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A queda da execução provisória levará, por consequência, à soltura de presos perigosos?




Especialistas explicam ao JOTA que eventual mudança não levaria à soltura direta de homicidas ou estupradores


Quais seriam as consequências de uma eventual queda da execução provisória da pena pelo Supremo Tribunal Federal (STF)? Uma das dúvidas é se a revisão do entendimento adotado pela Corte em 2016 implicaria, diretamente, na soltura de criminosos acusados de crimes graves – sequestradores, homicidas e estupradores, por exemplo.

Na última segunda-feira (26/3), em entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura, o juiz Sérgio Moro, da 13ª Vara da Justiça Federal de Curitiba, afirmou que das 114 execuções de pena ordenadas por ele desde a mudança do entendimento do STF, a maioria diz respeito a crimes contra a administração pública, entre casos da Operação Lava Jato e crimes de peculato.

“Mas não é só isso, tem traficante, tem até pedófilo, tem doleiros e isso eu estou falando dentro de um universo pequeno, que é o local onde eu trabalho”, disse o magistrado. “Uma revisão desse precedente teria um efeito prático muito ruim”.

Para quem faz diferença?

O advogado e professor de Processo Penal da Universidade de São Paulo (USP) Gustavo Badaró diz que existem duas situações que precisam ser analisadas. A primeira é a de uma pessoa que estava presa durante o processo porque tinha uma prisão preventiva decretada mesmo antes da condenação em segundo grau – o juiz, por exemplo, decretou a prisão preventiva porque esta pessoa ameaçava testemunhas.

“Se o STF voltar a entender que a presunção de inocência vai vigorar até o trânsito em julgado, esta pessoa presa preventivamente não será colocada em liberdade”. Isto porque, ressalta o especialista, estas pessoas estarão presas não porque cumprem antecipadamente uma pena, mas sim porque estão em prisão preventiva.

No segundo cenário, há uma pessoa que respondeu ao processo em liberdade em primeiro grau, aguardou o julgamento da apelação em liberdade e foi condenada em segunda instância. Nesse meio tempo, como ela foi condenada enquanto vigora o atual entendimento do STF, o tribunal mandou expedir o mandado de prisão para que ela possa começar a cumprir pena antecipada.

“Esta pessoa, se o STF mudar de posição, tem que ser colocada em liberdade, independentemente do crime que ela tenha cometido. Nestes casos, o Supremo mudar de entendimento vai fazer diferença”, afirma Badaró.

O professor cita o caso do ex-deputado federal Eduardo Cunha, que mesmo antes de ter recurso negado pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) na última segunda-feira, já estava preso preventivamente. “Ele não seria colocado em liberdade caso houvesse uma revisão da execução da pena em segunda instância pelo STF. O Sérgio Cabral também está preso preventivamente. Se tiver uma condenação em segundo grau, mesmo que o STF mude de posição, ele não vai ser colocado em liberdade”, reforça.

“Em 99% dos casos de crimes graves, hediondos, a esmagadora maioria das pessoas responde presa preventivamente a quase todo o processo. Hoje em dia é dificílimo que alguém que esteja sendo acusado de um crime dessa natureza chegue em liberdade até o julgamento em segundo grau”, defende o advogado.

Argumento de terror

“Esse argumento é um argumento ad terrorem, de terror, de pânico, e que vem de uma lógica meramente punitivista”, aponta Soraia da Rosa Mendes, doutora em Criminologia pela Universidade de Brasília (UnB).

De acordo com a especialista, não há um número significativo de pessoas presas em função de crimes graves, como o estupro. “Se nós tomarmos em consideração os dados que são oferecidos pelo Depen [Departamento Penitenciário Nacional], veremos que a maior parte dos presos no Brasil respondem por crimes de tráfico e contra a propriedade, crimes sem violência ou grave ameaça”.

Números do relatório mais recente do Depen – divulgado pelo Ministério da Justiça em dezembro de 2017 – dão conta que, no universo do sistema penitenciário estadual, os crimes de tráfico correspondem a 28% das incidências penais pelas quais as pessoas privadas de liberdade foram condenadas ou aguardavam julgamento. Os crimes de roubo e furto somavam 37% das incidências e os homicídios, 11%.

Na avaliação de Mendes, o argumento de que com uma possível revisão do STF sobre o início de cumprimento de pena antes do trânsito em julgado haverá uma “uma soltura generalizada de pessoas que cometeram crimes de maior gravidade” não é válido.

“O início da execução provisória da pena não tem outra justificativa senão o reforço de uma mentalidade punitivista, que acaba trazendo resultados muito mais danosos do que efetivamente benéficos em termos de segurança da população”, aponta.

Libera geral?

Para Rafael Mafei, professor do Departamento de Filosofia e Teoria Geral do Direito da Universidade de São Paulo (USP), uma mudança de orientação do STF não levará à soltura automática de classes inteiras de condenados. Isso porque, segundo ele, acusados podem estar presos por outros motivos que não a execução provisória das penas. É o caso, por exemplo, de razões cautelares.

“É tipicamente o caso de acusados cuja liberdade implique risco concreto à ordem pública, como certamente ocorre com muitos ‘pedófilos, sequestradores, homicidas e estupradores’”, pondera.

Segundo o especialista, desde antes de 2016 – ainda com a antiga orientação do STF, que mandava que se aguardasse o trânsito em julgado de decisão penal condenatória – a regra era que esses acusados respondessem aos processos presos desde o primeiro grau, por força de prisões cautelares. Muito antes, portanto, das condenações em segundo grau.

“É justamente por isso que o sistema prisional brasileiro é majoritariamente ocupado por presos cautelares, sem condenação definitiva, como as estatísticas nos mostram a cada ano. Mesmo com a eventual mudança de orientação do STF, sempre haveria possibilidade de prisão cautelar de acusados, mesmo antes de condenação em segundo ou até em primeiro grau, se estiverem presentes riscos à ordem pública, risco de fuga, ou risco à efetividade do processo”, explica Mafei.

Ainda segundo dados do Depen divulgados pelo Ministério da Justiça em 2017, 40% da população carcerária brasileira – 726.712 pessoas em junho de 2016 – é formada por presos provisórios.


Fonte: jota

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