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Jurista cearense Clóvis Beviláqua, o pai do primeiro Código Civil



Compilado do site Conjur

Clóvis Beviláqua, um senhor brasileiro

No Brasil sem memória, não é de se espantar que as homenagens a este grande brasileiro sejam restritas, tímidas, muito aquém de sua real importância e legado. Afinal, hoje em dia, lamentavelmente, pouca gente sabe, realmente, quem foi Clóvis e qual a sua contribuição para o direito, para a democracia e para a cultura no Brasil.
Todos os bacharéis em Direito, desde 1917 e formados até, pelo menos, 2003, quando entrou em vigor o chamado Código Civil Reale, estudaram pelo antigo Código de 1916, cujo projeto foi da lavra de Clóvis Beviláqua. Seus comentários ao Código Civil Brasileiro, sobretudo, e sua defesa do Projeto de Código Civil Brasileiro tornaram-se obras célebres. Mas o tempo é implacável com a memória histórica, e mesmo os grandes juristas do passado tendem a ficar relegados ao esquecimento...
Ocorre que Clóvis, além de civilista, teve destacada produção jurídica em muitos outros campos do Direito: Internacional Público e Privado, Constitucional e Legislação Comparada de Direito Privado, para citar alguns. E, homem eclético, produziu conhecimento em diversas outras áreas do saber, como a História, a Filosofia, a Literatura, a Economia Política, a Criminologia...
Enfim, Clóvis Beviláqua foi um senhor brasileiro, que merece todas as nossas homenagens. Assim, neste e nos próximos três artigos, vamos rememorar alguns aspectos principais de sua vida e obra.

Constituinte
A família Bevilaqua tem origem italiana (nobre, segundo biógrafos de Clovis). O avó paterno de Clovis chegou ao Brasil ainda no século XVIII, instalando-se no Nordeste. O pai do jurisconsulto, o padre José Bevilaqua, foi vigário da cidade de Viçosa do Ceará, na serra de Ibiapaba, onde se casou de fato com a piauiense Martiniana Maria de Jesus. Desta união, entre outros filhos, nasceu Clovis, em 4 de outubro de 1859, em Viçosa do Ceará, a cerca de 350 km de Fortaleza.


O menino Clovis viveu até os 10 anos na terra natal, indo estudar depois em Sobral, Fortaleza e no Rio de Janeiro. Graduou-se, em 1882, pela Faculdade de Direito do Recife (que mais tarde se integraria à atual Universidade Federal de Pernambuco).
Trabalhou durante cinco anos como bibliotecário da Faculdade, tornando-se, depois, professor de Legislação Comparada e Filosofia do Direito. Filiou-se à Escola do Recife, corrente filosófica influente, comandada por intelectuais do porte de Tobias Barreto e Silvio Romero.
Em 1890, foi secretário de governo do Estado do Piauí. No ano seguinte, integrou a Assembleia Constituinte que redigiu a primeira Constituição Republicana do Estado do Ceará, chegando, inclusive, a presidir os trabalhos à época. Renunciou ao mandato, alegando descontentamento por ter sido voto vencido na propositura de um referendo popular para aprovação da Carta (tema atualíssimo, diga-se, que Clovis, visionário, trouxe à baila há 120 anos...).

O primeiro Código Civil
Retomou suas atividades de professor e articulista de jornais, publicando alguns de seus primeiros livros de literatura, filosofia do direito, história, direito civil e também um sobre economia política, até que, em 1899, foi convidado pelo então ministro da Justiça, Epitácio Pessoa (que depois viria a ser ministro do Supremo Tribunal Federal e presidente da República), a redigir o projeto de Código Civil Brasileiro.

Aceitando a empreitada, Clovis Bevilaqua mudou-se com a família para o Rio de Janeiro, onde passou a residir até sua morte, em 26 de julho de 1944.
Em apenas seis meses, elaborou o projeto encaminhado ao Congresso Nacional. A responsabilidade era enorme, porque algumas tentativas de codificação haviam sido malogradas, incluindo as de autoria de grandes jurisconsultos, como Teixeira de Freitas e Coelho Rodrigues. E mais: continuavam em vigor muitas normas jurídicas anacrônicas, a regular a vida civil brasileira, incluindo antiquados dispositivos legais que integravam as Ordenações do Reino. Não era, pois, tarefa simples sistematizar uma nova legislação civil, ainda mais em prazo curto.
Apreciado no Congresso Nacional a partir da virada para o século XX, o Projeto de Código Civil de Clovis sofreu duros ataques. A começar dos desferidos por Rui Barbosa, que objetou inúmeros reparos ao vernáculo empregado pelo jurista cearense. Travou-se debate público a respeito, e Clovis fez contundente sustentação escrita do projeto, transformada em sua obra Em Defesa do Projeto do Código Civil Brasileiro.

Para alguns, Rui foi movido por despeito, pois gostaria, ele mesmo, de ter sido o autor do projeto. Para outros, o que motivou o magistral jurista baiano, principal redator da Constituição Republicana de 1891, foi o zelo com a elaboração legislativa, procurando o debate amplo e detido da matéria, para evitar uma aprovação açodada, que comprometesse o conteúdo de obra de tamanha envergadura, a primeira codificação civil do País.
Houve, entre os parlamentares, aqueles que fizessem reparos ao conteúdo do Código, que consideravam avançado, procurando reformar seus dispositivos, para que tivessem tom mais conservador – com destaque para Andrade Figueira.
Depois de exaustivos debates na Câmara Federal e no Senado da República, o projeto de Código Civil foi finalmente aprovado, em 1º de janeiro de 1916, e entrou em vigor em 1º de janeiro de 1917, sobrevivendo até 2002, por 85 anos.
Miguel Reale, autor principal do projeto do novo Código Civil, aprovado em 2002 e que entrou em vigor em 2003, fez questão de assinalar os méritos da vasta produção bibliográfica e legislativa do mestre cearense:
“Clovis Bevilaqua, o artífice incomparável de nosso Código Civil.
(...)
O dom de síntese, que se estadeia em todas as suas obras, desde as suas primeiras monografias sobre o Direito da Família, das Sucessões e das Obrigações até o Direito das coisas, publicado aos 83 anos, derradeira mas não menos valiosa pérola de um precioso colar, atinge o seu momento culminante nos comentários límpidos e sucintos do Código Civil, exemplo admirável de sacrifício do supérfluo para que não houvesse sombras perturbando o pensamento essencial”. (Discurso de posse, em 21 de maio de 1975, na cadeira 14 da Academia Brasileira de Letras, a mesma ocupada por seu fundador, Clovis Bevilaqua)

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