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Humberto Teixeira, o Doutor do baião




Conheça a história do ilustre iguatuense

Formado em advocacia, o iguatuense que já foi até Deputado Federal em 1950 – eleito no Ceará com expressiva votação – ficou nacionalmente conhecido por suas composições clássicas, enaltecidas pela parceria com o Luís Gonzaga, o Rei do Baião.
É quase impossível dissociar a canção Asa Branca (1947) a Humberto Teixeira. O iguatuense carregava no sangue, o DNA de músico. Sobrinho do maestro cearense Lafaiete Teixeira, desde criança interessou-se por música, sendo sua primeira composição a Valsa triste. Estudou bandolim em Iguatu, e fez secundário em Fortaleza, onde começou a aprender flauta com o maestro Antônio Moreira, da Orquestra Majestic.
Aperfeiçoando-se no instrumento com seu tio Lafaiete, aos 13 anos teve sua primeira composição editada, Miss Hermengarda. Dois anos depois, deixou a capital cearense para fixar-se no Rio de Janeiro, onde viria a morrer em 03 de outubro de 1979, com 64 anos.
Biografia
Em 1934, seu samba “Meu pedacinho” ficou em quinto lugar no concurso carnavalesco de sambas e marchas da revista O Malho, classificando-se ao lado de Índio, Capiba, José Maria de Abreu e outros nomes. Continuou editando composições de vários gêneros, como Valsas, Toadas, modinhas e canções.
Em 1943, diplomou-se pela Faculdade Nacional de Direito do Rio de Janeiro, passando a exercer advocacia, paralelamente às atividades musicais.
No ano seguinte teve sua primeira composição gravada, o samba apoteótico Sinfonia do café (com Lírio Panicali), por Deo e Coro dos Apicás, na Continental.
Ainda em 1944, Natalina (com E. Guimarães) foi gravada pelos Quatro Ases e Um Curinga. Em 1945 conheceu Luiz Gonzaga, que estava à procura de um letrista que se interessasse pelos ritmos nordestinos, pouco conhecidos no restante do país.
Formada a parceria, escolheram o baião como ritmo ideal para iniciar a divulgação dos ritmos do Nordeste.
Parceria entre Humberto Teixeira e Luiz Gonzaga fez sucesso deixando um legado ao “Baião”

Em 1946, foram gravadas “Deus me perdoe” e “Só uma louca não vê” (ambas com Lauro Maia), respectivamente, por Ciro Monteiro, na Victor, e Orlando Silva, na Odeon.
Ainda nesse ano, lançou a primeira composição com Luiz Gonzaga, Baião, interpretada pelos Quatro Ases e Um Curinga em disco Odeon, em que apareciam instrumentos como acordeom, triângulo e zabumba, pouco divulgados no cenário musical da época, dominado pelo samba, samba-canção e ritmos importados.
O lançamento do primeiro baião teve grande sucesso e deu início a uma série de êxitos da dupla, que durou até inícios da década de 1950, como Asa branca, No meu pé de Serra, Mangaratiba, Juazeiro, Paraíba, Qui nem jiló, Baião de dois, Assum preto e Lorota boa, entre outros.
Humberto faleceu m 03 de outubro de 1979, com 64 anos, na cidade do Rio de Janeiro.

