http://goo.gl/3rtktJ | Basta
passar cinco minutos ao lado da vendedora de churros Maria Odete Silva na
plataforma inferior da Rodoviária do Plano Piloto, no centro de Brasília, para
ver que os doces dela são os mais procurados. A mulher, de 46 anos, afirma que
o amor e o carinho que acrescenta à receita tradicional – que leva farinha de
trigo, sal, margarina, açúcar e baunilha – são o segredo do sucesso: é com esse
dinheiro que ela paga a faculdade de direito, banca a escola dos dois filhos
adolescentes e mantém a casa da família. O produto é vendido a R$ 1, nos
sabores goiaba, chocolate, doce de leite e misto.
O
primeiro contato com os churros aconteceu há sete anos. Maria Odete morava com
o marido e os filhos em São Paulo, mas decidiu se mudar para a capital federal
em busca de tratamento médico para o caçula, que tinha problemas para respirar
e precisava viver em um lugar com menos poluição. A mulher viu na mudança uma
oportunidade de romper com a rotina de empregada doméstica e deixar para trás
todas as limitações da vida “sem nada além de arroz e feijão” que a família
levava.
Ela
passou então a viver com a família na casa do irmão mais novo, em Vicente Pires
– a 20 quilômetros do local onde trabalha. O único quarto, que a obriga a
dividir a cama com a filha mais velha enquanto o marido e o filho dormem no
chão, virou sinônimo de conquista e estímulo. Maria Odete passou a vender calçados
na loja do irmão na rodoviária. Uma colega deu então a ideia de aprender a
fazer os doces, que ela abraçou sem ressalvas.
A vendedora de churros Maria Odete Silva, que pagou a faculdade de direito e escola dos filhos comercializando doces a R$ 1 em Brasília (Foto: Raquel Morais/G1) |
“Ela
[a colega] me levou, me ensinou a fazer a massa. Foi assim”, lembra sorrindo.
“Desde então eu acordo às 5h40 para preparar as coisas e trabalho de domingo a
domingo, de 8h às 20h. Sou cheia de calos e queimaduras, aqui não tem espaço
para mão lisinha. E sou muito feliz. Aos poucos, dentro do que alcanço com meus
passos, tenho conseguido alcançar tudo.”
No
contato com os clientes, Maria Odete imaginou como seria se tivesse curso
superior. Depois de conciliar o trabalho com as aulas do Ensino para Jovens e
Adultos (EJA), ela entrou para uma faculdade particular de direito na Asa Sul
aos 41 anos. As atividades aconteciam pela manhã. A mulher já apresentou o TCC,
sobre as dificuldades do governo em lidar com invasões de áreas de proteção
permanente, e atualmente refaz quatro matérias.
“Eu
escolhi esse curso pela minha idade, já estava em uma idade avançada, e o campo
de direito é amplo. Para trabalho, quero passar em concurso público. Penso em
ser promotora de Justiça. Quero fiscalizar leis. Quero ser uma fiscal das leis.
Quero ajudar um pouco as outras pessoas”, explica.
A vendedora de churros Maria Odete Silva, que pagou a faculdade de direito e escola dos filhos comercializando doces a R$ 1 em Brasília (Foto: Raquel Morais/G1) |
O
início não foi fácil. Maria Odete chegava a ir para a faculdade só para assinar
chamada e então ir para a rodoviária para começar a vender os churros, para não
deixar de ganhar dinheiro. Por vezes, funcionários da loja de calçados do irmão
precisaram socorrê-la enquanto ela corria para fazer provas. Os estudos e
exercícios eram feitos em um banco atrás do carrinho. Os livros eram todos da
biblioteca. A mulher passou a contar com a ajuda do marido na venda dos 10 kg
de churros que fabrica por dia.
“Tive
medo de não conseguir. Entre o sétimo e o oitavo semestre, eu quase desisti. Eu
achava que não dava conta, porque as matérias estavam cada vez mais difíceis e
eu pensava 'eu não vou dar conta, não vou dar conta'. Teve um semestre que
fiquei todinho sem pagar, que tive dificuldade financeira”, lembra. “Minha
professora me viu falando isso, entrou e disse: ‘se você chegou até aqui, você
consegue muito mais’. Ela dizia que seria uma honra entregar minha carteirinha
da OAB e que ainda iríamos advogar juntas. Isso me incentivou ainda mais.”
Maria
Odete conta que sempre teve o apoio dos colegas, que emprestavam anotações e a
lembravam das datas de prova e trabalhos. O filho caçula, que sonha em seguir a
mesma carreira, e a filha mais velha, que pretende fazer medicina, também
estimulavam a mulher nos momentos de dificuldade. Ela diz que a única pessoa
que a questionou sobre a necessidade do estudo foi o marido, durante uma
discussão.
“Ele
falou em um momento estressado, disse que não sabia o porquê desse curso que
faço, não sabia o porquê, desculpa pela expressão, essa ‘merda’ de faculdade.
Mas nunca fui por ele, sempre quis crer que eu era capaz. Não sei se ele achava
que eu não tinha capacidade ou que era fogo de palha. Mas eu sei para quê eu
faço. Eu sei, quero provar não só para ele mas para mim mesma que sou capaz”,
disse a vendedora de churros.
A
mulher afirma que outra razão para insistir no curso foi a crença de que
estudar liberta. “Você aprende muito, você cresce muito, você aprende a ver as
coisas de outro jeito, abre sua mente. Sempre pensei isso, mas não tinha
oportunidade. Pelo cansaço, sabe. Aí um dia pus na minha mente e pensei: ‘não,
vou estudar agora’. Se eu não arranjasse esse agora logo, ele nunca viria. Fiz o
EJA e pensei que era a minha hora de vencer.”
