realização. Segundo a coordenadora da ONG, as polícias militares devem sempre agir no sentido de garantir a segurança do protesto “para que ele tenha começo, meio e fim, e alcance seu objetivo político e social”. A atuação nos atos contra Dilma mostram que a tropa “tem algum conhecimento no sentido de garantir estes direitos”, mas ressalta que “a proteção dos atos não pode ser decisão política, mas sim institucional e constitucional”.
Antes e depois de junho de 2013

As chamadas 'jornadas de junho', ocorridas em 2013 e convocadas pelo Movimento Passe Livre, fizeram com que o brasileiro voltasse a conhecer o significado de manifestações de massa. Se inicialmente os protestos contra o aumento da passagem dos transportes reuniam poucos milhares de pessoas, após uma violenta repressão da Polícia Militar em 13 de junho os atos ganharam outra dimensão. Após décadas de ditadura militar - durante as quais não havia direito a protesto -, o país voltava a ter grandes atos. O que se seguiu em 2014 e 2015 foram centenas de protestos - anti-Copa, anti-Dilma, anti-chacinas na periferia -, convocados tanto pela esquerda quanto pela direita. Depois dos anos de chumbo, a população retomou a ação política nas ruas. A dúvida é como o Estado democrático de direito irá lidar com esse novo momento.

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