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José Serra, um diplomata sem diplomacia


Jornal GGN – Em 18 de maio deste ano, José Serra assumiu interinamente o Ministério das Relações Exteriores. Já no discurso de posse, ficou evidente a guinada à direita do Itamaraty. Sem muito cuidado, o chanceler tucano falava e falando ignorava a carga ideológica do seu pragmatismo bilateral.
Em seu primeiro pronunciamento público, Serra conseguiu: desacreditar os esforços da Organização Mundial do Comércio (OMC), atacar os parceiros do Mercosul, sinalizar submissão aos interesses dos Estados Unidos, Europa e Japão, desprezar os BRICs.
Na necessidade urgente de diferenciar sua diplomacia dos governos petistas, Serra sinalizou para uma descontinuidade absoluta nas prioridades das relações exteriores brasileiras. “A diplomacia voltará a refletir de modo transparente e intransigente os legítimos valores da sociedade brasileira e os interesses de sua economia, a serviço do Brasil como um todo e não mais das conveniências e preferências ideológicas de um partido político e de seus aliados no exterior”, disse.
Desde então, o ministro interino e provisório teve diversas oportunidades para mostrar o seu valor. E um grande número de crises para gerenciar. Algumas que ele mesmo criou.
Serra e o golpe
Alçado ao poder graças à suspensão da presidente democraticamente eleita, a primeira missão de José Serra no Itamaraty foi de tentar suprimir a narrativa de “golpe de estado”, que foi ganhando cada vez mais força no exterior na medida em que veículos da mídia internacional passaram a noticiar as incoerências conceituais e jurídicas do processo de impeachment.
Em 24 de maio, menos de uma semana depois de assumir o cargo, Serra já tinha elaborado e distribuído para embaixadores brasileiros de todo o mundo uma cartilha com instruções de “combater ativamente” a versão do golpe. "Não é admissível que o processo de impeachment seja assemelhado a 'manobras' ou 'farsas políticas'", dizia o documento.
O objetivo da circular era obrigar os diplomatas a adotar o discurso de que "o processo de impeachment observa rigorosamente os ditames e ritos previstos na legislação". "Declarações vagas e sem fundamento sobre a inobservância da legislação brasileira, sobretudo emanadas de autoridades governamentais ou de dirigentes de organismos internacionais, precisam ser enfrentadas com rigor e proficiência, a fim de evitar que continuem a fomentar dúvidas infundadas sobre a lisura do processo político no Brasil".
Criticado, Serra disse que exercia o direito de legítima defesa do governo interino. "Nós somos atacados e reagimos em um tom menor, não em tom maior. Não podemos ser acusados de nos defender. Estamos sendo atacados. Se nos defendemos, somos acusados? Não tem sentido. Se tem ataques, a gente se defende. E instruímos o corpo diplomático inteiro nessa direção".
Serra e o Mercosul
Comandado por José Serra, o Ministério das Relações Exteriores enxerga o Mercosul como um obstáculo para o Brasil em negociações bilaterais. Daí a proposta de revogar a decisão 32, do ano 2000, que estabelece um compromisso de negociar em conjunto acordos comerciais com países de fora do bloco.
"Ficamos excessivamente amarrados à cláusula da união alfandegária do Mercosul. Isso também serviu de pretexto para o Brasil ficar na retranca, porque em toda negociação o Brasil tinha que levar o Mercosul", reclamou recentemente o ministro interino.
A ideia de Serra é que, se o Brasil tiver mais independência do Mercosul, os contratos comerciais com outros países serão mais facilmente conquistados. “Vamos multiplicar desinibidamente os acordos bilaterais”, acredita.
No entanto, mesmo entidades empresariais conservadoras, como a Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) e a CNI (Confederação Nacional da Indústria), têm ressalvas.
“Diferentemente do governo Kirchner, o novo governo [Mauricio Macri] é tão ambicioso em negociações quanto nós. Não há necessidade de flexibilizar o Mercosul, isso vai apenas criar animosidade com a Argentina", disse à Folha de S. Paulo o diretor de relações internacionais da Fiesp, Thomaz Zanotto.
O plano de Serra de flexibilizar a Tarifa Externa Comum também é visto com cautela. O receio é que, mexendo na tarifa, o Brasil perca os únicos mercados cativos que tem no mundo. "É preciso entender exatamente como será essa flexibilização e os impactos para o futuro da Tarifa Externa Comum, pois hoje ela nos garante uma reserva de mercado", afirmou o diretor da CNI, Carlos Abijaodi.
Para o ministro interino, “há uma linha masoquista no Brasil de achar que devemos fazer concessões unilaterais”. Ele entende que a aliança com os países bolivarianos foi motivada por apelo ideológico, um “multilateralismo fanático”, “para dizer que somos de esquerda”.
"O denominador comum que temos com esses países é a desindustrialização. Um populismo que nos levou a jogar pela janela dinheiro que veio da melhora das relações de troca. Eles foram a vanguarda do atraso".
Serra e a Venezuela
Se a relação de José Serra com o Mercosul não é próspera, os contatos com a Venezuela são menos do que amistosos.
O Itamaraty só se reúne com o líder de oposição, Henrique Capriles. O presidente venezuelano, Nicolás Maduro, não reconhece a legitimidade do governo interino. E José Serra e Michel Temer também se recusaram a comparecer à cerimônia de posse da Venezuela na presidência do Mercosul.
"Temos uma política de não intervenção nos assuntos internos de outros países, mas não podemos ser indiferentes ao atropelo da democracia, ao desrespeito aos direitos humanos e à situação brutal de carências que hoje envolvem a população venezuelana", afirmou José Serra depois de uma reunião com Henrique Capriles.
