QUI, 10/11/2016 - 16:30
Após seis anos de processo, Ministério Público não conseguiu comprovar nenhuma das acusações feitas contra Vaccari, nem que a Bancoop financiava o PT. Juíza absolveu os réus apontando que “ilações” não superam provas
Em 19 de outubro de 2010, Veja publicou, a menos de 15 dias do segundo turno eleitoral entre José Serra e Dilma Rousseff, que o promotor José Carlos Blat, do Ministério Público de São Paulo, enviara à Justiça um pedido para processar João Vaccari Neto e outras cinco pessoas envolvidas no caso Bancoop.
A cooperativa de crédito habitacional para bancários teria lesado, de acordo com a denúncia, mais de 3 mil mutuários que não receberam os imóveis. A causa era da ordem de R$ 170 milhões. O motivo do prejuízo? Um suposto esquema de desvio de recursos que serviria ao enriquecimento pessoal dos dirigentes da Bancoop e ao financiamento das campanhas petistas, apontou Veja.
Blat, que tocava o inquérito sobre o caso desde 2007, decidiu anunciar o envio à Justiça numa sessão da CPI da Bancoop, da Assembleia Legislativa de São Paulo, presidida, à época, por um deputado do PSDB. A bancada petista na Casa tentou evitar que a exposição de Vaccari fosse prejudicial à campanha de Dilma. A defesa do ex-tesoureiro, hoje implicado nas mãos de Sergio Moro em função da Lava Jato, classificou o processo como uma operação "boca de urna", feita sob medida para atingir o PT às vésperas da eleição presidencial.
A sentença do processo saiu no último dia 8, assinada pela juíza Cristiana Ribeiro Leite Balbone Costa, da 5ª Vara Criminal de São Paulo. Em pouco mais de 70 páginas, ela absolveu Vaccari e os demais réus de todos os crimes imputados: lavagem de dinheiro, estelionato, falsidade ideológica e formação de quadrilha. Supostos crimes que estamparam páginas de jornais e revistas, alimentando mais um caso de "trial by media".
A magistrada observou que, “ao cabo de seis anos de instrução e diante do imane volume de documentos produzidos”, o que o Ministério Público levou a julgamento foi uma acusação confusa, frágil e carente de provas.
“Sustenta o Ministério Público que o que sucedeu foi a instauração de verdadeira ‘organização criminosa’ na Bancoop, que passou a ser utilizada por seus dirigentes unicamente para o desvio de recursos dos cooperados em benefício próprio e de outrem, insinuando ainda a acusação e chegando mesmo a afirmar que as vantagens indevidas obtidas pelos réus destinaram-se a fomentar campanhas políticas”, relatou a magistrada.
“Ocorre que o Direito Penal não se compraz com conjecturas ou suposições, mas tem por princípio a legalidade estrita, não sendo assim possível admitir que ilações ou estimativas se sobreponham à prova dos autos”, afirmou.
“Se desvio de recursos houve, mediante tais práticas, estes não restaram demonstrados nos autos. (...) De fato, para além de insinuar que tais valores supostamente desviados tenham sido destinados a fomentar campanhas políticas, a Acusação não demonstrou a destinação de tais recursos que alega terem sido ‘desviados’ da Cooperativa pelos acusados, não havendo sequer demonstração de que, efetivamente, eventuais vantagens econômicas indevidas tenham sido obtidas pelos acusados ou por terceiros”, sentenciou.
A FÓRMULA 1
Dentre as inúmeras falhas e artimanhas do MP neste processo – como apresentar dados conflitantes sobre qual seria o montante desviado da Bancoop; acusar Vaccari por fatos que ocorreram antes de sua entrada na cooperativa; deixar de denunciar Ricardo Berzoini, à época com foro privilegiado, só para que evitar que a ação não fosse para o Supremo Tribunal Federal; e usar dados de um laboratório especializado em lavagem com erros crassos - a juíza Cristina Ribeiro atacou, ao analisar a imputação de estelionato, o argumento de que os réus descontavam cheques nominais na boca de caixas de bancos, dificultando o rastreamento dos recursos supostamente desviados.
Segundo ela, o MP sequer conseguiu apontar a materialidade dessa tese. Na denúncia mesmo, só usou dois cheques emitidos pela Bancoop, em outubro de 2004 e janeiro de 2005, nos valores de R$ 50 mil e 55 mil, assinados por Luiz Malheiro e Tomas Fraga (ex-dirigentes da Cooperativa) em um caso, e Tomas e Vaccari em outro, depositados na conta de um hotel. O MP alardeou o fato como desvio de verba para pagar o luxo da estadia para os grandes prêmios de Fórmula 1.
