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Jair Bolsonaro não é de extrema-direita. É pior




Reuters. The Guardian. BBC. The Economist. Quase toda a imprensa internacional etiqueta Jair Bolsonaro de "extrema-direita." Os seus bordões televisivos, como "Brasil acima de tudo, Deus acima de todos", servem para reforçar a ideia que o deputado é o capítulo tropical do radicalismo de direita que tem Marine Le Pen, em França, o holandês Geert Wilders ou Jimmie Åkesson, na Suécia, como outros expoentes.


É uma ideia questionável. Partidos e movimentos de extrema-direita compartilham princípios que Bolsonaro, na verdade, não aparenta defender. Os académicos não têm uma voz uníssona sobre todos os ingredientes que compõem o radicalismo destro, mas são consensuais ao afirmar que está, pelo menos, centrado no etnonacionalismo, a apologia ao fortalecimento da nação baseada na glorificação de mitos do passado, e na ideia de uma sociedade etnicamente homogénea e superior. Mas a agenda política de Bolsonaro não segue essa direção. O programa eleitoral, de 81 páginas, tem um exército de ideias panfletárias, mas nenhuma contrária à imigração. Aliás, fala da necessidade da sociedade se desenvolver sem "diferenciação entre os brasileiros" e sublinha que "qualquer pessoa, mesmo não sendo cidadã brasileira, tem direitos inalienáveis." Emmanuel Macron não escreveria melhor.

Nas presidenciais francesas de 2017, Le Pen defendia a restrição dos pedidos de asilo feitos nos postos diplomáticos franceses, o primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán, defende publicamente a homogeneização étnica da população e o recém-nomeado ministro do Interior italiano, Matteo Salvini, é apologista da expulsão de ciganos. É verdade que Bolsonaro já fez comentários depreciativos contra haitianos e venezuelanos, mas contrariamente a líderes da extrema-direita, a sua agenda política não é centrada na imigração.

O Brasil é um país intensamente multiétnico. Tem as mais caudalosas comunidades de italianos, japoneses e libaneses do mundo. Vários presidentes do Brasil são filhos de imigrantes, como Michel Temer, Dilma Rousseff, Ernesto Geisel ou Emílio Médici. O nacionalismo e a uniformização racial não tem fertilidade no país porque os brasileiros são geneticamente multiculturais. Bolsonaro é descendente de italianos e seu sogro é afrodescendente. O seu vice, general Hamilton Mourão, tem sangue de colonos europeus, indígenas e negros. Eles são a regra. Ser brasileiro e xenófobo é o mesmo que ser muçulmano e negar Maomé.

Partidos e movimentos radicais de direita também defendem que os interesses da nação devem-se sobrepor aos interesses do internacionalismo. Le Pen defende a saída da França da NATO, enquanto Jimmie Åkesson propõe um referendo à permanência da Suécia na União Europeia.

Bolsonaro, por outro lado, está longe de defender o isolamento do país. É crítico ao regime cubano (a Venezuela, tanto apoia quanto critica), mas elogia publicamente países que visitou recentemente, como o Japão, Coreia do Sul, Taiwan e Israel. E propõe um amplo programa de liberalização, reduzindo as barreiras comerciais e acelerando negociações e acordos comerciais.

Ao não ser de extrema-direita, Bolsonaro poderia, na melhor fotografia, ser visto como um liberal na economia, um político conservador nos valores e anti-establishment no discurso. Mas também não aparenta ser nada disto. Pelo menos não de forma consistente.

Sobre economia, Bolsonaro costuma dizer, numa ignorância libertadora, que não entende nada. E sempre que recebe perguntas económicas que, de tão simples, constrangeriam mais o entrevistador do que o entrevistado, hesita ou responde que não sabe. O que se sabe é que, como mostrou uma pesquisa da Folha de São Paulo, Bolsonaro votou com o PT em temas económicos durante o segundo mandato do governo Fernando Henrique Cardoso e os dois governos Lula. Crente num Estado forte e intervencionista, gosta de ver a burocracia pública onde os liberais gostariam de encontrar o mercado. Em público, elogia o desenvolvimentismo dos governos militares. Apesar desta trajetória, o seu programa de governo tem um capítulo sobre liberalismo económico e o seu principal conselheiro para essa área, Paulo Guedes, é o maior guerrilheiro brasileiro pelo Estado mínimo. As contradições são grotescas: é como ter o Bloco de Esquerda a defender Robert Nozick.

Ele também não é o arquétipo dos valores tradicionais da família. Pai de cinco filhos de três esposas, a sua vida conjugal tumultuada veio a descoberto nos últimos meses. Várias testemunhas afirmam que a sua segunda esposa teve que fugir do Brasil devido às ameaças de morte do capitão, com quem disputou a guarda de um filho. Com a primeira também cortou relações. Revoltado com a autonomia política que a esposa estava a conquistar, como vereadora do Rio de Janeiro, Bolsonaro obrigou o filho adolescente a ir a eleições contra a própria mãe. O matricídio resultou. Carlos, então com 17 anos, foi eleito o mais jovem vereador da cidade. A mãe, derrotada, abandonou a política.

