Pelo início do século XII, na plenitude do exercício político e de poder da Santa Igreja Católica, seus líderes começam a enfrentar resistências à doutrina de fé cristã, sobretudo pelo crescimento demográfico de comunidades que professavam outras religiões, porém, ocupando espaços geográficos de plena dominação católica.
Com efeito, implementou-se, através do sistema jurídico da Igreja, um tribunal voltado ao combate do sectarismo religioso, utilizando-se o (falso)argumento de (des)legitimação da erradicação do crime de heresia para promoção de uma das mais cruéis perseguições humanas da história do mundo.
Estima-se que 150 mil pessoas tenham sido sumariamente julgadas por aqueles tribunais, com incontáveis mortes, torturas e, aos que sobreviviam, reservava-se a estigmatização, invariavelmente humilhante, por vezes as execuções eram substituídas pelo ato de efígie (queimava-se um boneco de palha no lugar da pessoa, em praça pública, para o sobrevivente suportar a humilhação em vida).
Em tempos remotos, sem meios ou veículos de comunicação, talvez fosse a forma de propagar a desonra e perpetuar a dor da execração ao acusado sobrevivente, posto que a instantaneidade da morte não permitiria, ao julgador/executor perverso, assistir ao executado conviver com a infâmia.
Para guardar dados históricos e estatísticos, Jean-Pierre Dedieu estudou os registros do tribunal de Toledo, que levou 12 mil pessoas a julgamento.
Para o período anterior a 1530, Henry Kamen estimou que houve cerca de duas mil execuções sumárias em todos os tribunais da Espanha.
Falando do nosso país, que não passou incólume a esse massacre, os tribunais eclesiásticos atuaram no estado de Minas Gerais entre 1700 e 1820, onde aconteceram 989 denúncias nas comarcas de Rio das Mortes, Rio das Velhas, Serro do Frio e na de Vila Rica.
Esse tempo já vai longe, desde o início da santa inquisição lá se vão mais de 800 anos, mas a história ensina, para o bem e para o mal.
Ontem, ao assistir aos noticiários, meus pensamentos se dividiam, ainda que involuntariamente, em verdadeiros "insights", onde tempo e espaço apontavam uma estranha comparação daquele período sombrio acima mencionado e o que se estabeleceu no Brasil contemporâneo.
Invariavelmente as perseguições perpassam por "tribunais", aqui considerados em sentido amplo, podendo-se conceber a figura do magistrado como a personificação da instituição.
Elege-se o crime que, hodiernamente, mais aflige e causa indignação à sociedade (nessa leitura, substituímos o crime de heresia pela corrupção), como forma de cooptar a aprovação coletiva.
Utiliza-se a estrutura do sistema de justiça como falso argumento de legitimação das barbáries, afinal, não pode ser injusto o que nasce da própria justiça.
Nestas cruzadas (a histórica ou a recente), emprega-se a alegoria do mito ou herói, leia-se, a personificação da salvação pelas mãos de alguém elevado ao plano indefectível.
A narrativa épica sobre os trabalhos de um "herói" tendem a criar uma linguagem poética, de caráter aproximativo entre a criatura e a divindade, dando ares de "deus" ao personagem, que assimila o discurso massificado e internaliza a falsa condição divina.
Em tempos de "endeusamento" de uns e degredo moral de outros, coube à mídia (imprensa) exercer o papel de construtora de efígies, já que "Torquemada" se veste de preto, seja pela toga, pelo uniforme ninja federal ou pelos ternos (des)alinhados em dia de apresentações "PowerPointianas"., enquanto o papel da Santa Igreja foi assumido e reinterpretado pelo tribunal da mídia.
Não basta ao circo a piada do palhaço, há que haver tragédia.
A efígie moderna consiste em lançar nomes e rostos, meramente investigados, à execração nacional, como se o tribunal estivesse estabelecido no Jornal Nacional.
As matérias apresentam estruturas de julgamento, cada vez mais (mal)assessoradas do ponto de vista processual penal, mas, indiscutivelmente, tendentes à "formação da culpa" em horário nobre.
Começam esmiuçando a investigação (com todas as suas nuances, mesmo quando em segredo, no mais das vezes não alcançados por advogados de defesa), ato contínuo entrevistam a acusação, que despeja conteúdo acusatório (mesmo em fase pré-processual), vociferando discursos de ódio e pseudo-salvação, em seguida colacionam incontáveis situações descontextualizadas, como se provas fossem, dando prosseguimento à esquizofrênica instrução criminal "Nacional", para, ao final, como em um ato de misericórdia procedimental, mencionarem que "as defesas "x", "y" e "z" não foram encontradas ou "não quiseram se manifestar", numa espécie de versão caridosa das alegações finais desse asqueroso tribunal inquisitório estruturado pela mídia, e largamente aplaudido pela sociedade, essa mesma, que desde sempre deleitou-se ao ver seu semelhante lançado aos leões.
As sentenças de mídia produzem efeitos "en nunc" e "ad eternum", ou os donos da Escola Base foram desagravados na mesma proporção em que foram"queimados vivos "??
Enquanto espectador, onde você está nessa história?
Faz parte do tribunal?
É mais um sádico cruel que aplaude a desgraça alheia? (amanhã é você).
É apenas um espectador alienado que aplaude a piada do churrasco de papelão?
Ou se porta como um cidadão com senso crítico mínimo a não sucumbir a tanta manipulação?
Seus ascendentes já foram "Fiscais do Sarney", você já foi "Auxiliar de Caçador de Marajá", quem construiu aqueles mitos te fez apedrejar o próprio "chefe dos caçadores de marajás", te levou a enxergar a verdadeira face do clã Sarney, enfim, paremos de nos comportar feito uma manada de elefantes acéfalos.
Os heróis, hoje, precisam de roupagens institucionais, mas o objetivo é o mesmo de sempre, desde a outra inquisição, exercer o bom e velho poder, julgando de forma sumária e seletiva os que ousam se opor, para prender e desmoralizar (aqui se revela o direito penal como instrumento do mal, nas mãos de alguns).
Lava Jato, Carne Fraca e tantas outras investigações/operações devem seguir seus cursos, apurar fatos, nos termos da lei, sem que, com isso, a mídia inaugure um reality show processual penal, onde ela própria se encarregue da produção de "provas", eleja seletivamente os réus e, ao final, condene pública e eternamente os "heréges" da vez.
Aplaudam, até que a "inquisição" bata à sua porta, tendo à frente um japonês desmoralizado, e te "queime vivo", como membro da perigosa "máfia dos que "tomam cerveja nos finais de semana", ou por sua participação na "quadrilha dos idiotas úteis que assistem ao Fantástico no domingo".
Neste momento, você entenderá que não faltarão pessoas a aplaudir sua condenação, exatamente como você faz hoje, pelo simples fato de odiarem cerveja ou não assistirem ao Fantástico.
Essa é a nova inquisição !
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