Coube
aos repórteres Pedro Lopes e Vinícius Segalla, do UOL, produzirem a mais
explosiva reportagem – destas com R maiúsculo. pelo cuidado e apuração
criteriosa – deste domingo.
Com
riqueza de detalhes e documentos, mostram que Sérgio Moro manipula, transgride
e viola as normas processuais e as leis para construir e manter consigo a
Operação Lava Jato.
Há
quase uma década, a operação nasceu de um grampo ilegal, feito sobre um
advogado e seu cliente e em investigações que envolviam o falecido deputado
José Janene, do PP, pelo qual se chegou a Paulo Roberto Costa. Janene, na
ocasião, tinha privilégio de foro no STF e só por este poderia ser investigado.
A
matéria é explosiva e não tenho esperanças de que vá parar em grande parte dos
jornais, comprometidos até a medula com a articulação golpista.
Mas,
cumprida a etapa de derrubada de Dilma, os elementos que contém podem servir
para anular boa parte dos inquéritos da Lava Jato e distribuir impunidade no
pós-golpe.
Leiam.
É estarrecedor e mostra que desenvolveu-se um cogumelo ambiente escuro de uma
vara federal. Um veneno que, quandofoi conveniente, foi servido ao país.
Documentos indicam grampo ilegal e abusos de Moro na origem da Lava Jato
Pedro
Lopes e Vinícius Segalla, do UOL
Nas
últimas semanas, a operação Lava Jato levantou polêmica ao divulgar conversas
entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e a atual presidente Dilma
Rousseff (PT). Os questionamentos sobre a legalidade da investigação,
entretanto, surgem desde sua origem, há quase dez anos. Documentos obtidos pelo
UOL apontam indícios da existência de uma prova ilegal no embrião da operação,
manobras para manter a competência na 13ª Vara Federal de Curitiba, do juiz
Sergio Moro, e até pressão sobre prisioneiros.
Esses
fatos são alvo de uma reclamação constitucional, movida pela defesa de Paulo
Okamotto, presidente do Instituto Lula, no STF (Supremo Tribunal Federal). A
ação pede que as investigações da Lava Jato que ainda não resultaram em
denúncias sejam retiradas de Moro e encaminhadas aos juízos competentes, em São
Paulo e no próprio STF. Para ler a íntegra do documento, clique aqui.
A
reportagem ouviu nove profissionais do Direito, dentre advogados sem relação
com o caso e especialistas de renome em processo penal, e a eles submeteu a
reclamação constitucional e os documentos obtidos. Os juristas afirmam que a
Operação Lava Jato, já há algum tempo, deveria ter sido retirada da 13ª Vara
Federal de Curitiba, além de ter sido palco de abusos de legalidade.
O
portal também questionou o juiz Sergio Moro sobre o assunto, mas o magistrado
preferiu não se pronunciar (leia mais ao final desta reportagem).
Veja
os principais pontos questionados:
Origem
em grampo ilegal
A
Lava Jato foi deflagrada em 2014, mas as investigações já aconteciam desde
2006, quando foi instaurado um procedimento criminal para investigar relações
entre o ex-deputado José Janene (PP), já falecido, e o doleiro Alberto Youssef,
peça central no escândalo da Petrobras. Entretanto, um documento de 2009 da
própria PF (Polícia Federal), obtido pelo UOL, afirma que o elo entre Youssef e
Janene e a investigação surgiram de um grampo aparentemente ilegal.
Reprodução/UOL
Representação
da Polícia Federal admite que investigação começou a partir de grampo entre
advogado e cliente
A
conversa grampeada em 2006, à qual a reportagem também teve acesso, é entre o
advogado Adolfo Góis e Roberto Brasilano, então assessor de Janene. Seu
conteúdo envolve instruções sobre um depoimento, exercício típico e legal da
advocacia. Os desdobramentos dessa ligação chegaram, anos depois, a Paulo
Roberto Costa, ex-diretor da Petrobras e o primeiro delator da Lava Jato.
