Do Conjur
Tradicionalmente, a Justiça do Trabalho concede o benefício da assistência judiciária aos trabalhadores que ajuízam reclamatórias trabalhistas e fazem o pedido, independentemente de qualquer comprovação de hipossuficiência. De outro giro, a Justiça do Trabalho reiteradamente insiste em negar a concessão da gratuidade da justiça aos empregadores, ainda que estes sejam pessoa física, e juntem aos autos a necessária comprovação de insuficiência de recursos.
As incontáveis sentenças e acórdãos que negam o benefício ao empregador usualmente fundamentam sua decisão nos artigos 790 da CLT e na Lei 5.584/70, dispositivos estes incapazes de justificar decisões que ferem gravemente a Constituição Federal, o ordenamento jurídico vigente, e a Justiça, especialmente quando interpretados alheiamente aos ditames constitucionais.
Diante do sabido e notório cenário de crise econômica que assola o país atualmente, bem como o abalo financeiro atual de vários empreendedores, empregadores pessoas físicas frequentemente se veem diante de sentenças em reclamatórias trabalhistas que merecem reparo. Entretanto, os empregadores são impedidos de exercer seu direito ao reexame do decisum por se verem sem condições de arcar com os elevados valores dos depósitos recursais da Justiça do Trabalho, mesmo que o provimento jurisdicional primevo possa ser fonte de enriquecimento ilícito do empregado.
Usualmente, o empregador pessoa física que passa no momento por crise financeira consegue com extrema dificuldade honrar seus compromissos básicos e não dispõe de recursos para pagamento do depósito recursal. Afastada a possibilidade de protelação da demanda com a distribuição de recurso que sabidamente deveria ser instruído por preparo recursal, o pedido de concessão da gratuidade de justiça merece análise para que o recorrente possa explanar suas razões e seu inconformismo perante a prolação do comando sentencial. Outrossim, o enriquecimento desmedido do reclamante diante de injustiças cometidas pela sentença a quo prolatada é incentivado, em detrimento do direito de recorrer atingido por justificativas insubsistentes.
Verificada a boa-fé do empregador pessoa física recorrente, comprovada sua hipossuficiência financeira (especialmente através de declarações de Imposto de Renda à Receita Federal), identificado o intuito de que seja feita plena justiça em não compactuar com o enriquecimento desmedido do empregado, não há razão para que o benefício lhe seja negado.
Neste sentido, o artigo 3º, inciso VII da Lei 1.060 de 1950, antes da vigência da Lei 13.105/15 (novo Código de Processo Civil), assegurava aos litigantes que não possuem condições de arcar com o ônus das custas e despesas processuais, desde que comprovada a condição de hipossuficiência, as seguinte isenções:
Art. 3º. A assistência judiciária compreende as seguintes isenções:
VII – dos depósitos previstos em lei para interposição de recurso, ajuizamento de ação e demais atos processuais inerentes ao exercício da ampla defesa e do contraditório.
Data venia, discordamos do entendimento daqueles que consideram que o dispositivo legal acima transcrito havia sido “revogado” pelo art. 98, § 1º do novo Código de Processo Civil, uma vez que a redação de ambos é praticamente idêntica:
Art. 98. A pessoa natural ou jurídica, brasileira ou estrangeira, com insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios tem direito à gratuidade da justiça, na forma da lei.
§ 1o A gratuidade da justiça compreende:
VIII - os depósitos previstos em lei para interposição de recurso, para propositura de ação e para a prática de outros atos processuais inerentes ao exercício da ampla defesa e do contraditório;
Portanto, entende-se que as duas disposições legais estão vigentes, e tanto a referência ao art. 3º, VII da Lei 1.060/50 ou ao art. 98, § 1º, VIII da Lei 13.105/15 estão corretas.
