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Após a eleição presidencial de 2018, a deputada catarinense Ana Caroline Campagnolo (PSL) convocou estudantes a denunciarem seus professores caso estes viessem a falar sobre política. Professores possuem meios para denunciar excessos
Por Caroline Oliveira
No dia em que o pesselista Jair Bolsonaro ganhou o pleito presidencial, 28 de outubro, a deputada estadual por Santa Catarina Ana Caroline Campagnolo, também do Partido Social Liberal (PSL), pediu que alunos denunciem professores que venham a falar sobre política em sala de aula.
Em suas redes sociais, a parlamentar afirmou que na segunda-feira pós eleições os “professores doutrinadores” estariam “inconformados e revoltados. Muitos deles não conterão sua ira e farão da sala de aula um auditório cativo para suas queixas político partidárias em virtude da vitória de Bolsonaro”. Ao final, Campagnolo pede que aos alunos catarinenses que gravem todas as manifestações e enviem os vídeos com o nome do professor, da cidade e da instituição de ensino.
Para Thayara Castelo Branco, advogada e membra da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil do Maranhão (OAB-MA), coagir um docente desta maneira é um “absurdo”. “Em determinados setores, é impossível não tocar em certos assuntos, como Direito, Ciências Sociais e Ciência Política”, afirma.
A advogada afirma que vem “percebendo que os professores estão um tanto desassistidos nesse aspecto, de acordo com os últimos acontecimentos que tiveram aqui em universidades públicas”. Ela recomenda que a primeira providência a ser tomada pelos docentes é se dirigir às direções das universidades, as quais possuem regimentos internos que conseguem atender a essa demanda. De acordo com a advogada, todos os casos que chegaram dentro da Universidade Federal do Maranhão (UFMA) tiveram uma reação apropriada da universidade.
Para ela, a solução deve se dar da maneira mais “pedagógica” possível, “para que a gente faça valer os direitos de todos tentando o discurso da comunicação não violenta”. Caso o docente sofra alguma agressão verbal, pode se instaurar um processo jurídico por difamação, calúnia ou injúria, a depender do caso. “Se um aluno grava sem a permissão, tem o direito à imagem, isso pode judicializar essas questões. Em alguns aspectos mais graves, acho perfeitamente cabível ações judiciais”, diz.
Branco, que é também professora da Universidade Ceuma, diz que não vê problemas quando seus alunos pedem para gravar suas aulas. No entanto, “dentro dessa política autoritária e de movimentos extremamente violentos que vêm agredindo diretamente o Estado Democrático de Direito e a própria legalidade, a coisa muda totalmente”. Ela lembra que todos os casos que chegaram dentro da Universidade Federal do Maranhão (UFMA) tiveram uma reação apropriada da universidade.
Nesse caso, a docente acredita que o direito à liberdade, que não abarca somente aquele de ir e vir, mas também o de expressão e pensamento, está ameaçado. “Dizer o que professor deve trabalhar e falar enquanto conteúdo histórico, político e social, é inaceitável. Isso afeta toda a liberdade de expressão na democracia, os direitos humanos, a liberdade de trabalho. Isso ataca, inclusive, o sistema educacional”, afirma a advogada.
Nessa ascensão de riscos aos direitos fundamentais, o maior medo da professora para os próximos anos é esse cerceamento na educação, “um ensino que não tenha possibilidade de diálogo, que não combina com democracia”. Segundo Thayara, o discurso utilizado por Jair Bolsonaro durante a campanha “nos leva a concluir que teremos um tempo difícil com retrocessos”. Para ela, “estamos novamente numa estrutura autoritária”.
O artigo 206 da Constituição Federal afirma que o ensino deve ser ministrado com base em alguns princípios. Entre estes, estão “igualdade de condições para o acesso e permanência na escola, liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber e o pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino”.
Tramita na Câmara dos Deputados, um Projeto de Lei (PL) 7180, de 2014, do então deputado Erivelton Santana, do Patriota da Bahia, que prevê o “Escola Sem Partido” ou “Lei da Mordaça”, reverenciado pela deputada Ana Caroline Campagnolo em sua postagem. O PL “inclui entre os princípios do ensino o respeito às convicções do aluno, de seus pais ou responsáveis, dando precedência aos valores de ordem familiar sobre a educação escolar nos aspectos relacionados à educação moral, sexual e religiosa”, segundo o documento legislativo.
Bernardo Mello Franco, colunista do O Globo, afirmou que a atitude da deputada lembra “os tempos sombrios” do macarthismo nos Estados Unidos. “Nos anos 1950, o senador Joseph McCarthy liderou uma feroz campanha anticomunista nos EUA. O humorista Charles Chaplin foi uma das vítimas mais ilustres da caça às bruxas. Mais tarde, McCarthy perdeu o apoio da opinião pública e caiu no ostracismo”, afirmou em sua coluna.
Após o ocorrido, professores e estudantes criaram um abaixo-assinado online para impugnar a candidatura da recém eleita deputada. “Nós, professores, entendemos que a referida Ana Caroline está incitando ódio, provocando um ambiente escolar insalubre, visto que nas atribuições em sala de aula, os professores (…) apresentam e promovem debates com a total lisura respeitando o livre pensamento dos alunos e da comunidade educacional em geral”, afirmam na petição.
Em nota, a Secretaria Estadual de Educação de Santa Catarina reiterou a legislação local ao lembrar que o uso de celulares em sala de aula é proibido. Ainda, o órgão atentou à liberdade de ensino e aprendizagem assegurada pela Constituição, na qual “o ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; e o pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas”.
Os sindicatos representantes dos trabalhadores em educação das redes pública e privada municipal, estadual e federal de Santa Catarina se posicionaram com “perplexidade” contra a parlamentar. Em nota, afirmaram que Campagnolo “pratica justamente aquilo de que acusa os docentes: o estímulo à violência e à barbárie”.
“Esse tipo de ameaça publicada em rede social é um ataque à liberdade de ensinar do professor (liberdade de cátedra), tipicamente aplicado em regimes de autoritarismo e censura. É mais grave ainda por partir justamente de alguém recém-eleita para um cargo público, e que deveria fiscalizar o cumprimento das leis. A sugestão de denúncia dos professores por estudantes caracteriza um assédio e uma perseguição em ambiente escolar, algo que remonta aos tempos da ditadura civil-militar brasileira”, disseram os sindicatos no documento.
O Ministério Público de Santa Catarina abriu um um inquérito para investigar a parlamentar que, as redes sociais, se define como “professora de história, cristã, antifrágil, antimarxista e antifeminista”. A investigação foi aberta de ofício, ou seja, de iniciativa própria do promotor de Justiça Davi do Espírito Santo, da 25ª Promotoria de Justiça da Capital.
Na segunda-feira pós eleições, 29 de outubro, houve um outro ocorrido envolvendo o nome de Campagnolo. Desta vez, panfletos com a imagens da parlamentar de armas em punho dentro de uma caixa foram enviados ao diretório do Partido Comunista do Brasil (PCdoB) de Florianópolis. O material também vinha com os dizeres “petistas, não se metam com o Bolsonaro, depois falam que não avisei”.
Em seu canal no Youtube, a parlamentar afirma que o Estado relega aos pais das crianças apenas o papel do sustento e de pagar boleto, tomando para si “qualquer função que os pais deveriam ter”. Em uma imagem publicada no Facebook, ao lado do tio e do pai, Campagnolo afirma “sangue de colona com muito orgulho”. Em um dos comentários da mesma postagem, ela afirma que é “50% italiana, 25% alemã, 12,5% portuguesa e indígena. Posso pedir terras para a Funai?”.
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