Por 1950 desfez a parceria, depois de eleito deputado federal, tendo obtido votação maciça no Ceará, após campanha apoiada por seu trabalho musical com Luiz Gonzaga.
Em 1958 conseguiu a aprovação, pelo Congresso Nacional, da Lei Humberto Teixeira, para a formação de caravanas artísticas de divulgação da música popular brasileira no exterior.
A primeira delas foi no mesmo ano para a Europa, integrada pelo conjunto Os Brasileiros, do qual faziam parte o Trio Yrakitan, os instrumentistas Abel Ferreira, Sivuca, Pernambuco, Dimas e o maestro Guio de Morais, apresentando-se em várias capitais.
Seguiram-se várias caravanas, até 1964, sempre dirigidas por ele, que se tornou compositor internacionalmente conhecido, com obras gravadas em vários idiomas.
Em 1966, Asa branca foi regravada por Geraldo Vandré no LP Hora de lutar (RGE).
A partir de 1967 reiniciou sua luta pelo direito autoral, sendo eleito, em 1971, vice-diretor da UBC. Um ano depois, o grupo baiano liderado por Gilberto Gil e Caetano Veloso interessou-se pelo baião, tendo incluído em seu repertório vários sucessos seus com Luiz Gonzaga.
Na Philips, Caetano Veloso gravou Asa branca e Gal Costa Assum preto. Além disso, outras músicas da dupla foram incluídas em shows do grupo. Humberto Teixeira teve mais de 400 composições gravadas por importantes intérpretes da nossa música, como Carmélia Alves, Orlando Silva e Araci de Almeida, entre muitos outros.
Além de Luiz Gonzaga, Felícia Godói e Lauro Maia foram seus parceiros constantes, tendo composto ainda com Sivuca e com o maestro Copinha. Obteve grande sucesso com o baião, mas escreveu também sambas, marchas, xótis, sambas-canções e toadas.
 Leia Uma entrevista histórica e inédita com o “doutor do baião” concedida em 1977 ao pesquisador Nirez.
Nirez – Primeiramente, qual o seu nome completo?
Humberto Teixeira – Humberto Cavalcanti, com i (risos) Teixeira. O fato de eu usar só Humberto Teixeira criou, de certa forma, um problema dentro da minha casa. Minha mãe é muito ciosa do Cavalcanti. Ela é Cavalcanti de Albuquerque. Depois que o Gilberto Freyre escreveu que isso era a nobreza indígena do Brasil, ela não entende bem porque eu não uso o meu nome completo: Humberto Cavalcanti de Albuquerque Teixeira. Ela fazia questão disto. Eu digo: mas mamãe, nome artístico é preferível a gente abreviar e o nome do papai também é muito ilustre (risos).
N – Quem era seu pai?

HT – Meu pai era João Euclides Teixeira, filho de um chefe político do Interior, coronel Francisco Alves Teixeira, muito conhecido em todo o sul do Estado. Mas somos gente simples, minha origem é muito modesta. De qualquer maneira, meus pais se orgulham do nome que portam. Mas eu sou apenas Humberto Teixeira. Meu pai era João Euclides Teixeira e minha mãe, Lucíola Cavalcanti de Albuquerque Teixeira.

N – Onde estudou as primeiras letras?

HT – Estudei em Iguatu mesmo. Primeiro em casa, depois num colégio que tinha lá. Colégio do Dr. Rolim, era como se chamava. Depois aprendi o que o colégio podia me ensinar. Era um colégio modesto, não só nas suas instalações como também no seu professorado. De maneira que em pouco tempo meus pais sentiram a necessidade de me mandar pra Fortaleza, onde eu vim continuar meus estudos. Aqui fui deixado no Instituto São Luiz.

N – Quando sentiu brotar dentro de si, pela primeira vez, a música?

HT – Eu devia ter de 5 pra 6 anos de idade, quando meu pai me levou de presente um instrumento estranho que ele comprou aqui em Fortaleza. Era uma espécie de gaita com bocal, mas tinha um teclado de acordeon. Um instrumento que depois procurei muito e nunca mais vi. Não sei como aquilo veio bater no Ceará, numa casa de música daqui. Comecei a tentar a embocadura daquele instrumento e fui manejando o teclado e coisa e tal. O fato é que em pouco tempo já tocava no tal instrumentozinho estranho e bizarro. Tirei minhas primeiras músicas, as canções, as modinhas do lugar. Depois tornei a fazer minhas próprias modinhas, minhas próprias músicas. Claro que muito primárias, muito imaturas. Apenas uma manifestação muito objetiva de um pendor que minha mãe descobriu e logo em seguida me botou pra estudar flauta com meu tio Lafaiete Teixeira, o flautista da terra. Um homem formidável, extraordinário. Uma musicalidade dessas fantásticas. Mas minha vontade, lembro muito bem, era estudar piano. Tinha loucura pelo piano. Existiam algumas pessoas, todas moças, todas mulheres, que tocavam piano na minha terra. Quando manifestei esse desejo, meu pai disse: “Absolutamente! Vai estudar flauta ou outra coisa qualquer, mas negócio de piano não. Piano é coisa para mulher”. E daí essa frustração que carrego até hoje. Toco um pianozinho pra mim mas não me aventuro a mostrar nem nada. Depois da flauta eu estudei também bandolim. É um instrumento que eu cheguei a tocar lá em Iguatu. Depois, quando eu vim pra Fortaleza, é uma outra história.

