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Relato de uma vítima da violência policial





Foto: José Eduardo Bernardes/Brasil de Fato

No Brasil de Fato, o relato de uma vítima da guerra em que só um lado luta armado

Por José Eduardo Bernardes

“Parece guerra, mas só um lado está armado”, diz ferida por bomba da polícia em 2016

Vítima da violência policial ao ser atingida no olho esquerdo por uma bomba de efeito moral disparada pela Polícia Militar de São Paulo em agosto de 2016, Déborah Fabri, 20, estudante da Universidade Federal do ABC (UFABC), afirma que as recentes ações policiais contra manifestantes, como as que aconteceram em Brasília, no último dia 24 de maio, “parecem uma guerra, mas só um lado está armado, enquanto o outro está com cartaz e bandeira na mão”.

O ato deste ano em Brasília contra o governo Temer deixou uma série de feridos com gravidade. Pelo menos duas pessoas teriam sido atingidas por disparos de armas de fogo, em ataque realizado pela Polícia Militar do Distrito Federal e um rapaz chegou a perder parte da mão durante o confronto.

“É um exército militar gigantesco, com arma, tudo, atacando o povo, inclusive com arma de fogo. É um exército atirando contra seu próprio povo”, avalia a estudante.

Fabri sentiu de perto o poder da repressão policial. Ela e outros três amigos participavam do primeiro ato contra o impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff, em 31 de agosto de 2016, na rua da Consolação, em São Paulo, quando foram acuados pela Polícia Militar por bombas e balas de borracha. Uma delas explodiu entre os seus pés e um estilhaço atingiu seu olho esquerdo.

A estudante diz poder “afirmar, com toda a certeza do mundo, que a polícia não está na manifestação para dispersar, ela está lá para machucar e machucar de graça”. Fabri sofreu uma grave contusão no olho. Perdeu boa parte da íris, teve que retirar o cristalino, sua córnea ficou embaralhada e perdeu parte da visão.

Hoje, enxerga luzes, movimentos, sombras e conta que sofre com fotofobia, mas “fico feliz de ter meu olho aqui, meu globo ocular. Na hora, eu achei que ele tinha ido embora”.

Após um longo período afastada dos noticiários pelo grande assédio da mídia, ávida por seu caso, Fabri, natural de Governador Valadares, município do interior de Minas Gerais, decidiu revisitar o dia que mudou sua vida. Sua imagem, com o rosto coberto de sangue, logo após o estouro da bomba, circulou em grandes proporções pelas redes sociais. Em seu perfil em redes sociais se avolumavam tanto críticas à sua participação no ato, como empatia com sua dor.

“A explosão da bomba que o policial jogou foi só o começo de muitas outras violências”, lembra a estudante.

“Tinha muita foto minha sangrando e até hoje eu não gosto de ver essas fotos, porque para as pessoas é alguém sangrando, mas para mim, sou eu, e eu revivo aquela cena. Eu não sinto só o sangue, eu revivo o mesmo sentimento de desespero e terror daquela hora”, diz.

O 31 de agosto de 2016

A estudante decidiu mudar para São Paulo em 2016 e realizar o sonho de cursar Engenharia Aeroespacial na UFABC, na cidade de Santo André. Quando chegou, no entanto, optou pelo curso de Física.

Desde os tempos de Minas Gerais, Fabri militava politicamente no Levante Popular da Juventude e fazia questão de se manter atenta ao cenário político. O fatídico dia 31 de agosto de 2016 era seu primeiro dia de férias na universidade e o protesto contra a controversa decisão de afastar a presidenta, tomada pelos deputados federais em Brasília, reuniria movimentos populares e manifestantes não organizados.

“(A manifestação) estava super tranquila. O pessoal com batucadas, a gente passava, cantava um pouco, pegava cartazes. Na hora em que a gente foi descer a [Rua da] Consolação, eu olhava e agradecia por aquela manifestação, pelo povo estar junto, unido, lutando junto, por estar super tranquilo. Lembro de ter sentido essa gratidão, mesmo sem saber o que iria acontecer depois”, afirma Fabri.

Os minutos seguintes foram marcados por cenas de brutalidade policial contra manifestantes desarmados, que pouco puderam fazer para se defender das balas de borracha e bombas de efeito moral atiradas aleatoriamente na Rua da Consolação, no centro de São Paulo.

“A gente começou a ouvir bombas lá atrás e cada vez mais rápido, muito alto… O barulho estava cada vez mais perto dos nossos ouvidos”, lembra a estudante.

Assustados pela quantidade de bombas arremessadas, os estudantes se refugiaram em um posto de gasolina. Fabri conta que mesmo no posto, ela e os amigos se sentiram acuados pela ação policial e resolveram seguir juntos pela rua da Consolação. “Nós demos a mão, eu e os três amigos, e fomos em fila pela calçada. Não correndo, para que a polícia não achasse que era alguma coisa. Até esse momento, a gente pensa nesse absurdo de culpar a vítima, infelizmente”.

Neste momento, a estudante se tornou alvo da Polícia Militar. Em meio à gigantesca quantidade de bombas que explodiam ao seu redor, a estudante se perdeu dos amigos. Por um momento, se viu só e conta ter se assustado não só com as bombas, mas principalmente por estar só, em uma grande cidade.

“Eu olhei para trás e vi o meu amigo, foi a última pessoa que esse olho enxergou”. “Esse tempo para mim é um pouco lento. É questão de segundos. Eu dei dois passos, uma bomba caiu em cima de mim, no meu pé. Por muito tempo, eu não consegui sair dessa imagem. Eu vi uma claridade, um impacto”.

Quando sentiu o impacto da bomba, Fabri tocou o rosto e sentiu o sangue que escorria das lesões causadas pela bomba. Em busca de ajuda e primeiros socorros, a estudante e os amigos correram em direção a um bombeiro, que acompanhava o ato, mas o militar recusou o atendimento. Ela relata que “o bombeiro disse que não ajudaria manifestantes”.

Após a via crucis que envolveu essa primeira recusa de atendimento e seguiu com dezenas de pessoas ao seu redor tentando capturar em imagens os horrores daquela cena, Fabri chegou à enfermaria da Coordenadoria Geral de Especialização, Aperfeiçoamento e Extensão (Cogeae), da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC), também na Rua da Consolação. Lá, foi atendida e teve seu rosto enfaixado.

Da enfermaria, Fabri teria que ir para um hospital, receber o atendimento adequado para o ferimento causado pela bomba. “A dor era intensa, parecia que tinha atravessado alguma coisa aqui. A dor se concentrava em toda a parte do rosto, do olho, tudo”.

“Quando a gente saiu dessa enfermaria, não tinha lugar para ir. A gente tentou chamar o Samu [Serviço de Atendimento Móvel de Urgência], tentou chamar Uber, tentou chamar taxi”. “A gente saiu daquela enfermaria sem um lugar para ir. Eu estava com o olho aberto ainda, morrendo de dor. Sentia que minha visão ia apagar, que eu ia cair a qualquer momento. E a única ideia que eu tive quando a gente saiu de lá, foi parar na rua, entrar no meio do trânsito e parar os carros para me levar ao hospital”.

Após insistir e até cair de dor sob o capô de um carro, mesmo sem dinheiro o bastante, um taxi levou a estudante e os amigos até o Hospital das Clínicas. O atendimento, conta Fabri, não aconteceria em tempo hábil. Por isso, deixaram o hospital e foram levados por professores da Universidade Federal do ABC para o H.Olhos Paulista, especializado nesse tipo de tratamento.

Fonte: ocafezinho

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