Bolsonaro está também longe de ser o modelo do anti-establishment. Eleito sete vezes para deputado e com histórico de filiação a nove partidos diferentes, sempre foi um membro do baixo clero que se aproveitou dos privilégios papais que o sistema lhe proporcionou. Tudo aquilo que movimentos anti-establishment criticam - as mordomias, as trocas oportunistas de partidos, o nepotismo, o uso de recursos públicos para benefícios privados, o séquito de assessores, o troca-lá-dá-cá, a pequena corrupção - fazem parte da sua biografia. Se o Cinco Estrelas da Itália ou o Movimento Guarda-Chuva de Hong Kong lançassem os olhos para o Brasil, Bolsonaro seria um alvo perfeito.

As agendas que Bolsonaro tem defendido com insistência nas últimas décadas, como as críticas a homossexuais, o nacionalismo, o direito ao porte de arma, a apologia à tortura, também não são inseridas num contexto ideológico aglutinador, não envolvem uma óbvia densidade intelectual, nem apresentam consistência entre elas. O seu patriotismo, por exemplo, não se coaduna com a continência que sistematicamente faz aos EUA, propondo que americanos explorem as riquezas minerais da Amazónia e o petróleo do pré-sal. O seu fervor católico levou-o a ser batizado no rio Jordão, em Israel, mas o seu radicalismo verbal profaniza metade dos Evangelhos.

O que é então Bolsonaro? O ex-capitão é um ser errante. Sem uma ideologia consistente que lhe preceitue os gestos e sem um partido político que lhe ilumine o caminho, o ex-militar de baixa patente extravia-se a cada passo político que dá. Para alguns, a falta de observância poderia ser um sinal de liberdade, mas, na prática, Bolsonaro é simplesmente uma pessoa influenciável.

É isso que o torna perigoso. Votar em Bolsonaro, seja para administrador do condomínio ou Presidente da República é votar numa mente em constante itinerância. São as quatro estações do ano num único dia. Os seus vazios de entendimento são facilmente ocupados por caprichos pessoais, carências emocionais, medos pueris. É um homem desabrigado que transforma em melhor amigo quem o bajula e em inimigo hepático quem o admoesta. Desabitado de vontades próprias, Bolsonaro refugia-se por detrás do discurso militarista e machista - os únicos pleitos que poder-lhe-iam dar a estatura que a sua altura não permite almejar.

Comparar Bolsonaro a líderes hediondos como Le Pen seria, por isso, um elogio. Bolsonaro é pior que líderes autoritários porque não tem uma trajetória consistente nem vontades autorais. Quem vota em Le Pen sabe que ela rejeitaria tratados comerciais internacionais e proporia impostos para quem contratar estrangeiros. É a cartilha da extrema-direita. No meio do caos existe ordem. Mas, com Bolsonaro, por detrás da mensagem de ordem viria o caos. Se for eleito, ninguém sabe que determinações o capitão do exército dará, com a nuca a tocar nas costas, aos generais que comandarão os ministérios. O Brasil, que já atravessa a pior crise das últimas duas décadas, marchará desgovernado.

Mas se tudo isto é verdade, porque é que tanta gente vota nele? Bolsonaro é uma tempestade perfeita, uma rara combinação de circunstâncias que resultam num desastre inesperado. Foi um fenómeno semelhante, ainda que no sentido contrário dos ponteiros do relógio, que transformou o popular Warren G. Harding num dos mais infames presidentes dos EUA. Bolsonaro alimenta-se de vários potes. Votam nele os dececionados com o PT ou os militantes do antipetismo e antlulismo (apesar dele já ter dito que votou no Lula em eleições passadas), votam nele o que defendem o liberalismo económico e o Estado mínimo (apesar dele ter defendido o estatismo no passado e o PT ser, cada vez mais, correligionário do mercado financeiro), votam nele os milhões de conservadores sociais que finalmente encontraram um voz que os represente (apesar de ser um pós-moderno dentro de casa), votam nele os que são anti-establishment (apesar dele ser o protótipo do político profissional e burocrata) e os que sofrem com a insegurança económica provocada pela atual crise (apesar dele ser confessamente pouco talentoso para enfrentar a tempestade económica que o país atravessa). Com todas as contradições e insuficiências, Bolsonaro conseguiu ser visto como o terapeuta dos desencantamentos coletivos. Pode até ser suficiente para ganhar eleições, mas não é suficiente para governar um país.


* Rodrigo Tavares é fundador e presidente do Granito Group. A sua trajetória académica inclui as universidades de Harvard, Columbia, Gotemburgo e California-Berkeley. Foi nomeado Young Global Leader pelo Fórum Económico Mundial.

Fonte: tsf

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