N – E quando veio pra Fortaleza? E por quê?

HT – Meu pai me internou no antigo Colégio São Luiz, do Dr. Francisco de Menezes Pimentel. Eram os dois irmãos: Francisco de Menezes Pimentel Júnior e o outro, que tinha uma coisa muito rara, o mesmo nome do irmão, só que era o Francisco de Menezes Pimentel Sênior, aquele que mais adiante veio a ser Governador do Ceará e representou o Ceará como deputado e senador durante oitos anos. Um educador fora de série e que, incrível, muitos anos depois veio a se tornar meu colega na Câmara dos Deputados quando, através daquela suplência que eu consegui aqui, numa tentativa eleitoral, acabei dando com os costados no Parlamento. Até hoje eu não sei bem como. Tenho a impressão que foi o bico da asa branca que me levou pra lá.

N – Aqui em Fortaleza, fez parte de algum conjunto?

HT – Não. Ao mesmo tempo que fazia meus estudos no colégio São Luiz e posteriormente no Liceu do Ceará, estive matriculado num curso de flauta do maestro Antônio Moreira. Era um maestro muito conhecido aqui no Ceará. Tinha uma orquestra que tocava no Clube Iracema e no Cinema Majestic. Tocamos muitas vezes acompanhando aqueles filmes mudos. Lembro muito bem de um filme, The Big Parade, um filme de John Gilbert. Os artistas hoje estão todos desaparecidos. Tinha uma marcha que era: (canta) Pam ti tam ram tam tim tam. Nós tocávamos aquilo acompanhando na flauta. Eu, o Tarcísio, o maestro Antônio Moreira. Bons tempos. Eu me lembro muito bem.

N – Quando foi para o Rio de Janeiro?

HT – Fui pro Rio porque queria seguir Medicina. Mas descobri que eu ia ser doutor e não médico. Então mudei pro curso de advocacia e acabei me formando advogado.

N – E qual foi a sua primeira composição?

HT – Um dia cheguei para o maestro Antônio Moreira, usando um artifício, e disse: Olha, maestro: encontrei lá nos alfarrábios da minha mãe uma valsa antiga e gostaria de mostrar pro senhor. E toquei aquilo na flauta. O maestro disse: “Olha, é bonita. A melodia é interessante”. Ele perguntou pela letra e eu disse que depois levaria. E ele disse: “Mas há qualquer coisa aqui. Tenho a impressão que está quebrada, não sei bem. De onde é que sua mãe tirou isso?’ Então ele disse: “Olha Humberto, vamos deixar esta história de alfarrábio, negócio de sua mãe e coisa e tal. Isso aí é um negócio que você fez, não é?’ Eu digo: é sim, maestro. Ele disse: “Olha, tá muito bom, mas eu vou lhe ensinar. Tá faltando ainda a técnica da composição. Você tem que ajeitar aqui e ali e tal”. Ele me ajeitou e essa foi minha primeira música impressa. Era uma valsa que fiz em homenagem à miss Hermengarda, uma moça do Ceará que foi eleita miss num dos primeiros concursos desses que houve aqui. Eu, naquele encantamento, via aquela moça como uma coisa inatingível. Eu era garoto e sonhava. E acabei fazendo a tal valsa dedicada à missa Hermengarda, uma moça da família Gurgel – Hermengarda Gurgel, uma coisa assim. O maestro me fez uma surpresa maravilhosa. Mandou aquela valsa pra São Paulo e editou. Um belo dia, numa das aulas, ele me deu de presente a música editada através de uma editora, se eu não me engano, dos irmãos Vitale, de São Paulo.

N – Houve uma que fez parte de um concurso e ganhou?