Reprodução/UOL
Conversa
entre Adolfo Góis e Roberto Brasiliano deu origem a investigação que desaguaria
na Lava Jato
“Se
as premissas estiverem corretas, realmente parece que se tratava de conversa
protegida pelo sigilo advogado-cliente. Nesse caso, a interceptação telefônica
constitui prova ilícita”, explica Gustavo Badaró, advogado e professor de
Processo Penal na graduação e pós-graduação da Universidade de São Paulo. “Essa
prova contaminará todas as provas subsequentes. É a chamada “teoria dos frutos
da árvore envenenada”. Todavia, a prova posterior poderá ser mantida como
válida, desde que haja uma fonte independente”, conclui o professor.
Lava
Jato já deveria ter saído do Paraná
Os
supostos delitos e criminosos que estão sendo investigados na Operação Lava
Jato não deveriam estar sendo julgados por Moro, segundo a tese da defesa de
Paulo Okamoto, corroborada por juristas ouvidos pela reportagem. O principal
ponto é que Moro não é o “juiz natural”, princípio previsto na Constituição,
para julgar os crimes em questão.
De
acordo com Geraldo Prado, professor de processo penal da UFRJ (Universidade
Federal do Rio de Janeiro) e da Universidade de Lisboa, “na Lava-Jato, o juízo
da 13ª Vara Federal de Curitiba [onde atua Moro] há muito tempo não é mais
competente para julgar casos que remotamente surgiram de investigação no âmbito
do chamado caso Banestado. Pelas regras em vigor, praticamente todos os
procedimentos seriam ou de competência de Justiças Estaduais ou da Seção
Judiciária Federal de São Paulo, porque nestes lugares, em tese, foram
praticadas as mais graves e a maior parte das infrações. Há, portanto, violação
ao princípio constitucional do juiz natural. Exame minucioso da causa pelo STF
não pode levar a outra conclusão.”
A
legislação brasileira estabelece critérios objetivos para determinar quem julga
determinado crime. O ponto principal é que um crime, via de regra, será julgado
no local onde ele foi cometido. Já quando existem crimes conexos, ou seja, que
têm relação com delitos previamente cometidos pelos mesmos autores, eles podem
vir a ser julgados pelo mesmo juízo responsável pela apreciação dos crimes iniciais.
Em
casos de conexão, a lei prevê que o que determina quem será o juiz natural para
o julgamento são os seguintes critérios, nessa ordem: o lugar onde ocorreu o
delito que tem a pena mais grave, o lugar em que houver ocorrido o maior número
de infrações, se as respectivas penas forem de igual gravidade, e a competência
pela prevenção, que se dá quando um juiz já julgou crimes relacionados ao mesmo
esquema ilegal. Segundo Moro, é esse último critério que faria dele o juiz
natural de todos os delitos: os crimes seriam conexos a outro que ele já vinha
julgando.
Tanto
é assim que, em todas as decisões relacionadas aos crimes investigados na
operação, o magistrado inicia seu texto com o seguinte cabeçalho:
“Tramitam
por este Juízo diversos inquéritos, ações penais e processos incidentes
relacionados à assim denominada Operação Lava Jato. A investigação, com origem
nos inquéritos 2009.70000032500 e 2006.70000186628, iniciou-se com a apuração
de crime de lavagem consumado em Londrina/PR, sujeito, portanto, à jurisdição
desta Vara, tendo o fato originado a ação penal 504722977.2014.404.7000”.
Os
inquéritos a que Moro se refere, de lavagem de dinheiro, foram cometidos no
Banestado, e nada têm a ver com as fraudes e desvios de dinheiro público que
ocorreram na Petrobras, que são o principal foco da Lava Jato. A ligação,
alegada por Moro, é que que alguns dos investigados no Banestado, como Janene e
Yousseff, foram flagrados em escutas telefônicas falando sobre outros supostos
crimes, estes sim relacionados à Petrobras.
O
STF, no entanto, já proferiu decisão afirmando que escutas telefônicas que
revelem crimes diferentes dos que estão sendo investigados devem ser
consideradas provas fortuitas, não tendo a capacidade de gerar a chamada
conexão por prevenção. É o que afirma o advogado Fernando Fernandes, que
defende Paulo Okamotto, na ação que move no STF, classificando a prática de
“jurisprudência totalitarista”.
