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O direito a ser julgado por um juiz imparcial é um princípio democrático tão importante quanto a presunção da inocência e o direito à ampla defesa. Quem é privado do julgamento justo por juiz imparcial está sendo despojado do preceito democrático fundamental: todos são iguais perante a lei. Em um Estado Democrático de Direito, o cerne de qualquer processo idôneo e justo reside no princípio da imparcialidade do juiz, que consiste em um posicionamento neutro e equidistante. Todos os documentos jurídicos internacionais sobre direitos humanos consagram tal princípio.
Esta é base doutrinária do pedido apresentado pela defesa do ex-presidente Lula para que ele não seja julgado pelo juiz Sergio Moro, por ter ele demonstrado mais de uma vez que tem juízos pré-concebidos sobre suposta culpa do ex-presidente em casos como a propriedade de um apartamento e de um sítio que Lula nega possuir. O apartamento ele sustenta que tentou comprar e desistiu. O sítio está escriturado em nome do sócio e de um filho de seu amigo Jacob Bittar, que o ofereceu como refúgio de lazer ao ex-companheiro de lutas sindicais.
As indicações apontadas de suposta parcialidade de Moro são o fato de ele ter determinado uma desnecessária (e para muitos juristas abusiva) condução coercitiva de Lula, a divulgação do teor de um grampo realizado de forma ilegal (após encerrado o prazo da escuta autorizada), envolvendo a presidente da República e familiares de Lula que não são alvo de investigação, e o fato ter afirmado dezenas de vezes, em documentos oficiais, que Lula tentou obstruir a Justiça, um pressuposto e não uma verdade demonstrada pelo grampo vazado.
Sobre o direito ao juiz imparcial, vale conhecer o que diz a respeito o jurista paranaense César Ramos da Costa, em seu artigo “A imparcialidade objetiva do juiz no processo penal brasileiro e a exceção de suspeição”. Exceção de suspeição é a figura jurídica que está sendo invocada pela defesa de Lula para pedir que ele não seja julgado por Moro. Diz o jurista:
“Esse direito (de ser julgado por juiz imparcial), de tão relevante e caro às civilizações democráticas, está consagrado em todos os documentos jurídicos internacionais que versam sobre direitos humanos, especialmente a Declaração Universal dos Direitos Humanos/1948 e a Convenção Americana de Direitos Humanos/1969 (PACTO DE SAN JOSÉ DA COSTA RICA).
Nesse particular, a Declaração Universal dos Direitos Humanos/1948, em seu artigo 10, preconiza:
“Toda pessoa tem direito, em plena igualdade, a uma audiência justa e pública por parte de um tribunal independente e imparcial, para decidir de seus direitos e deveres ou do fundamento de qualquer acusação criminal contra ele”.
E, sendo signatário do Pacto de San José da Costa Rica – que foi incorporado ao ordenamento jurídico brasileiro pelo Decreto no. 678, de 06/11/92 e que tem status de supralegalidade, conforme entendimento do STF (cf. precedentes: HC 87585 e RE 466343) -, o Brasil obrigou-se, via Poder Judiciário, a garantir a todas as pessoas o direito de ser julgado por juiz imparcial, nos termos do que dispõe o art. 8º, 1, do referido Pacto, in verbis:
“Artigo 8º - Garantias judiciais:
1. Toda pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou Tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza” (grifamos).
Nessa conjuntura jurídica, a questão do prejulgamento e de situações como a do juiz que determinou a apuração de infração penal contra o réu a quem irá julgar não podem deixar de ser vistas como consubstanciadoras da falta de imparcialidade objetiva; não podem deixar de ser vistas como violadoras das garantias individuais; não podem deixar de ser encaradas como desrespeitosas à dignidade da pessoa humana; enfim, não podem deixar de ser concebidas como ensejadoras da exceção de suspeição do juiz. “
O que Ramos está dizendo é que, quando o juiz manda investigar o suspeito que irá julgar, não deixa de estar infringindo a exigência de imparcialidade objetiva. As medidas contra Lula, determinadas ou autorizadas por Moro, se enquadrariam no que Ramos aponta como “consubstanciadoras da falta de imparcialidade objetiva”.
A vara de Moro declarou ontem, através de comunicado, que ele só se manifestará nos autos sobre a iniciativa da defesa de Lula. A decisão, que pode acabar chegando ao STF, será certamente uma das mais polêmicas, complexas e importantes de todo o processo decorrente da Operação Lava Jato.
A reverência do STF a Moro aos poucos vem se quebrando. Quebrou-se, principalmente, a partir da condução coercitiva e do vazamento da conversa Lula-Dilma. O ministro Teori Zavascki repreendeu nos autos o juiz de Curitiba ao censurar invasão de competências que são do STF em relação a pessoas com foro especial. E ao devolver a Moro os processos contra Lula, após a cassação do senador Delcídio Amaral, não enviou para Curitiba, e sim para a vara de Brasília da Justiça Federal, o inquérito sobre suposta obstrução da Justiça envolvendo o ex-senador e o ex-presidente (em tentativa de evitar a delação premiada de Nestor Cerveró). Os inquéritos relacionados com o apartamento e o sítio, sim, voltaram para a vara de Moro.
Falando ontem em seminário internacional, no "Brazil Institute" do Wilson Center, o ministro Dias Toffoli afirmou que Moro está fazendo um bom trabalho mas que não tem, sozinho, o mérito pelos avanços brasileiros no combate à corrupção.
— Não é um juiz sozinho que está mudando a história do Brasil, quem está mudando a história do Brasil é a sociedade civil — disse ele, lembrando também as leis aprovadas sobre o tema nos últimos anos.
Moro, diferentemente do que fez o desembargador Ivan Athié, que depois de um questionamento do Ministério Público, declarou-se suspeito para conduzir o processo contra Fernando Cavendish, dono da Delta com quem teve relações próximas, não deve sentir-se impedido em relação a Lula. Mas a defesa poderá, mais adiante, levar o questionamento ao Supremo.
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