HT – Houve. Eu levei pro Rio aquele mesmo ideal, aquela mesma flama, aquele mesmo elã, aquele mesmo pendor nato de música. Tentando de todas as formas abrir caminhos naquela selva doida. Levei anos e anos pra conseguir gravar minha primeira música. E eu não fazia outra coisa senão música de todo o tipo e feitio. Procurava os grandes cantores como Orlando Silva, Sílvio Caldas, Elisinha Coelho e Carmem Miranda, os cantores da época, mas eles não davam a menor confiança pra minha música. Havia dias que eu dizia pra mim mesmo: “Oh! Diabo. Tenho que abandonar isso. Devo ser muito ruim. Ninguém aceita minha música.” Mas é que eles tinham seus compromissos, seus compositores prediletos. E como bom cearense, perseverei. Até que um dia veio a primeira gravação. Mas neste intercurso, como eu não podia gravar, um dia entrei numa casa editora de música que até hoje existe no Rio, chamada a Guitarra de Prata. Eles lá submetiam à apreciação de um pianista, um chefe de orquestra, um maestro, eu não sei bem, toda e qualquer composição que você desse entrada lá, manuscrita. Se eles gostassem, sobretudo do título, se ela propiciasse botar um bonito clichê na capa, eles editavam. Até que eu gravasse a primeira música, editei na Guitarra de Prata mais de cem músicas de todos os gêneros que você pode avaliar. Músicas de caráter puramente nordestino, músicas estrangeiras, regtime, canções, modinhas, valsas. Foi quando comecei a receber os primeiros proventos, as primeiras dízimas resultantes de música, porque cada exemplar vendido dava um tostão para o autor. E eu vendi muitos exemplares de música: “A Mentira da Felicidade”, “Teu Coração é Um Pão Duro”, “A Virgem não sei de quê” e outros títulos. Eu me aprimorava nos títulos p2orque isso ajudava a vender a música.

N – E o “Meu Pedacinho”?
HT – Uma revista que não existe mais, O Malho, abriu um concurso pra músicas carnavalescas. Na época era um prêmio valiosíssimo. O primeiro lugar seria aquinhoado com cinco contos de réis. Centenas de autores do Rio, sobretudo aqueles consagrados, concorreriam. Os cinco premiados: Ary Barroso, Ary Kerner, Índio das Neves, José Maria de Abreu e Humberto Teixeira. Eu quase caí das nuvens e disse: não é possível. Deve ter um homônimo aí, um outro Humberto Teixeira. Mas logo em seguida a reportagem trazia o nome da minha música premiada. Apareci lá na redação da revista e conheci uma figura extraordinária que marcou muito a minha vida: Oswaldo Santiago. Compositor, mas sobretudo o criador do direito autoral no Brasil. Antes de Oswaldo Santiago não existia, isso era uma seara de todo mundo. A música não era mercadoria que rendesse juros, não existia nada disso. O Oswaldo Santiago é que, em arrancos de verdadeira genialidade e vendendo os mais incríveis ódios, instalou o direito autoral no Brasil. Mas eu conheci o Oswaldo Santiago e ele disse: “Mas menino, é você…’ Eu tinha naquela época 16 anos. Ele disse: “Eu tava pensando que Humberto Teixeira era uma figura aí, conhecida e coisa e tal. Mas você faz música?’ E pela primeira vez saiu um retrato meu impresso numa publicação. Mas entre as cinco premiadas, através de um espetáculo público no Teatro João Caetano, eles iriam selecionar os cinco prêmios. E aconteceu que, dentro da minha ingenuidade, da falta de prática dentro daquele metiêr, me descuidei inteiramente. E só fui ter ciência no dia do espetáculo. Então, quando eu chego no Teatro João Caetano, me barraram de saída. Até provar que era um dos autores premiados e que precisava entrar pra acompanhar minha música… Quando eu chego lá nos bastidores, onde tava aquela azáfama natural de uma véspera de espetáculo, encontro todo mundo ensaiando com suas músicas já orquestradas. A minha não tinha sido ensaiada, não tinha cantor, não tinha nada. Eu quase que morri de pena de mim mesmo lá dentro do teatro. Mas aí eu conheci outra figura formidável: Aracy de Almeida. À trouche, mouche, de pé quebrado, aquilo, ela lendo num pedacinho de papel de embrulho, cantou a minha música e ela tirou, claro, o 5° lugar porque não tinha 6°. Mas valeu a pena. Foi formidável a experiência. Mas não me abriu ainda as portas da gravação. Apenas editaram o “Meu Pedacinho”.

N – Onde e em que circunstâncias conheceu Lauro Maia?

HT – Lauro Maia eu conheci no Rio. Engraçado, eu não o conhecia antes, daqui do Ceará. Só o conhecia de nome, por um fato muito afetivo, muito de família. Lauro Maia na época namorava a minha irmã. Minha família tinha ficado no Ceará e só eu residia no Rio. E ele veio casar-se com minha irmã Djanira. Depois eles foram para o Rio e, claro, nessa ocasião é que eu fui apresentado ao Lauro Maia. Tudo que ele tinha gravado com os Quatro Ases & Um Curinga, que eram quase que exclusivos do Lauro Maia, eu conhecia. E quando ele foi pro Rio teve início uma grande amizade.

