TEREZA
CRUVINEL
Colunista
do 247, Tereza Cruvinel é uma das mais respeitadas jornalistas políticas do País
A
saída de José Eduardo Cardozo do Ministério da Justiça deveria servir a um
debate construtivo, se isso existisse no Brasil, sobre a Polícia Federal de que
o Brasil precisa. Tal debate passaria pelos limites da independência do órgão,
questão que está na raiz dos conflitos entre o ministro e seu partido, e outras
atribuições de uma Polícia Federal necessária, que deve combater a corrupção
mas também servir às diretrizes do governo no combate a crimes como tráfico de
drogas, de armas, de bens da biodiversidade etc.
Hoje,
divulgada a saída do ministro, a entidade que congrega os delegados federais emitiu nota em que se dizem “extremamente preocupados”, temendo que a troca de
titular na Justiça ameace a independência da PF nas investigações. A nota é um
reconhecimento tácito de que sob Cardozo houve independência total, ou quase,
porque no final ela diz que o próximo objetivo da PF é obter a completa
autonomia financeira em relação ao Ministério da Justiça. “Autonomia financeira
é poder mandar 40 policiais para uma operação sem precisar pedir autorização do
Ministério”, termina a nota.
Nem
a absoluta independência operacional nem a autonomia financeira da PF estão na
Constituição. Com o tempo, e especialmente com a complacência dos governos
petistas, que se esforçaram para explicitar seu “republicanismo”, deixando-a
operar livremente, a PF foi se tornando um corpo autônomo dentro do Estado
brasileiro. E antes que alguém me acuse de defender sua submissão ao governo ou
alívio no combate à corrupção, vamos esclarecer as coisas.
Nos
termos da Constituição, a PF pode ser convocada pelo Ministério Público ou pela
Justiça para agir como Polícia Judiciária. E nesta condição deve atuar com
independência e sintonia com estes poderes, e não com o Executivo. Ou seja, se
o procurador ou o juiz mandar prender, o ministro da Justiça não pode dar
contra-ordem. Como Polícia Judiciária, ela deve cumprir ordens dos outros
poderes (MP e Judiciário) e não ter uma política própria de ação (o que tem
gerado conflitos com os procuradores).
Entretanto,
a Polícia Federal, à luz da Constituição, é também um braço do Poder Executivo
para dar conta de outras tarefas. Alguém já viu a PF colocar 40 policiais numa
operação para subir o Morro do Alemão numa ação contra o tráfico de drogas?
Não. E no entanto, combater o narcotráfico é atribuição dela. Garantir a
segurança de eventos internacionais também, mas como o órgão tornou-se
conflitivo com o Executivo, as Forças Armadas é que desempenharam a tarefa na
Copa, com a PF em papel secundário. O que o governo temeu qualquer um temeria.
Que uma PF que não esconde seu oposicionismo fizesse corpo mole ou de alguma
forma contribuísse para algum fiasco na área de segurança durante a Copa.
Algo
está errado quando o organismo policial federal torna-se um opositor do governo
a que deveria prestar serviços. Ou quando o governo perde a confiança no
organismo de que teria que se valer para servir à sociedade. Afinal, quem
financia a PF é a sociedade, com seus impostos. Imagine o FBI fazendo oposição
aos ocupantes da Casa Branca! Imagine se o governo americano perde a confiança
no FBI!
O
que os policiais estão temendo, com a troca de ministro, é que lhes seja
exigida a necessária subordinação hierárquica. Não para que deixem de combater
a corrupção, mesmo quando envolva figuras do governo ou de partidos
governistas. Mas para que seu diretor-geral tenha comando sobre a tropa e
preste contas ao ministro. Cardozo, muitas vezes, não foi previamente informado
de operações desencadeadas pela PF. Isso seria inadmissível em qualquer país,
mas o atual ministro sempre se desculpou reafirmando seu respeito à
independência da corporação. E assim, chegamos à situação atual, em que a PF
faz o que quer, como quer, quando quer. Agora, não quer nem prestar contas de
seus gastos, reivindicando total autonomia financeira, o que nenhum órgão do
Estado possui, nem mesmo as estatais não-dependentes do orçamento da União.
Convenhamos.
A PF é um organismo importante e necessário ao Brasil. Acumulou inteligência e
competência. Serviu à ditadura, mas adaptou-se bem à democracia, nos primeiros
tempos. Mas o Brasil precisa dela não apenas para combater a corrupção – a
corrupção seletiva, de certos grupos, pessoas e partidos. Raramente surge, nos
tempos correntes, notícia sobre uma importante operação da PF no combate a
outros crimes, embora eles não faltem no Brasil. Máfias e gangues de diferentes
matrizes estão soltas por aí.
O
novo ministro, seja quem for, enfrentará os mesmos desafios. E já chegará sob a
desconfiança de que foi escolhido para enquadrar a PF. O momento não contribui,
mas em algum momento precisamos discutir e decidir sobre qual é mesmo a Polícia
Federal que queremos.
Fonte:
brasil247
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