Serra e a OMC
Uma das principais críticas à estratégia de comércio exterior de José Serra é que, com foco excessivo nos acordos bilaterais, as tratativas multilaterais sejam abandonadas. É um daqueles casos em que, para não seguir a ideologia anterior, adota-se uma postura diametralmente oposta e igualmente prejudicial.
Serra diz que não. "Não sou contra a OMC, só que a estratégia do governo anterior de dar prioridade total a ela não vingou. Não podemos ficar presos ao multilateralismo, enquanto outros países avançam em acordos bilaterais".
Dessa forma, a Organização Mundial do Comércio tem hoje um Brasil menos interessado em fazer avançar suas pautas. "Os últimos dez anos não foram recompensantes. Estamos prontos para tentar novas rotas. O que o Brasil não pode ter é paralisia na OMC".
Serra e a OCDE
A Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) não vê com muito otimismo as chances do Brasil de retomar o crescimento. E a previsão de que a recessão vai continuar não foi recebida com muita simpatia pelo ministro interino José Serra.
O último relatório trimestral da entidade diz que "profundas divisões políticas reduziram as possibilidades de qualquer estímulo notório na política de reformas a curto prazo".
"Em nosso cenário de base, a situação política continuará sendo de grande incerteza durante o período de nossas projeções e os níveis de confiança continuarão sendo baixos". "A recessão profunda deve continuar em 2016 e 2017 com um cenário de alta incerteza política e de revelações correntes de corrupção que minam a confiança dos consumidores e investidores, o que leva à contração contínua da demanda doméstica".
Serra não gostou do que leu. "A OCDE não afirma coisa nenhuma. Eles estão especulando. Isso é bobagem. Eles estão especulando com as poucas informações que dispõem".
Na reunião da organização realizada no final de maio, começo de junho, em Paris, o ministro interino chegou a bater-boca com uma repórter local.
Um grupo de pessoas foi até o prédio da entidade e começou um protesto. Depois de gritarem “Fora Serra” e “golpista”, os manifestantes foram retirados do local pela polícia. Um deles disse à jornalista que a ordem partiu do próprio José Serra.
Cara a cara com a repórter, Serra ficou visivelmente irritado. "Você é quem escreveu aquela bobagem. Você escreveu uma besteira, que eu tinha pedido para pôr polícia... Você chutou". A jornalista disse que publicou a versão dos manifestantes, sem juízo de valor. "Eu não pedi [para proibir a manifestação]”, emendou Serra. “Portanto sua matéria é falsa, é mentira. Já dei a versão de que não falei nada, eram oito participantes. Volta para eles e fala: vocês mentiram. Você não pode pôr uma notícia sem antes confirmar com os dois lados. Quando você coloca um lado só, você leva o leitor a ficar induzido por isso. Não custaria nada ter tido um pouco de paciência para ter a informação completa".
Serra e a Europa
Depois do afastamento da presidente Dilma Rousseff, 34 deputados do Parlamento Europeu pediram para que a União Europeia suspendesse as relações comerciais com o Mercosul. José Serra minimizou o fato. "Você sabe qual é o percentual de deputados? Em torno de 4%. Não tem significado nenhum", disse.
Recentemente, depois da saída do Reino Unido da União Europeia, o ministro interino disse que vai buscar negociar acordos comerciais sem a interferência dos blocos. "Preferiria que não tivesse havido a ruptura, mas, já que houve, precisamos fixar estratégias na política comercial externa. Mudou o quadro, revisa a estratégia", afirmou.
O plano é "negociar com a Inglaterra separadamente”. A lógica é que conseguindo a atenção do país, a União Europeia vai se sentir mais disposta a abrir os canais de negociação com o Brasil. “Se você está negociando com um parceiro que tem várias opções, você automaticamente fica mais empenhado".
Especialistas entendem que o efeito pode ser o contrário, a União Europeia vai deixar em segundo plano qualquer tratativa com o Mercosul para focar na reconstrução com o Reino Unido, o que deve atrasar as negociações para o Brasil.
Serra e a África
Em seu discurso de posse, José Serra defendeu uma parceria mais pragmática com os países africanos, menos baseada nas raízes culturais e nos laços fraternos e mais voltada ao intercâmbio econômico, tecnológico e de investimentos. “Essa é a estratégia Sul-Sul correta, não a que chegou a ser praticada com finalidades publicitárias, escassos benefícios econômicos e grandes investimentos diplomáticos".
O ministro interino chegou a encomendar um estudo para analisar os custos das embaixadas e consulados na África e no Caribe. A intenção era verificar quais postos diplomáticos poderiam ser fechados.
Depois, ele acabou viajando até Cabo Verde, onde manteve reuniões de trabalho com o ministro das Relações Exteriores, Luis Filipe Tavares, com o primeiro-ministro, Ulisses Correia e Silva, e com o presidente, Jorge Carlos Fonseca. Em nota, o Itamaraty dizia se tratar de uma "demonstração de que as relações com o continente continuam prioritárias na política externa brasileira".
Pelos dólares chineses, Mercosul vale a pena
Em sua declaração mais recente, nesta segunda-feira (4), depois de participar do Global Agribusiness Forum 2016, José Serra conseguiu encontrar uma utilidade para o Mercosul: atrair os investimentos chineses. "Nós temos muito a avançar na relação com a China, inclusive no âmbito do Mercosul. Não há contradição de negociar o acesso junto com o bloco. Há espaço para todo mundo no âmbito global".

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