N – Viveu da advocacia, da música ou de ambos?

HT – Eu, no princípio, vivi de advocacia, mas eu pratiquei mil instrumentos. Pra sobreviver no Rio fiz coisas do arco da velha. Vendi óculos Ray Ban, fui agente de restaurante, telefonista, fiz concurso pro Ministério Público. Depois que me formei, abriu meu próprio escritório de sociedade com dois ou três colegas da minha turma. Eu cuidava de tudo. Defendia o sujeito que matava o outro no campo de futebol, o que roubava o vizinho.

N – Quando casou-se e com quem?

HT – Eu resisti muito ao casamento. Eu levava aquela vida, na época, depois que passaram as vacas magras, eu passei a ter uma vida muito boa, fui um boêmio. Vivi durante dez anos na noite e naquelas amizades com artistas, cineastas. Meus grandes amigos eram Anselmo Duarte, de cinema, Jardel Filho, de Teatro, Jorge Dória, Francisco Carlos, que depois eu lancei na música e tudo isso. Mas qual foi mesmo a pergunta que você me fez?

N – Quando casou-se e com quem?

HT – Ah, sim. De maneira que com aquela boa vida eu resisti muito ao casamento. Mas como não podia deixar de ser, um dia caí (risos). Eu me casei com uma moça chamada Margarida Pólis, uma moça de São Paulo, de Bauru. Artista, pianista, uma pianista exímia, maravilhosa e tudo isso. Eu estive casado durante sete anos, depois me separei. Contingências, coisas, enfim, da vida. Quando eu readquiri a minha liberdade, resolvi nunca mais soltá-la. Então eu sou um solteirão até hoje, de amores dispersos, coisas que passam, vão e vêm, mas nada de querer me molhar (risos). Agora, do meu casamento ficou a prenda maior da minha vida. É ela e minha mãe. É minha filha (Denise Dumont). Tenho um neto que se parece muito comigo, muito bonito. Eu não estou aqui fazendo aquele negócio dos avós corujas não, é que ele realmente puxou à minha filha, que é muito bonita, e ao pai, um rapaz bonito de televisão. É o Cláudio Marzo, aquele artista.

N – Como você entrou na política?

HT – Eu tinha sido eleito, três anos seguidos, como o melhor compositor nacional num daqueles concursos organizados pela Revista do Rádio. Fui escalado, nesse ano do tricampeonato, como o orador que agradeceria a solenidade. Foi no Teatro Municipal. O padrinho, por acaso, era o doutor Adhemar de Barros, candidato em potencial à Presidência da República. Depois que eu fiz o meu discurso, o doutor Adhemar me chamou e disse: “Olha, rapaz. Você é um bom orador. Vá lá na sua terra. Eu vou lhe dar uma legenda, você vai se candidatar”. E meteu aquela coisa na cabeça. Eu disse: Doutor Adhemar, eu não entendo nada de política, eu não conheço nada, eu não tenho nenhuma base política no meu Estado. “Tem a sua música, não vá atrás disso não. O importante é ter legenda, coisa que todo mundo quer e eu tô lhe dando”. E eu vim. Foi uma aventura. Eu saí com uma suplência que acabou me botando no Parlamento. Acabei diplomado deputado federal. Luiz Gonzaga, o querido e velho e atual e sempre parceiro e amigo, estava em Currais Novos, eu acho que no Rio Grande do Norte. Quando ele soube que eu vim, saiu de lá e veio me prestar uma ajuda maravilhosa, inclusive de transporte e gasolina porque eu não tinha um tostão. Luiz Gonzaga e o bico da asa branca é que me botaram lá no Parlamento Nacional.

N – E a sua primeira parceria com Lauro Maia, foi o “Samba de Roça”?

