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Um
dirigente que está há 45 anos em um dos mais importantes clubes do futebol
brasileiro confessou, de maneira livre e espontânea, em um programa de TV, que
subornou um árbitro para que sua equipe fosse favorecida em campo. Ele foi
claro e direto. Por que, então, boa parte da imprensa esportiva tem tratado o
assunto como uma “tentativa de suborno” ou optou por colocar o verbo “comprar”
entre aspas?
Benecy
Queiroz não tentou comprar a arbitragem. Ele comprou, segundo suas próprias
palavras. Se o árbitro não entregou o resultado negociado pouco importa. A
compra é realizada no ato do pagamento. Se não se tratasse de um ato criminoso,
Queiroz certamente procuraria o Procon no dia seguinte para reclamar seus
direitos, assim como você faria se pagasse e não recebesse o produto negociado.
O
dirigente do Cruzeiro diz textualmente, após ser questionado se já havia
subornado alguém em suas mais de quatro décadas no futebol: “Só vou citar um
caso específico, não falo o nome, aqui em Minas Gerais. O treinador era Ênio
Andrade. E nós, através de indicação de uma pessoa, achamos que compramos um
juiz. E o juiz falou: ‘Olha, fique tranquilo que o time do adversário não sai
do meio de campo.’ Então, nos 45 primeiros minutos, ele deu muita falta só no
meio de campo. Então, falei com ele: ‘É, o negócio, acho que vai dar certo’.”
Benecy
Queiroz continua: “Só que, por azar nosso, o adversário chutou uma bola do meio
de campo, o goleiro, eu posso falar o nome, Vítor, no ângulo e gol. E o juiz,
então, o que foi que ele fez? Continuou dando falta só no meio. Só no meio. Só
no meio. E uma hora, antigamente podia entrar dentro de campo, eu falei:
‘Velho, eu paguei você, vê se você dá o pênalti.’ Ele falou assim: ‘Manda o seu
time lá para frente que eu dou o pênalti.’ Aí falei com o capitão: ‘Olha, manda
todo mundo para frente, temos que empatar o jogo.’ Aí foi para frente, toda
bola ele dava falta contra o Cruzeiro. Eu cheguei à conclusão de que empreguei
um dinheiro errado.”
Torcedores
são tratados como réus
A
maneira como essa declaração/confissão foi repercutida por boa parte da
imprensa reflete um verbo muito comum dentro das redações: aliviar. É a prática
do “pegar leve”, fazer de conta que algo tem um peso menor do que realmente
tem. Nos casos mais graves, manipular uma situação para gerar determinada
reação do público. O problema é que não se pode aliviar quando um dirigente de
um dos maiores clubes do continente resolve confessar que subornou um árbitro.
Nesse momento, é preciso fazer jornalismo com a seriedade que a situação exige.
O
esporte tem sua parcela de entretenimento e não há mal nenhum que seja tratada
dessa maneira. Mas o esporte também implica em situações com consequências
muito sérias para a sociedade. As férias do Neymar não podem ser mais
importantes que a possível relação entre as Olimpíadas e a crise da saúde do
Rio.
O
futebol, que muita gente trata como o único esporte (o resto seria ‘educação
física’), tem sido bombardeado com acusações e provas de corrupção. Os
presidentes da Fifa e da Uefa (órgão regulador do futebol europeu) foram
banidos por oito anos de qualquer envolvimento com o esporte. Preso na Suíça, o
ex-presidente da CBF foi deportado para os Estados Unidos, onde aguarda para
saber qual será seu destino.
Por
que, então, são os torcedores os tratados como réus por comentaristas e
jornalistas quando manifestam sua desconfiança ao ver uma equipe constantemente
beneficiada pela arbitragem? Não existem motivos suficientes para que o
torcedor desconfie da idoneidade dos resultados? O futebol é um ambiente tão
limpo que qualquer suspeita de manipulação deve ser automaticamente refutada
antes de qualquer investigação? Há muitos crimes comprovados no futebol para
que o jornalismo esportivo continue a pensar segundo a visão de mundo de
Pollyanna.
Somente
Benecy Queiroz pode explicar o que o levou a confessar o caso de suborno – que
ele agora diz ter inventado. Mas uma coisa é certa: invenção ou não, essas
graves declarações só foram feitas porque na cabeça do cartola a imprensa não
desperta mais qualquer sinal de alerta. E esse é um forte alerta que essa
história envia ao jornalismo esportivo.
***
Mamede
Filho é jornalista e mestrando em Comunicação, Cultura e Tecnologias da
Informação
Fonte:
observaoriodaimprensa
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