Fausto De Sanctis é juiz do Tribunal Regional Federal da 3ª RegiãoAvener Prado/Folhapress |
O
juiz Sergio Moro, responsável pelos julgamentos da Operação Lava Jato, é hoje o
magistrado mais famoso do país. Há menos de dez anos, porém, quem ocupava esse
posto era Fausto De Sanctis, juiz do Tribunal Regional Federal da 3ª Região
(segunda instância da Justiça Federal de São Paulo e do Mato Grosso do Sul).
Enquanto
trabalhou na 6ª Vara Criminal da Justiça Federal de São Paulo, De Sanctis foi
responsável por julgar e autorizar algumas das maiores operações contra
corrupção e lavagem de dinheiro realizadas na primeira década do século 21.
Atuou no caso MSI/Corinthians, que apurou suspeitas de lavagem de dinheiro por
meio de uma parceria entre o clube e um grupo de investidores; na Operação
Castelo de Areia, que investigou um esquema de corrupção envolvendo políticos e
a construtora Camargo Correa; e até na Operação Satiagraha, cujo um dos réus
foi o banqueiro Daniel Dantas.
Por
seu trabalho em todos esses casos, De Sanctis acabou se tornando foco de
admiração e contestação. Virou alvo de queixas formais de réus e viu alguns dos
processos que julgou serem completamente anulados após a Justiça verificar
ilegalidades em coleta de provas e no uso de delações anônimas.
Em
entrevista concedida ao UOL na última quinta-feira (31), ele atribuiu essas
anulações a entendimentos equivocados de tribunais superiores sobre o combate a
crimes político-econômicos. "Tribunais superiores não estavam acostumados
a tratar com a criminalidade econômica, que estava sendo combatida de forma
eficaz em varas especializadas", afirmou ele. "Hoje, isso
mudou."
Em
mais de uma hora de conversa, De Sanctis também lembrou-se das dificuldades em
trabalhar em casos judiciais polêmicos. Evitou comentar diretamente a atuação
do colega Moro. Ressaltou, contudo, diferenças entre a sua conduta e a do juiz
da Lava Jato. "Houve divulgação da lista, a qual coloca políticos como
suspeitos de terem recebido propina. Eu jamais teria divulgado", disse.
Confira
abaixo os principais trechos da entrevista:
UOL:
O senhor conhece o juiz Sergio Moro?
Fausto
De Sanctis: Eu o conheci no contexto da criação das varas especializadas em
crimes de lavagem de dinheiro. Elas foram criadas em 2003. Eu era titular de
uma dessas varas em São Paulo. No início, os juízes delas se reuniam
semestralmente em Brasília para trocar informações. Lá, tive contato com Moro.
O
que o senhor pode falar sobre ele?
Moro
sempre se mostrou bem interessado em questões técnicas, na aplicação do melhor
direito e sempre invocou muito o direito norte-americano. Ele é uma pessoa
reservada e discreta.
Moro
é hoje o juiz mais famoso do país. O senhor já teve essa notoriedade. Como era
viver e trabalhar assim?
Eu
andava na avenida Paulista e as pessoas me paravam. Eu ia dar uma palestra a
outros juízes e me pediam autógrafo. Nessa situação, é preciso fazer um
exercício muito frequente de espelho. Não se pode perder o chão. Quando a
pessoa fala 'eu sou o cara', começa a ter sua atuação comprometida.
A
voz das ruas influencia o juiz?
Sempre
agi tecnicamente. Você não pode atender pura e simplesmente a vontade da
sociedade. A multidão tem vontades não legítimas, não aceitas no Estado
Democrático. Uma pessoa quer se jogar de um prédio, forma-se uma multidão e
grita: "Se joga". Você não pode se envolver nessas vontades
antissociais.
Até
onde um juiz pode se aproveitar do reconhecimento, colaborar com a sociedade
(dando palestras, por exemplo) e, ao mesmo tempo, manter a distância necessária
para julgamentos?
Olha,
eu não gostava de dar entrevistas, por exemplo. Aí veio a Operação Satiagraha
(2008). Uma assessoria do tribunal chegou ao meu gabinete e me disse:
"Doutor Fausto, o senhor precisa dar entrevista para as pessoas saberem
quem é o juiz do caso. Senão o senhor vai ser destruído". Fui orientado a
não falar sobre caso concreto, mas que mostrasse que eu sou um juiz técnico,
que mostrasse o funcionamento da vara. Esse tipo de exposição é positiva.