HT – Minha primeira demonstração musical ao lado Lauro não foi propriamente uma parceria. O Menezes Pimentel tinha me pedido pra eu fazer uma música. Tava pra se abrir uma estação de rádio e ele me pediu pra fazer uma música sobre o Ceará. Ele nem precisava pedir porque eu já tinha feito. Eu já havia composto uma música apoteótica, naquele gênero das músicas do Ary Barroso, gravada por Déo e a participação de Lauro Maia. Ele foi quem orquestrou e conduziu a orquestra na gravação de “Terra da Luz”, esse poema sinfônico que eu fiz, ou por outra, semi-sinfônico. Era uma música de exaltação e, você deve saber, foi muito bem aceita aqui no Ceará, tornando-se inclusive prefixo musical de estações de rádio e televisão.

N – E a parceria propriamente dita?

HT – Não sou muito bom de datas e de cronologia. Vou falando ao sabor do que vou lembrando. Fizemos talvez uma dezena de músicas. Eu não sei se passa disso. Meu contato com o Lauro era mais afetivo do que propriamente musical. Lauro era poeta também. Não sei onde começava o poeta e onde terminava o músico nas coisas que eu fiz com ele. E isso gerou um desacerto que me magoou muito, mas que nunca dei importância maior no sentido de tomar represálias. Em uma parceria daquele tipo você entra numa intimidade quase fraterna. Tinha músicas inteiramente minhas, não só música como letra, e que o Lauro figurou na parceria. Da mesma forma que eu com ele. Outras músicas formidáveis que o Lauro tinha e que eu reletrei, botei a letra inteira. Mas, como algumas dessas músicas, antes do Lauro ir pra lá, eram conhecidas aqui, surgiu uma história de que eu estaria me aproveitando de músicas dele. O que é pior, depois da morte do Lauro, disseram que eu herdei o baú de músicas do Lauro. Isto é um negócio grosseiro, injusto. Minha principal obra está vinculada à minha parceria com Luiz Gonzaga. Pelo menos meus grandes sucessos foram feitos com Luiz Gonzaga e, ao que eu saiba, Lauro Maia nunca compôs um baião. Eu costumo dizer o seguinte: o baião deslizou no tapete, na esteira, na trilha que o balanceio deixou. Mas tenho a impressão que às vezes isso é uma espécie de manifestação de ternura do próprio Estado, do povo, enfim. O Lauro Maia era queridíssimo. Eu não vivi o meu sucesso aqui no Ceará, eu saí muito cedo. A história do meu sucesso e a morte prematura do Lauro deflagraram um negócio muito natural pra aceitação de uma história tão grosseira como essa.

N – Como foi esse contato com Luiz Gonzaga?

HT – O Luiz Gonzaga, tal como eu, como Lauro, estava fazendo os primeiros sucessos dele com a “Mula Preta”, com “Xamego”, com as músicas que ele fazia com o Miguel Lima. Mas a vontade do Luiz era lançar a música do Norte, como ele chamava. Ele não dizia no Nordeste. Ele procurou o Lauro Maia e o Lauro disse: “Olha rapaz. Esse negócio de campanha, isso me apavora. Eu sou um homem indisciplinado, eu não guardo coisas nem compromisso de um dia pro outro. Acho mais interessante você procurar meu cunhado Humberto Teixeira. Ele também é compositor. Ele é mais organizado”. Um belo dia, estou no meu escritório de advogado lá no Rio, quando me procurou o Luiz Gonzaga. Ficamos, naquela tarde, de quatro e meia até quase meia-noite, nesse primeiro encontro. Naquele dia nós chegamos a duas conclusões muito interessantes. Uma delas é que a música ou o ritmo que iria servir de lastro para nossa campanha de lançamento da música do Norte, a música nordestina no Sul, seria o baião. Nós achamos que era o que tinha características mais fáceis, mais uniformes. Naquele mesmo dia nós fizemos os primeiros versos, discutimos as primeiras idéias em torno da “Asa Branca”, que só dois anos depois foi gravada. No dia em que gravamos, com o conjunto de Canhoto, ele disse assim: “Mas, puxa, vocês depois de um negócio desses, de sucessos, vêm cantar moda de igreja, de cego, aqui? Que troço horrível!’. Aí então, eles com um pires na mão, saíam pedindo, brincando, uma esmola pro Luiz e pra mim dentro do estúdio. Mal sabiam eles que nós estávamos gravando ali uma das páginas mais maravilhosas da música brasileira. Três dias depois do primeiro encontro com Luiz Gonzaga já fizemos, de pedra e cal, o primeiro baião que se gravou em todo o mundo: “Eu vou mostrar pra vocês/ Como se dança o baião/ E quem quiser aprender/ É favor prestar atenção…’ Eu me sentia como se estivesse com bitola, aquela coisa toda pinicadazinha, cortada, sujeita àquele ritmo quadrado. Logo depois descobrimos que podíamos deixar o ritmo solto e extravasar nosso lirismo. Depois veio “Juazeiro”, veio “Xanduzinha”. Era o início de centenas de músicas que fizemos juntos. Muita gente hoje pergunta como é que eu me deixei ofuscar, me ocultar tão inteiramente assim à sombra do prestígio fabuloso que o Luiz granjeou, sobretudo no que diz respeito à autoria. Principalmente depois do processo de mitificação de Luiz Gonzaga, da redescoberta que a onda baiana fez em torno dele, muita gente diz que eu sou o letrista das músicas de Gonzaga. Não existe isso. Muitas delas são minhas integralmente. Letra, música e tudo. Como outras são do Luiz. O baião, se tivesse sido feito só por mim, continuaria sendo apenas um negócio inédito, ao passo que com o Luiz ele se tornou esse marco extraordinário dentro da música popular brasileira marcando uma década de sucessos fantásticos. De 47 a 57, quer queiram, quer não, os documentos, a história dos suplementos, das fábricas, as gravadoras, o rendimento autoral das sociedades, tudo era feito em torno do baião. O Luiz, por exemplo, tem uma mágoa que você não pode avaliar, em torno disso. Os aprendizes de historiadores da música popular brasileira pulam de 47 pra Bossa Nova. Eles falam da música brasileira, o choro, a parte do choro, a parte daquilo, a parte da Bossa Nova, a parte da Tropicália e não sei o que mais. E o baião não existe? Por que querer botar uma esponja em 10 anos de sucesso? O Luiz foi um pioneiro em vários aspectos. Veja você que quando os cantores, os compositores se apresentavam de smoking, de terninho e gravatinha, o Luiz já vinha de talabarte, chapéu de couro e tudo. Pra mim o Luiz Gonzaga foi o primeiro hippie da música popular brasileira.