Com relação às sentenças e acórdãos que negam o benefício ao empregador e que fundamentam suas decisões nos artigos 790 da CLT e na Lei 5.584/70, tem-se que a seleção de tais dispositivos é absolutamente inadequada, se sua interpretação se der de forma dissociada aos ditames constitucionais. Ora, em que pese a assistência judiciária na Justiça do Trabalho estar disciplinada pelos artigos 14 e seguintes da Lei 5.584/70, a mesma refere-se tão somente ao trabalhador quanto aos benefícios da Lei 1.060 de 1950. A referida Lei 5.584/70 é omissa quanto ao empregador:
Art 14. Na Justiça do Trabalho, a assistência judiciária a que se refere a Lei nº 1.060, de 5 de fevereiro de 1950, será prestada pelo Sindicato da categoria profissional a que pertencer o trabalhador.
§ 1º A assistência é devida a todo aquele que perceber salário igual ou inferior ao dobro do mínimo legal, ficando assegurado igual benefício ao trabalhador de maior salário, uma vez provado que sua situação econômica não lhe permite demandar, sem prejuízo do sustento próprio ou da família.
§ 2º A situação econômica do trabalhador será comprovada em atestado fornecido pela autoridade local do Ministério do Trabalho e Previdência Social, mediante diligência sumária, que não poderá exceder de 48 (quarenta e oito) horas.
E quanto ao art. 790 da CLT, este disciplina apenas que
Art. 790. Nas Varas do Trabalho, nos Juízos de Direito, nos Tribunais e no Tribunal Superior do Trabalho, a forma de pagamento das custas e emolumentos obedecerá às instruções que serão expedidas pelo Tribunal Superior do Trabalho.
As instruções à que se refere o art. 790 da CLT consistem especialmente na Instrução Normativa (IN) 3 do TST que interpreta o art. 8º da Lei 8542/92, que por sua vez trata do depósito para recurso nas ações na Justiça do Trabalho. A IN 3 considera que os depósitos recursais na Justiça do Trabalho não têm natureza jurídica de taxa de recurso, mas de garantia do juízo recursal.
Com relação ao depósito recursal, além de ser um pressuposto processual recursal objetivo, implica em ser uma forma de garantia da futura execução por quantia certa. Seu objetivo é impor dificuldades à interposição de recursos protelatórios e, até certo ponto, garantir a execução da sentença. Entretanto, o item X da IN 3 trata da dispensa do depósito recursal para os entes de direito público externo e as pessoas de direito público contempladas no Decreto-Lei 779/69, assim como para a massa falida e a herança jacente. De qualquer forma, inexiste justificativa para que tal depósito recursal não se enquadre na hipótese de isenção prevista no art. 98, § 1º, VIII do novo CPC.
Conclui-se de forma bastante cristalina que tanto a Lei 5.584/70 quanto o art. 790 da CLT, inclusive a IN 3 do TST, são dispositivos incapazes de respaldar as decisões que negam o benefício da Justiça Gratuita ao empregador na Justiça do Trabalho, pois são todos dispositivos omissos quanto ao direito do empregador.
Assim, a própria CLT dispõe em seu artigo 8º que “as autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por eqüidade e outros princípios e normas gerais de direito, principalmente do direito do trabalho, e, ainda, de acordo com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público” e que “o direito comum será fonte subsidiária do direito do trabalho, naquilo em que não for incompatível com os princípios fundamentais deste”.
Pelo exposto, é imperativo buscar socorro na Constituição Federal e na lei geral, no que tange à assistência judiciária ao empregador. A Constituição Federal, em seu art. 5º LXXIV, assegura o benefício aos que comprovarem a insuficiência de recursos. E, com respaldo nos princípios basilares do Direito, relativos ao contraditório e ampla defesa dos litigantes, o artigo 2º da Lei 1.060/50, vigente segundo nosso entendimento, também traz essa garantia ao definir “necessitado” como sendo aquele cuja situação econômica não lhe permita pagar as despesas processuais sem prejuízo de seu sustento ou de sua família.
O artigo 98 da Lei 13.105/15, a nosso ver totalmente compatível com a Lei 1.060/50, garante que a “pessoa natural ou jurídica, brasileira ou estrangeira, com insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios tem direito à gratuidade da justiça, na forma da lei”.
De forma que a falta de capacidade econômica do empregador para efetuar o pagamento do depósito recursal não significa que lhe possa ser vedado o direito ao recurso (art. 5º, lV, CF) com a imposição da deserção.