O
professor Badaró concorda. “Houve um
abuso das regras de conexão na Lava Jato. Além disso, a conexão tem efeito de
determinar a reunião de mais de um crime em um único processo. Isso não foi
feito na Lava Jato. Ao contrário, os processos tramitam separados”. O advogado
André Lozano Andrade, especialista em direito processual penal do escritório
RLMC Advogados, lembra ainda que um dos investigados, José Janene, tinha foro
privilegiado por ser deputado federal, na época. “Assim, os autos deveriam ter
sido remetidos para o STF. Além disso, deveriam os autos no que se refere a
outros crimes ter sido remetidos para São Paulo, tendo em vista que o centro de
operação dos ´criminosos´ era na Capital Paulista. A competência por prevenção
só se dá quando ausentes outras formas de determinação de competência.”
Longa
investigação sem denúncia
A
investigação que culminou na deflagração da Operação Lava Jato, a respeito de
crimes de lavagem de dinheiro ocorridos no âmbito do Banestado, no Paraná,
tiveram início em 2006. Daquele ano até 2014, se passaram oito anos sem que a
Polícia Federal, que comandava a operação, oferecesse uma só denúncia contra os
investigados, o que, na definição da defesa de Paulo Okamoto, seria
“investigação eterna”.
Em
2013, após sete anos de investigações sobre o Banestado, Moro reconheceu as
dificuldades para apontar os crimes, mas concedeu um prazo adicional de quatro
meses para alguma conclusão. Esse prazo ainda foi renovado por mais três meses
após o final. O inquérito foi arquivado, mas serviu como referência para a
abertura de outro, que terminou na Lava Jato.
Reprodução/UOL
Após
sete anos de investigações, depois de prolongar por 120 dias, Moro concede mais
90 dias
Reprodução/UOL
Ao
longo de oito anos, de 2006 a 2014, Moro quebrou inúmeros sigilos
“A
questão torna-se mais delicada se a investigação dura meses ou anos e em seu
curso são adotadas medidas cautelares que invadem a privacidade alheia
[afastamento de sigilos, interceptações etc.], sem que a investigação seja
concluída. A última hipótese é típica de estados policiais e não de estados de
direito”, alerta o professor Geraldo Prado.
“Embora
não haja na legislação brasileira um prazo máximo para a conclusão de
investigações criminais, se os investigados estiverem soltos, não é possível
admitir que a investigação possa se desenvolver sem um limite temporal”, diz
Gustavo Badaró.
Decisões
tomadas sem consulta ao MPF
Durante
os oito anos de investigações, o juiz Sérgio Moro autorizou sucessivas quebras
de sigilo fiscal, bancário, telefônico e telemático e decretou prisões
cautelares, sem consultar previamente o MPF (Ministério Público Federal) ou até
contrariando recomendação deste órgão, que, por lei, é o titular da ação penal
pública.
A
história começou em 14 de julho de 2006, quando a PF fez uma representação para
Moro, com o objetivo de investigar a relação de Youssef e Janene, solicitando a
interceptação telefônica do primeiro. Quando isso ocorre, o procedimento normal
é remeter o pedido ao MPF, para que se manifeste. Apesar disso, em 19 de julho
de 2006, Moro deferiu todos os pedidos da PF sem prévia manifestação do MPF. Em
seguida, não houve abertura de vista ao MPF, e a próxima manifestação da PF nos
autos só ocorreria quase um ano mais tarde, em 3 de maio de 2007. Durante todo
esse tempo, os policiais mantiveram uma investigação que incluía quebras de
sigilo.
O
primeiro despacho abrindo vista para o MPF só ocorreu em 9 de setembro de 2008,
mais de dois anos após a abertura da investigação. Os procuradores, então,
consideraram que já havia passado muito tempo de investigação sem qualquer
resultado frutífero, e recomendaram que Moro extinguisse ali mesmo a
investigação, a não ser que a PF se manifestasse dando provas de que estariam
para surgir fatos novos que justificassem a continuidade das investigações.
Reprodução/UOL
Em
2008, MPF avisou que investigações eram infrutíferas e não pediu mais
diligências
Moro,
no entanto, resolveu ir contra a recomendação do MPF, e permitiu que a PF
continuasse investigando.
