Não ia falar sobre isso, porque o grito de revolta já ecoou pelos ares e o meu a princípio, pensei ser desnecessário.
Você foi meu professor no curso de direito, brincamos alguns carnavais e simplesmente, não consegui escrever tamanha a tristeza que me tomou. Não de súbito, mas em gotas, minuto a minuto, há quatro dias.
Da disputa presidencial que fez amigos e parentes se estranharem por conta de declarações nas redes sociais não escapamos, rompemos o convívio social. Não deu pra estabelecer um diálogo com civilidade por sua postura sempre muito conservadora que restou intolerante.
Deixei pra lá, afinal, em campanha todos se excedem, pensei.
Quando recebi o áudio denúncia em que você chamou a advogada e mestra em Direito pela Universidade de Brasília (UnB) e pesquisadora da Anis – Instituto de Bioética, Sinara Gumiere, de vagabunda, senti uma faca atravessar meu coração, aberto a todos independentemente de posições ideológicas.
“Aquela vagabunda, entendeu? Defensora de aborto, de gênero. Vagabunda. Mande pra ela me processar, que eu provo que ela é.”
Isso foi dito só, repito, só porque você resolveu censurar numa sala de aula a advogada que havia dado uma palestra com o tema: “Por que é preciso falar de gênero no Direito?”, como atividade extraclasse.
Uma estudante gravou um áudio de 15 minutos da conversa em sala de aula, porque você pediu, o que revela a consciência plena do ato machista, homofóbico, autoritário, motivado por um ódio descomunal ao PT e aos demais partidos de esquerda que defendem causas que você despreza.
E não adianta dizer agora que se referia só a “esquerdopatas”, porque não sou filiada a nenhum partido, mas milito ativamente contra a homofobia, pela liberdade de expressão e a favor de qualquer um que esteja sob a mira desta onda conservadora abominável.
Você sabe…
Discutimos muito sobre movimentos sociais criminalizados pela mídia, pelo estado e pela extrema-direita. Foi um alívio pra mim e certamente pra você, o rompimento virtual.
Mas, chegou a hora do te avisei.
Não foi uma, nem duas, mas várias vezes em que o alertei sobre declarações incompatíveis com a advocacia e com a missão docente.
Neste episódio dramático, você usou palavras como “bostinha” e “cocô” para demonstrar inconformismo com a palestrante.
A estudante que lhe encarou corajosamente com um equilíbrio exemplar, agiu como eu não conseguiria e por isso, me senti representada e adiei esse desabafo.
Mas, não dá pra calar, pois seria renunciar à minha capacidade de indignação.
Essa jovem é a cara do novo tempo, “apesar dos perigos, da força mais bruta, da noite que assusta”.
O tempo em que sua mentalidade estacionou não volta, “estamos crescidos, estamos atentos, estamos mais vivos pra nos socorrer.”
É inútil, felizmente, lutar contra essa sociedade amadurecida, contra essa juventude que resiste bravamente nas salas de aula para que não haja mesmo um partido impondo limites à liberdade de opinião.
É claro que você tem o direito de pensar o que quiser sobre direitos fundamentais, mas como professor universitário, de curso de direito, não pode querer fazer prevalecer sua opinião.
Esse linguajar chulo, as ofensas graves à honra da advogada, a tentativa tresloucada de calar a estudante que contra argumentava, são simplesmente inadmissíveis.
Foi com você que aprendi o que significa calúnia, injúria e difamação, mas à época o país não estava tomado por essa pandemia de preconceito e ódio partidário e de você extrai só conhecimento. Foi um professor bem humorado, do tipo que dá gosto de em assistir as aulas.
Pelo que conheci de bom em você, peço que se desculpe.
Todas as críticas que tem recebido são justas e necessárias, o que de tá só como opção, a humildade de reconhecer o erro.
Apague, reescreva a lição.
0 Comentários
Os comentários são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam a opinião do BVO - Blog Verdades Ocultas. Se achar algo que viole os termos de uso, denuncie. Leia os termos de uso do Blog Verdades Ocultas para saber o que é impróprio ou ilegal.