Agora, existem limites. Não é recomendável que um magistrado participe de
movimentos políticos, seja da linha que for. Não é recomendável que ele dê um
'curtir' na internet mostrando uma tendência política. Suas decisões passarão a
ser contestadas, e isso não pode acontecer. Os limites estão nos princípios
técnicos e princípios éticos.
O
senhor disse "ser destruído". Como isso pode acontecer?
Desde
a invasão a sua vida pessoal, tentativas de arranhar a sua reputação e outras
coisas. Atuando num caso de grande repercussão, você se expõe muito.
O
trabalho do juiz também passa a ser mais contestado. O senhor, por exemplo, foi
alvo de representações ao CNJ (Conselho Nacional de Justiça).
Respondi
20 representações. Todas foram arquivadas.
O
senhor teve julgamentos anulados. Por que isso aconteceu?
Eu
trabalhei em 38 casos de repercussão nacional. Cinco deles foram anulados.
Acontece que os cinco anulados foram os mais rumorosos: Satiagraha e Castelo de
Areia estão entre eles.
O
que posso dizer é que o ambiente jurisdicional era completamente diferente do
de hoje. Na época, havia um ambiente em que o reforço de todo e qualquer
direito do réu era ressaltado pelo Judiciário, não levando em conta o direito
da sociedade de ver alguém punido por ter descumprido uma lei. Imagine um
pêndulo. De um lado, o interesse do réu. Do outro, o da sociedade. Na época, o
pêndulo estava voltado só para a defesa do réu.
Como
está o pêndulo hoje?
Hoje,
se ele não está do outro lado (a favor da punição dos réus), ele está ao menos
no meio. O ambiente mudou.
Críticos
da Lava Jato dizem que o pêndulo está a favor da condenação.
Na
Lava Jato, há pessoas que foram condenadas, e outras, absolvidas. Ou seja, não
há uma sistemática para condenação. Há uma atuação do Ministério Público, da
Polícia Federal e da Receita Federal. Há um juiz fazendo o controle
constitucional das medidas de investigação, tomando conhecimento dos fatos e os
julgando. As decisões são corretas até porque quase todas estão sendo
confirmadas em tribunais superiores.
Há
críticas quanto a vazamentos de informação. Fazem sentido?
Não
posso falar. Moro tem uma linha de atuação e tenho a minha. Houve divulgação da
lista, a qual coloca políticos como suspeitos de terem recebido propina. Eu
jamais teria divulgado. Já houve uma comissão do Congresso Nacional em minha
sala para me pedir cópia de interceptações telefônicas. Eu neguei. Sabia que
ela poderia ser usada indevidamente. Um uso político e não técnico. Já fui
acusado de ser arbitrário por conta dessa negativa. O Judiciário tem outro
entendimento disso hoje.
O
senhor atuou em um caso envolvendo a construtora Camargo Correa, que está
envolvida na Lava Jato hoje. Como é ver uma empresa que poderia ter sido
condenada em 2009 estar sendo julgada quase sete anos depois?
(Silêncio)
Olha, existe o juiz e o cidadão Fausto. Um não pode contaminar o outro.
Acontece que sou uma pessoa comum. Eu via, como cidadão, frustradas as minhas
expectativas. Mas, como juiz, eu tinha que fazer um juízo técnico. Jamais
poderia deixar de ser juiz técnico por um inconformismo de cidadão.
O
fato de, finalmente, grandes empresários estarem no banco dos réus e condenados
é um legado da Lava Jato?
Não
é um legado. É uma esperança. Mas fica um alerta. Ao mesmo tempo em que surge
esperança, existe a readaptação do criminoso.
Como?
Fazendo
lobby no Congresso para mudar lei, para que o Código de Processo Penal não seja
tão eficaz, para mudar regras de interceptações telefônicas, mudar acordos de
leniência –isso, aliás, está sendo mudado agora, o que muito preocupante, já
que empresas não precisarão mais admitir fatos. Nós não chegamos a lugar nenhum
ainda.
O
país está hoje vidrado em decisões de tribunais. É a Lava Jato em Curitiba, o
rito impeachment no STF, o processo contra Eduardo Cunha. Há um papel
exacerbado do Judiciário sobre os rumos do país?
Nos
Estados Unidos, todos falam que o pilar basilar da democracia é o Judiciário.
Isso não será diferente no Brasil. O que acontecia é que o Poder Judiciário
estava ausente, e ele precisa estar presente. É inevitável que o Judiciário
assuma o protagonismo. A democracia moderna exige um Judiciário atuante.
Fonte:
uol
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