Apesar de ser uma norma constitucional (art. 5º, XXXV), o exercício do direito de ação pressupõe a observância de alguns pressupostos (interesse, legitimidade e possibilidade jurídica do pedido), os quais são exigíveis por legislação infraconstitucional. Como desdobramento do direito de ação, o recurso possui pressupostos (dentre eles, o preparo). É viável, porém, com base no art. 5º, LXXIV, da CF, a concessão do benefício da gratuidade de justiça quando o empregador declarar, sob as penas da lei, que não possuir recursos para o pagamento das custas processuais. Neste caso, obviamente, admite-se prova iuris tantum.
Pois bem, a concessão da assistência judiciária ao empregador, pessoa natural ou jurídica, encontra respaldo na própria CF (art. 5º, LXXIV). Contudo, a demonstração da falta de capacidade econômica do empregador deverá ser demonstrada de forma inequívoca e está sujeita a apreciação judicial, não sendo suficiente a mera declaração de insuficiência de recursos, posição já adotada pelo STF e STJ.
De qualquer forma, é inadmissível a negativa do benefício da justiça gratuita, incluída a isenção do pagamento das custas processuais, diante da literalidade do art. 3º, VII, Lei 1.060/50 e do art. 98, § 1º, inciso VIII do Novo CPC. Argumenta-se que o depósito recursal trabalhista, em sendo pressuposto processual e não taxa recursal, não pode ser objeto da assistência judiciária, mas tal entendimento é contrário à própria Constituição, e ao texto da Lei 1.060 e do novo CPC.
Segundo este equivocado entendimento, reiteradas decisões de nossos tribunais trabalhistas mostram-se escatológicas:
Ementa: DEPÓSITO RECURSAL. PARTE RECLAMADA QUE É PESSOA FÍSICA E QUE GOZA DO BENEFÍCIO DA JUSTIÇA GRATUITA. ISENÇÃO DE RECOLHIMENTO SOMENTE DE CUSTAS, E NÃO DE DEPÓSITO RECURSAL. No processo do trabalho, o depósito recursal não tem a natureza de taxa judiciária (Instrução Normativa 03/93, item I, do C. TST), mas sim é parcela garantidora da instância. Desta sorte, mesmo que a parte reclamada seja beneficiária da justiça gratuita, ainda assim subsiste a necessidade de recolhimento de tal depósito (CLT , art. 899 e Lei 8.1771/91, art. 40), sem o que o apelo interposto pelo réu é deserto.
Ementa: AGRAVO DE INSTRUMENTO. DESERÇÃO DO RECURSO DE REVISTA. PESSOA JURÍDICA. GRATUIDADE DE JUSTIÇA. Mesmo nas hipóteses em que é admitida a gratuidade de justiça, consubstanciada no art. 3º, da Lei nº 1.060/50, às pessoas físicas ou jurídicas, quando há prova induvidosa da insuficiência econômica alegada - hipótese que não corresponde a que ora se analisa -, tal benefício não abrange o depósito recursal, que tem natureza de garantia do juízo e não de despesa processual, cujo escopo consiste em assegurar o êxito em processo de execução futura. Agravo de instrumento a que se nega provimento.
Ementa: AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. DESERÇÃO. JUSTIÇA GRATUITA. EMPREGADORA. DEPÓSITO RECURSAL. Considerando que o benefício da justiça gratuita, nos termos do artigo 3º da Lei nº 1.060/50, limita-se às despesas processuais, não alcançando o depósito recursal correspondente à garantia do juízo, cuja finalidade é assegurar a exequibilidade da sentença, quando a empregadora reclamada não prepara seu recurso de revista com o depósito recursal disso resulta deserção e, forçosamente, o seu trancamento. Agravo de instrumento improvido.
Ementa: JUSTIÇA GRATUITA. EMPREGADOR. PESSOA FÍSICA. Incabível o deferimento dos benefícios da justiça gratuita à reclamada, por ausência de norma legal. E, mesmo que fosse possível, o deferimento dos benefícios da justiça gratuita ao empregador, pessoa física, a isenção de pagamento alcançaria apenas as custas processuais, uma vez que o depósito para recurso não se constitui em ato estatal, mas é garantia da execução. Sendo assim, não tendo sido recolhidos o depósito recursal e as custas do processo, é deserto o recurso ordinário interposto.
