O
governo Temer não enfrenta uma situação normal da democracia, à qual há uma
situação e uma oposição. Não se trata nem de o PT 'qualificar' uma parcela
(apenas!) da oposição atual, no sentido de se vê-lo 'aguerrido' como oposição.
Este traço é possível a qualquer partido político. Mais, deveria ser desejável
a todos. E a toda a sociedade. Talvez assim o Brasil tivesse outra cara,
ciclovias não desabassem; metrôs e estádios de futebol não tivessem valores
obscenos; um governo Temer não pagasse a fatura do golpe de aumentar em 58
bilhões a festa canalha dos salários das 'autoridades' públicas num Brasil
endividado etc.
Numa
'contabilidade' de quem considera o momento atual um 'golpe' e quem não
considera, abstraia-se o Partido dos Trabalhadores da equação. Isso mesmo,
pense na questão de quem defende ter havido um golpe, sem (!) o PT. Quando se
faz isso, 'aparecem' pessoas alheias a esse partido de imensa importância
intelectual, acadêmica, política, social afirmando ter havido, sim, um golpe –
perdoe-se o 'palavrão'. Pessoas de dentro e fora do Brasil. Até o papa advertiu
sua preocupação.
Utilizando-se
uma lógica formalista e simplória, do mesmo modo que a rede Globo guia
messianicamente a vida e a ideologia de muitos no país – e se se veem felizes
assim problema deles -, figuras ilustres e ao mesmo tempo estranhas ao PT
poderiam 'servir' como uma instigação intelectual a outro tipo de gente. A quem
tenha uma 'curiosidade' por opiniões abalizadas, análises fundamentadas e
ideias ancoradas em conhecimento e saber.
Essas
tais pessoas abalizadas há indistintamente dentro e fora da política; na
esquerda e na direita. Mas como se quis e se quer o reducionismo de dizer que
quem chama o momento atual de golpe é 'gente do PT', o argumento parece se
sustentar. Talvez pessoas do próprio PT estejam se surpreendendo com vozes
absolutamente estranhas ao partido e jornais pelo o mundo, dizendo que no
Brasil está em curso um golpe.
Talvez
essa 'onda' passe. As pessoas aqui 'parem' de falar em golpe. Ou simplesmente
se cansem. Não se pode esquecer que se trata de brasileiro, uma gente até aqui
adormecida em alguma coisa esplêndida que não se sabe bem ainda o que é.
Quem
achava que o governo Temer iria 'acertar' deve estar morrendo de vergonha. A
hipótese que começou longínqua já se mostra impossível. Não se esqueça do
bordão: 'Dilma não tinha mais condições de governar'. Temer está tendo? A
errância com o primeiro escalão continua homérica.
Uma
diferença é crucial: um governo ruim e um governo ilegítimo. Ruindade é juízo
de valor e aí ache-se o que se quiser de Dilma ou Temer. Mas ao lado dessa
diferença substancial, há uma formal, e muito difícil de ser manejada: a linha
que não deveria ser tênue, neste momento atual, entre golpe e não golpe; entre
existência de crime de responsabilidade e não existência.
O
afastamento de um presidente num regime presidencialista é a afetação jurídica
mais grave que há na Constituição da República. A uma democracia, ao voto e à
sociedade, podendo se tornar gravosa se não estiver muito clara. O impeachment,
já se disse, é constitucional enquanto remédio hiperdrástico. Mas a cada dia
que passa se fala menos nos crimes e mais no famigerado 'conjunto da obra'.
Como se conjunto fosse motivo de impedimento. Não é.
Uma
oposição atual poderá 'migrar', agudizando o discurso, na sua qualidade de
resistência relativamente ao governo Temer, do ruim e errante para o ilegítimo.
O erro num governo cuja legitimidade não se duvida já é péssimo. Mas o erro num
governo atacado até por pessoas insuspeitas, de legitimidade, deixa de ser um
erro, passa a ser uma infâmia democrática.
Não
adiantará Temer pousar de constitucionalista, o que até lhe 'protege' um pouco.
Não adiantará 'falar' em público com traquejo melhor que Dilma. Seu ar de
engomadinho, milimétrico, e racê atende a muitos numa sociedade conservadora.
Mas o Brasil não precisa mais de jaquetões.
O
desastrado ministério, que jurava correção, seriedade e ética até aqui já
revela muito. Principalmente para quem lê as subnarrativas do jogo do poder.
Sempre
sobraram ideologias e 'lados' para todo gosto, direita, esquerda, apolíticos e
eternos surpresos. Essa escolha sempre foi 'legítima' a qualquer um,
abstraindo-se Brecht e a alienação safada dos apolíticos. Mas neste momento de
análise difícil, de golpe sutil travestido de constitucional, observar vozes da
cultura, do saber e de fora do PT pode ser um indicativo muito interessante
sobre a nada sutil tragédia que está sendo este momento brasileiro.
Cada
dia que passa fica mais distante a caracterização de um crime de
responsabilidade praticado por Rousseff. E Temer tem se incumbido disso,
mostrando de sobra que 'governo erra'. Mas ao mesmo tempo, quis-se mudar o
contexto sociológico: sairia o crime de responsabilidade do ato principal e
entraria na narrativa de enfrentamento um possível 'acerto' do governo Temer,
como que gerando uma felicidade social instantânea, dando-se a notar que 'agora
sim tudo está melhor'. Esta hipótese foi para o brejo. Não conseguiu se
sustentar, ante os desastres ministeriais do próprio.
Mesmo
que o Senado 'resolva' que há crime, o problema para a história não será este
resolvimento, mas o tranco democrático que o país já viveu e continua a viver.
O PT segue admitindo que Dilma errou pouco; um erro grosseiro da legenda que parece
não querer se tornar adulta de vez. Mas nada disso justifica a pernada do
impeachment. Mesmo que sob o ponto de vista 'formal', de procedimento, o
Supremo tenha validado.
O
que chamam de golpe cada dia fica mais difícil de ser compreendido, mas cada dia
fica mais fácil. Difícil porque o tempo deveria serenar tudo com seu poder. Mas
mais fácil porque a tentativa de se mostrar um novo Brasil com Temer, falha
diariamente.
Se
o 'tempo' de Dilma era um, o de Temer é outro. O de Temer seria o tempo da 'correção
do erro'. Mas sua sucessão de erros está para lá de grosseira.
Fonte:
brasil247
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