Apurada
pelo Ibope e publicada na coluna de Maurício Dias, na Carta Capital, a
recuperação política de Dilma Rousseff é o principal fato político dos dias
atuais e representa uma virada essencial
na crise.
Mostra
que Dilma está no jogo e que aliados do governo cometeriam um erro político
lamentável caso descartassem a possibilidade de seu retorno à Presidência. As chances são reais, como já
escrevi aqui. Os números do Ibope mostram que se tornaram mais verossímeis.
Embora
se possa, sempre, colocar em dúvida os acertos em pesquisas de opinião, cabe
considerar um dado essencial.
A recuperação da presidente não pode ser
descrita como um inesperado raio em céu azul. É um dado coerente com o conjunto
da situação política. Há meses que a avaliação de Dilma realizar um movimento
de alta, em passos pequenos, mas regulares. Agora, subiu de 18 pontos para 33.
O
ponto essencial envolve a atitude da própria Dilma. Rompendo a postura de
silêncio olímpico que se impôs desde que as denúncias se aproximaram do
Planalto, assumiu a defesa de um mandato legítimo. Abandonou a noção de que
poderia manter-se no cargo apoiada exclusivamente no reconhecimento de sua
honestidade pessoal para entrar na luta política direta, que obedece a outros
critérios e valores, a começar pela relação de forças entre aliados e
adversários.
A nova postura trouxe uma novidade fundamental
ao debate, reforçando o argumento de que a tentativa de impeachment não
envolvia o destino pessoal de uma presidente, nem o futuro do PT, mas ameaçava
uma conquista maior, a democracia.
Realizada pelo Congresso, nstituição que é
vista pelos braileiros como a mais corrupta entre tantas, me parece difícil
negar que os números expressam o reconhecimento do logro, a confirmação do
começo de uma desilusão mais do que compreensível, confirmada pelo ministro
que, em março, ao pronunciar uma afirmação histórica ("Michel é
Cunha") deixou uma gravação que desde a semana passada colocou Michel
Temer em estado de fraqueza precoce.
Apoiando-se em Eduardo Cunha, personagem cujo
desembaraço a população considera um insulto à sua dignidade, Temer e seus
aliados que dirigem o govrno foram além do que seria possível imaginar em
decisões erradas e condenáveis.
A brutal intervenção na EBC, afastando um
diretor presidente com um mandato legal de quatro anos, mostrou-se reveladora
da recusa em aceitar qualquer tipo de
debate democrático, mesmo a partir de uma emissora pública, normalmente
classificada em último lugar nas pesquisas de audiência. Raríssimas vezes em
oito anos de história a EBC recebeu
tanta atenção dos grandes veículos de comunicação, num episódio onde o caráter
autoritário da intervenção do Planalto contra o jornalismo da TV Brasil
dificilmente poderia ser escondido.
Liderando os primeiros protestos contra o
presidente interino, o movimento de mulheres expôs o desprezo do governo
temporário por direitos obtidos na última década e meia, quando questões de gênero receberam um merecido
destaque. Por fim, a equipe econômica mostrou-se incapaz de apontar qualquer
perspectiva para tirar o país de uma crise profunda, comprometendo-se com
medidas clássicas de austeridade que costumam agravar o sofrimento dos mais
pobres e menos protegidos.
Outro aspecto envolve a visão cada vez mais
desconfiada de uma instituição que desde o período da ditadura militar muitos
brasileiros costumam levar em conta em
caso de dúvida -- a imprensa internacional.
Uma verdade
me parece óbvia. Se a maioria da população julgasse o afastamento de
Dilma como um processo legítimo e transparente, com provas robustas e
revelações inquestionáveis, teria aplaudido a decisão dos senadores e só
estaria aguardando que fosse confirmada pela sentença final. Em vez de subir, a
confiança em Dilma, teria se reduzido, traduzindo a aprovação da população,
reconfortada diante do espetáculo de seu afastamento e a posse de Michel Temer.
Neste ambiente, a luta em defesa do mandato de
Dilma ocorre em sob novas condições, mais favoráveis.
Não
vamos nos iludir com os efeitos das pesquisas de opinião sobre o conjunto da
situação política, em particular sobre os movimentos das lideranças que tentam promover uma
ruptura institucional para dar posse a um governo sem legitimidade,
comprometido com um programa que contraria o voto da maioria do eleitorado nas
últimas quatro eleições presidenciais.
É
bom recordar. Às vésperas do 31 de março de 1964, o mesmo Ibope possuía uma
pesquisa que mostrava o amplo apoio popular a João Goulart. Ponto central da luta
política do período, o programa de reformas de base tinha boa aceitação mesmo
em regiões do país que não apoiavam o presidente, como São Paulo. Mas isso não
impediu que os tanques e e baionetas derrubassem um presidente constitucional,
numa época em que os vices eram escolhidos em urna, pelo voto popular.
A
questão é que temos um golpe em dois turnos, no qual o afastamento da
presidente, pelo Senado, precisa ser confirmado numa decisão, por maioria de 2
terços, que deve ser tomada até agosto.
Ao conquistar a confiança de 36% dos brasileiros, patamar tradicional do
Partido dos Trabalhadores antes da chegada de Lula ao Planalto, Dilma deu um
passo importante para recuperar a autoridade política e derrotar um pesadelo
anti-democrático.
A
disputa está longe de resolvida. A maioria democrática dos brasileiros ainda
não deu sua palavra final.
O
Ibope demonstra a crescente dificuldade dos golpistas em impor sua versão ao
país. Como sempre acontece, os números devem dar novo ânimo a resistência, em
particular dos trabalhadores, dos movimentos sociais e da juventude. Este é o
ponto essencial.
Fonte:brasil247
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