“É mesmo curioso que um cheque de uma Cooperativa tenha sido usado para pagamento de estadia em hotel. Contudo, a Acusação não indicou nos autos de onde tirou a conclusão de que estes dois cheques serviram para pagar hospedagens nos Grandes Prêmios de Fórmula 1 de 2004 e 2005. Aliás, esta alegação da Acusação conflita com a própria data em que o segundo cheque foi pago, em 19 de janeiro de 2005, enquanto a corrida somente ocorreu em 25/09/2005”, disse.
“Ou seja, o Juízo desconhece de onde a Acusação tirou a conclusão de que este cheque pagou hospedagem para espectadores dos Grandes Prêmios e tampouco consta, na fase de instrução, qualquer demonstração de quem seriam os beneficiários de tais hospedagens”, concluiu.
Para ela, se “provada a efetiva utilização fraudulenta destes únicos dois cheques concretamente indicados pela Acusação, poder-se-ia ter delito patrimonial diverso, pelo qual os réus não foram denunciados. Tudo para sequer mencionar que as cifras tratadas nos dois cheques em muito se distanciam dos montantes apontados na denúncia [que chegam a R$ 170 milhões, que é a soma do valor de vários empreendimentos, como se investir nos imóveis fosse o prejuízo]”.
Ainda de acordo com a magistrada, inúmeros cheques levantados pelo MP foram analisados e boa parte deles serviu à defesa, que sustentou que foram usados para pagar serviços contratados pela cooperativa, comprovadamente prestados.
Ao analisar as acusações sobre estelionato, que concentram os argumentos do MP de que Vaccari e outros teriam desviado dinheiro para enriquecimento pessoal e financiamento do PT, a juíza considerou que era “impositiva a absolvição dos acusados”.
Mas “não por estar o Juízo convencido de que não ocorreram, em absoluto, práticas ilícitas no bojo da administração da cooperativa, mas sim por não estarem demonstradas nos autos as imputações tais quais feitas na denúncia”, ressalvou.
O SUPERFATURAMENTO
Ao longo de sua decisão, a juíza Cristiana Ribeiro Leite Balbone Costa apontou o que poderia ter sido o real objeto de acusação do Ministério Público. Mas Vaccari não estaria na lista de acusados.
Ela viu “desinteresse” do Ministério Público em denunciar o verdadeiro crime identificado pelo Juízo na análise dos autos do caso Bancoop: o de que houve pagamento de propina, sim, mas a uma diretoria que antecedeu Vaccari, com o agravante de que os cabeças do esquema estão mortos e que não há como afirmar que o ex-tesoureiro do PT sabia ou tirou vantagem das ilicitudes.
“(...) vem mesmo a demonstrar a ocorrência de fraudes o depoimento do empreiteiro Valter Amaro, que emitia notas em valores superiores aos que lhe eram devidos, recebia tal montante e, em seguida, depositava boa parcela na conta de Helio Malheiro, irmão do então presidente [da Bancoop] Luiz Malheiro que, segundo a testemunha, era quem determinava tal procedimento espúrio.”
“(...) o que se demonstra aqui é a possível existência de condutas criminosas diversas daquelas descritas na denúncia [do MP contra Vaccari], em valores muito inferiores aos mencionados pela Acusação e, principalmente, cuja autoria somente se demonstra em relação ao próprio Luiz Malheiro.”
“Portanto, os únicos indícios concretos de desvios de recursos através de cheques sacados vêm através de pagamentos feitos pela Germany (custeados, indiretamente, pela BANCOOP), mas, se aqui há evidências de materialidade de delitos (diversos daqueles denunciados), não há nenhuma prova segura em que se possa fundamentar a responsabilidade de qualquer dos denunciados por tais desvios, ao contrário: as provas da própria Acusação apontam, diretamente, para os falecidos dirigentes da Bancoop, sem nenhuma menção a atos concretos que possibilitem identificar a participação dos acusados naquelas movimentações suspeitas.”
A juíza também apontou que o MP fez uso de uma testemunha mantida em sigilo, e sublinhou que informações repassadas aos promotores devem servir de base para conduzir as investigações, pois não superam a necessidade de provas que corroborem o que é delatado.
A sentença está em anexo.
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