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Conceder direitos não deveria ser polêmico. Negá-los, sim





O caso Adriana Ancelmo e outras mulheres presas com filhos pequenos

A lei diz que a mulher com filho de até 12 anos tem direito a cumprir a prisão preventiva em casa, de modo que as crianças não sejam privadas dos cuidados da mãe que, inclusive, ainda está respondendo ao processo, sem condenação definitiva.
Em um contexto em que a própria prisão preventiva deveria ser exceção, pois destinada a pessoas inocentes até que se prove o contrário durante o processo, a prisão domiciliar é a garantia de que as mães receberão uma medida cautelar condizente com a sua realidade, pois a chance de fugirem ou não comparecerem aos atos do processo quando tem filhos sob seu cuidado é muito baixa.  
Na prática, entretanto, não é tão simples assim. A lei também diz que o juiz poderá substituir a prisão preventiva pela domiciliar, ou seja, ele decide quando a mulher pode receber esse direito, avaliando as circunstâncias individuais, como, por exemplo, se há condições das crianças receberem cuidados de outras pessoas e qual é a situação econômica da família diante da possibilidade de terceirizar esse cuidado.
É a análise do caso concreto e a livre convicção do juiz que irão determinar o destino dessas mulheres. É o verbo “poderá” do art. 318 do CPP que faz com que muitas mulheres permaneçam presas durante o processo e outras, como Adriana Ancelmo, possam ir para casa enquanto aguardam o julgamento.
A lei é assim redigida para evitar que todos os casos sejam tratados da mesma forma, assegurando, assim, que situações excepcionais, em que a mulher claramente não tenha condições de responder ao processo em casa não ocorram.  O problema é que a exceção acaba se tornando a regra. São muitas mulheres que tem seu pedido de prisão domiciliar negado. O STJ divulgou recentemente que concedeu 32 dos 45 pedidos que chegaram a instância superior desde que a lei foi alterada, em março de 2016. Se o STJ reconheceu esse direito na maioria dos casos, por que o juiz de primeira instância, quando analisou esses mesmos casos, negou a sua concessão?
Isso ocorre em razão da seletividade do sistema penal. A Defensoria Pública do Rio de Janeiro afirmou que 326 mães de crianças com até 12 anos estão presas provisoriamente no Rio de Janeiro. A maioria dessas mulheres responde a processo de tráfico de drogas, muitas vezes porque foram pegas ingressando no sistema prisional com drogas destinadas a companheiros presos ou porque assumiram a atividade depois de se verem desprovidas de recursos para sustentar seus filhos. São mulheres sem antecedentes criminais, que saíram de casa deixando filhos pequenos sozinhos e não sabem quando vão retornar, nem o que vai acontecer com as crianças.
O sistema de justiça, entretanto, não se identifica com essas mulheres. São pobres, pretas, desempregadas, “traficantes”, que moram em endereços sem CEP, que não estão nos mapas oficiais. É por isso que mulheres como Adriana Ancelmo tem seu direito atendido e outras não. Ela é branca, rica, tem endereço nobre e profissão. Não é uma questão de ter um advogado particular que encontrou uma brecha na lei. A defesa criminal da clientela do sistema prisional brasileiro não precisa só de argumentos jurídicos para conseguir obter os benefícios que seus clientes têm direito, ela precisa quebrar preconceitos e enfrentar dificuldades impostas por uma lei feita para quem tem emprego com carteira assinada e endereço completo. Muitas vezes, só recorrendo às Cortes superiores é possível obter direitos que deveriam ter sido concedidos de imediato.
Adriana Ancelmo tem filhos menores de 12 anos e por isso tem sim direito a responder ao processo em prisão domiciliar. Mas tantas outras mulheres brasileiras que se encontram presas sem a menor ideia de quem está cuidando dos seus filhos na sua ausência também. Isso não deveria ser polêmico, deveria ser a regra.
Fonte: jota

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