Em
06 de janeiro de 2009, quase 120 dias depois, surgia uma mensagem anônima com
informações novas que levavam a crer que Yousseff e Janene mantinham um esquema
de lavagem de dinheiro. A PF, então, pediu novas interceptações e quebras de
sigilo bancário e fiscal de dezenas de pessoas e empresas. O MPF recomendou que
delimitasse o pedido, indicando o período e os documentos a serem obtidos. Mais
uma vez, Moro descumpriu a recomendação dos procuradores, e autorizou todos os
pedidos da polícia. “Há motivos suficientes para deferir a quebra de sigilo
fiscal e bancário relativamente a todas essas pessoas, considerando as
suspeitas fundadas da prática de crimes expostas nas decisões anteriores e
nesta, bem como por se inserirem no rastreamento bancário em andamento”, disse
o juiz, em despacho.
Outras
nove vezes Moro deferiu quebras de sigilo, sem ouvir o MPF, justificando sempre
da mesma forma. “Não o ouvi (MPF)
previamente em virtude da necessidade de não haver solução de continuidade da
diligência e por se tratar de prorrogação de medidas investigatórias sobre as
quais o MPF já se manifestou favoravelmente anteriormente.”
O
professor Badaró explica as consequências desta prática. “O deferimento em si
de um pedido sem oitiva prévia do MP não é ilegal, mas a sistemática utilização
de tal expediente, por mais de um ano, permite que se coloque em dúvida a
imparcialidade do julgador”.
Presos
sem acesso a advogados e banho de sol
A
fase mais recente da Lava Jato trouxe denúncias de violações de direitos
humanos — prisões temporárias prolongadas com o objetivo de obter delações
premiadas. Durante este processo, presos teriam sido isolados, privados de
encontros com seus advogados e até de banho de sol. Um parecer do Ministério
Público Federal de junho de 2014 aponta a ilegalidade dessas práticas e pedem
que sejam interrompidas — o preso em questão é Paulo Roberto Costa, ex-diretor
da Petrobras.
Reprodução/UOL
Ministério
Público Federal emitiu parecer pedindo fim de restrições a direitos em prisão
preventiva de Paulo Roberto Costa
Outro
Lado
No
dia 29 de março, a reportagem do UOL informou à assessoria do juiz Sergio Moro
que estava preparando uma reportagem sobre as supostas irregularidades
constantes na origem da Lava Jato. O portal enviou ao magistrado a íntegra da
reclamação constitucional interposta no STF pela defesa de Paulo Okamoto. A
reportagem destacou, ainda, que chamavam a atenção “uma prova aparentemente
ilícita (um grampo ilegal) que pode estar na origem de tudo, e uma série de
manobras que teriam sido feitas pelo magistrado para manter a competência em
Curitiba, contrariando o princípio do juiz natural e as regras de processo
penal aplicáveis.” Diante disso, solicitou, por fim, que Sergio Moro se
manifestasse a respeito do assunto.
Menos
de uma hora após o envio da mensagem, a assessoria de Moro respondeu ao UOL,
afirmando que “o magistrado não se manifesta a não ser nos autos”.
Apesar
do atual silêncio do juiz paranaense, Moro já proferiu opiniões sobre alguns
pontos ora em debate, seja em palestras, decisões judiciais ou textos
acadêmicos. Em um artigo que escreveu em 2004, por exemplo, Moro defendeu o uso
da prisão preventiva como forma de forçar um investigado a assinar um termo de
delação premiada”. O juiz considera válido “submeter os suspeitos à pressão de
tomar decisão quanto a confessar, espalhando a suspeita de que outros já teriam
confessado e levantando a suspeita de permanência na prisão pelo menos pelo
período da custódia preventiva no caso de manutenção do silêncio ou,
vice-versa, de soltura imediata no caso de confissão”.
Sobre
o grampo de conversas entre advogado e cliente, em manifestação enviada ao STF
no último dia 29, a respeito do grampo dos advogados que defendem o
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Moro afirmou que o fez por considerar
que um dos advogados seria parte do suposto grupo criminoso que estaria sendo
investigado, o que tornaria legal a interceptação. Esta poderia ser uma
explicação para o grampo supostamente ilegal que deu início à Lava Jato.
Fonte:
tijolaco
0 Comentários
Os comentários são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam a opinião do BVO - Blog Verdades Ocultas. Se achar algo que viole os termos de uso, denuncie. Leia os termos de uso do Blog Verdades Ocultas para saber o que é impróprio ou ilegal.