Maria
Odete conta que já está se preparando para a prova da OAB, que acontece no dia
3 de abril. Entre os sonhos dela junto à carreira de direito estão conseguir
levar os filhos à Disney, viajar pelo Brasil e trocar o carro da família.
“Eu
também queria ter uma casa. Eu pensava, quando trabalhava nas casas de família,
via aquelas salas bonitas, pensava ‘um dia vou ter uma sala dessas, uma casa
desse jeito’. A casa do meus sonhos é com uma sala bonita, confortável, que eu
me sinta bem. Nunca tive privacidade. Meus filhos também querem ter o canto
deles. Eu queria uma casa com um quarto para cada, em Vicente Pires mesmo. E
uma casa com piscina, já imaginou? Aí é sonho demais, é bom nem pensar, porque
o tombo é alto”, brinca.
Trajetória
difícil
Maria
Odete passou os quatro primeiros anos com a avó em Araçuaí, no interior de
Minas Gerais. A mãe era doméstica em São Paulo e mandava dinheiro todo mês para
os gastos com ela e os dois irmãos. Depois, as crianças foram morar com a
mulher, na casa de uma tia.
Quando
Maria Odete tinha 7 anos, a mãe decidiu voltar para MG com os dois meninos. A
despedida foi também a última vez que ela viu a mulher, que morreu quatro anos
depois ao cair e ser atropelada por um caminhão de boias-frias. Aos 12, ela
abandonou a escola e passou a trabalhar como doméstica.
A vendedora de churros Maria Odete Silva, que pagou a faculdade de direito e escola dos filhos comercializando doces a R$ 1 em Brasília (Foto: Raquel Morais/G1) |
“A
vida foi boa não, mas o mundo nos criou. Agradeço a Deus que, tínhamos tudo
para ir para o lado errado, mas Deus nos orientou e nos criou certinho”, diz.
Aos
17 anos, Maria Odete decidiu fazer o supletivo até a 8ª série. Dois anos depois
ela se casou e se mudou para o interior, onde passou a trabalhar na colheita de
algodão e amendoim. O relacionamento acabou três anos e meio depois, por causa
de ciúmes, e a mulher voltou para São Paulo para voltar a ser empregada.
Anos
depois ela conheceu o atual marido e teve os filhos – Maiara, com atualmente 17
anos, e Júnior, com 15. Uma enchente destruiu tudo o que eles tinham em casa, e
a então patroa os ajudou emprestando um apartamento e dinheiro para a reforma.
“Ela
pagava as contas, não precisei me preocupar com nada. Ela foi uma mãezona, a
mãe que eu não tive. Ela pegou minha roupa toda cheia de lama, lavou tudo para
mim, me ajudou a lavar a enchente. Eu trabalhava para pagar. Ela ia descontando
o valor”, lembra.
Já
de volta à casa da família, Maria Odete se viu incomodada. “Um dia eu acordei
de manhã, meu filho queria pão. Eu não tinha dinheiro para comprar pão. Minha
tia [com quem morou na infância] me deu R$ 10. Eu pensei bem e decidi comprar
bala, pirulito e chiclete. Peguei um caixote, de uma tampa de guarda-roupa que
eu perdi na enchente, forrei e comecei a vender meus docinhos. Fazia isso à tarde,
na porta de casa, depois de chegar do trabalho.”
A
mulher viu que a ideia funcionava e passou também a vender espetinhos. O
dinheiro continuava no limite da necessidade. A vendedora de churros conta que
um dia conseguiu juntar uma quantia para comprar pastel, mas acabou desistindo
ao ser abordada por uma criança com fome.
“Ele
era mais carinho e bem gostoso. Eu estava toda animada, peguei o dinheirinho
pensando ‘hoje vou levar meu pastelzinho, uma delícia’. Mas aí um menino me
abordou porque queria comida, uma bolacha recheada. Aí dei o dinheiro para ele.
Fui com ele comprar uma bolacha para ele no mercado. Fiquei sem meu dinheiro,
mas achei melhor dar para ele do que para mim. Pensei: ‘depois eu como’. Mas
não comi até hoje”, ri.
A vendedora de churros Maria Odete Silva, que pagou a faculdade de direito e escola dos filhos comercializando doces a R$ 1 em Brasília (Foto: Raquel Morais/G1) |
Maria
Odete diz não se lembrar de passar fome, mas afirma que a tia costuma contar
algo diferente. “Ela fala que, quando eu era pequenininha, não tinha comida
para me dar. Aí ela fazia uma chupetas com açúcar ou rapadura e farinha e punha
na minha boca, para eu parar de chorar.”
A
vendedora de churros, que já precisou esperar dois meses para juntar dinheiro
suficiente para comprar um livro de menos de R$ 100 para a faculdade, afirma
ter orgulho da própria trajetória.
"Acho
que a gente trabalhando a gente vence. E é o que quero deixar para os meus
filhos, que você só vence com luta. Sempre falo para eles que a mãe não pode
deixar nada para eles, só o conhecimento, o estudo. Isso ninguém pode roubar
deles. Não quero que eles passem o que eu passei. Estudo é a única herança que
consigo deixar para eles, nem se alguém puser uma arma na cabeça deles consegue
roubar isso", conclui.
Fonte:
G1
Fonte:
amodireito
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