O “porém” da Justiça que faz o que quer
Algo que os advogados conhecem muito bem, não é raro que decisões judiciais comecem reconhecendo o que é evidente mas, lá pela segunda ou terceira página surja o “porém” que torce o óbvio e o adéqua à “convicção” do julgador. A ministra Rosa Weber, há tempos, criou a joia desta coroa com aquele “não há provas cabais, mas a literatura jurídica me permite condenar”.
A reação da Ministra Cármem Lúcia aos números – solicitados por ela própria – da remuneração dos juízes brasileiros, que mostraram que mais de 71,4% estão fora da lei, recebendo mais do que o teto constitucional, faz parte desta categoria de “sentença” que varia de acordo com o “freguês” a que se destina.
Durante longos 22 minutos, na Globonews, ela tergiversa, dizendo que não se sabe do que se passa com os vencimentos de outros poderes (onde mais 70% ganham além do teto?) e que “nem tudo o que está acima do teto é ilegal”, com desculpas de que pode ser “remuneração de férias ou gratificação natalina”.
Com o devido respeito, a desculpa é risível. Mais ainda misturar isso com a reforma da previdência, quando é sabido que uma das travas que ela enfrenta é a recusa dos juízes em se aposentarem pelas mesmas regras dos demais seres humanos.
Melhor ela faria se lesse nas “defesas” apresentadas por estes tribunais, a longa lista de penduricalhos pagos a suas excelências. É uma penca sem fim e que, como mostra o “listão” dos supersalários, são generalizados.
Ou se explicasse porque se pode driblar o que diz o Art.17 das Disposições Transitórias da Constituição:
Os vencimentos, a remuneração, as vantagens e os adicionais, bem como os proventos de aposentadoria que estejam sendo percebidos em desacordo com a Constituição serão imediatamente reduzidos aos limites dela decorrentes, não se admitindo, neste caso, invocação de direito adquirido ou percepção de excesso a qualquer título.
Por que não usar o que está expresso na lei há quase 30 anos – “serão imediatamente reduzidos” – e fazer que os que se considerarem lesados fundamentarem, como tentou fazer a D. Luislinda Valois, porque têm direito a uma “bolada” extra?
Por uma razão muito simples, que também se lê nas razões invocadas pelos tribunais: a maioria dos balangandãs remuneratórios da turma da D. Cármem está sustentada por decisões do próprio STF e a mentalidade de boa parte dos juízes as legitimam pela natureza divina que se autoatribuem.
Todos são iguais perante a lei, porém…
PS: Socorre-me um amigo com a lembrança que, ao menos nas remunerações do Poder Executivo, a D. Cármem não sabe porque não quer ou finge não saber. Afinal, há vários anos as remunerações totais estão na internet, por lei, ao alcance de um click. Será que a “candidatite” pegou na ministra?
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