N – Quando e de quem recebeu o cognome Doutor do Baião?

HT – Isso foi o Luiz. Eu não sei se o Luiz, com tanta realeza, tava assim já entrando em fastio e aí resolveu me dar uma fatia da coisa. Foi o Luiz Gonzaga que me chamou pela primeira vez de Doutor do Baião e isso ficou. De uma certa forma, deveu-se ao fato de eu ser advogado, o intelectual do baião, como ele dizia. Mas eu não sou doutor de coisa nenhuma.

N – Como nasceu a Academia de Música Popular?

HT – Em 1958, eu, o Lamartine Babo, o Braguinha, o Roberto Martins, o Ataulfo Alves e mais uns dois ou três amigos da mesma sociedade a que nós pertencíamos, muito deles já falecidos, achamos que devíamos criar uma academia onde nós pudéssemos preservar nossa obra. Você sabe que todo artista é aleatório, é descuidado, indisciplinado, não guarda nada. De maneira que imaginamos fazer um repositório das nossas coisas em torno de um arquivo. Criamos a Academia Brasileira de Música Popular com 50 imortais. Inclusive eu gostaria de dizer pra você nesse depoimento que o meu patrono é Lauro Maia.

N – O “Juazeiro” foi plagiado pelos americanos. Como foi aquela história?

HT – Um marinheiro americano pegou o disco com o “Juazeiro” no Rio, levou e gravou com outro nome. O que é incrível é que ele, através de um processo tecnológico até conhecido aí, copiou o disco, tirando a letra e aí botaram em cima a letra de Peggy Lee. Você escuta no disco de Peggy Lee os acordes d’Os Cariocas. Isso é que é impressionante. Mudaram o nome, mudaram tudo. Mas o plágio não foi lá não. O plágio se estendeu à França, onde ela foi gravada com o título de “Le Voyageur”, O viajante. Eu encontrei e tenho esse disco também. Nós nunca conseguimos nos ressarcir desses direitos injuriados e usurpados, nada disso. E o que é mais incrível: a Peggy Lee, numa viagem que eu fiz aos Estados Unidos, tornou-se minha amiga. Eu contei o fato pra ela e ela disse que era inocente e que tinha gravado uma música que a fábrica havia lhe dado. Ela dizia: “Não tenho nada com isso. O que você está contando me traz até remorso”.

Redação Iguatu.Net

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