Mas em alguns julgados, o TST e outros tribunais do Trabalho, observadas as peculiaridades processuais, já reconhecem que os benefícios da assistência judiciária ao empregador se estendem à isenção de recolhimento do depósito recursal, posição que merece pacificação.
INSUFICIÊNCIA ECONÔMICA DO EMPREGADOR. JUSTIÇA GRATUITA. O Reclamado, dono de uma firma individual, enquadrado como microempresário, ao interpor o Recurso Ordinário, declarou, de próprio punho, sob as penas da lei, ser pobre na acepção jurídica do termo, não tendo condições de residir em Juízo pagando as custas do processo sem prejuízo do próprio sustento e dos respectivos familiares. Assim, não se apresenta razoável, diante da peculiaridade evidenciada nos autos, a deserção declarada pelo Tribunal Regional, na medida em que o entendimento adotado acabou por retirar do Reclamado o direito à ampla defesa, impedindo-o de discutir a condenação que lhe foi imposta em 1º Grau. A tese lançada na Decisão revisanda vai de encontro aos termos do art. 5º da Constituição Federal, pois tal dispositivo, em seu inciso LXXIV, estabelece textualmente que o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos, sem fazer qualquer distinção entre pessoas física e jurídica. Recurso conhecido e provido” (TST – 2ª T – RR 728010-27.2001.5.09.5555 – Relator Ministro: José Luciano de Castilho Pereira – DJ 11/4/2006).
Ementa: TRT-PR-15-09-2006 AGRAVO DE INSTRUMENTO-ASSISTÊNCIAJUDICIÁRIA GRATUITA-EMPREGADOR PESSOA FÍSICA-POSSIBILIDADE DECONCESSÃO - A interpretação sistemática dos artigos 5º (LXXIV) da CF , 790 (o 3º) da CLT , 4º da Lei nº 1.060 -1950 e 1º da Lei nº 7.115 -1983 autoriza a concessão dos benefícios da Justiça Gratuita ao empregador pessoa física que declarar ser desprovido de recursos para satisfazer as custas processuais e o depósito recursal (se esta declaração não for desconstituída pela parte adversa). Benefícios da assistência judiciária gratuita que se concede ao reclamado para dispensá-la do preparo recursal (recolhimento de custas processuais e realização de depósito recursal). Agravo de Instrumento provido para determinar o processamento do recurso ordinário do reclamado.
EMENTA: JUSTIÇA GRATUITA. EMPREGADOR. No Processo do Trabalho, a gratuidade da justiça é instituto direcionado eminentemente ao trabalhador, como se depreende da interpretação das normas aplicáveis (art. 5º, LXXIV da CF, art. 4º da Lei nº 1.060/50, art. 14 da Lei nº 5.584/70, e art. 790, § 3º da CLT). Excepcionalmente, admite-se concedê-la em outros casos, nos quais, porém, não basta a simples declaração de pobreza, impondo-se a efetiva comprovação do estado de insuficiência econômica, de forma que seja manifestamente incompatível com as obrigações pecuniárias exigidas no processo.(TRT3ª Região - 6ª T. - AP 00697.2002.007.03.00.7 - Rel. Des. Ricardo Antônio Mohallem - J. 24.07.2006 - Publicação 03.08.2006).
JUSTIÇA GRATUITA - POSSIBILIDADE DE CONCESSÃO AO EMPREGADOR. A realidade sócio-econômica do País deve ser levada em consideração na análise dos fatos, pelo que o microempresário em dificuldades financeiras não deve ser privado da defesa de seus direitos em razão de não ter condições de efetivar o depósito recursal ( TRT 20ª Região - Ac. 2785/2000 - Rel. Juiz Carlos Alberto Pedreira Cardoso - DJSE 18.04.2001)
Em conclusão, não mais podem existir dúvidas de que o empregador, pessoa natural ou jurídica, tem o pleno direito à percepção da assistência judiciária gratuita, diante da inexorável demonstração da sua necessidade. E que tal benefício se estende ao pagamento do depósito recursal sob pena de violação do direito constitucional de ampla defesa e contraditório.
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