ALEX
SOLNIK
Alex
Solnik é jornalista. Já atuou em publicações como Jornal da Tarde, Istoé,
Senhor, Careta, Interview e Manchete. É autor de treze livros, dentre os quais
"Porque não deu certo", "O Cofre do Adhemar", "A
guerra do apagão", "O domador de sonhos" e "Dragonfly"
(lançamento setembro 2016).
A
péssima repercussão da vitória dos corruptos e de seus cúmplices, no Brasil e
no exterior desmoralizou completamente o processo de impeachment.
Importantes
jornais e revistas internacionais, como The Independent, New York Times, Der
Spiegel e outros dividem suas páginas entre a perplexidade e o sarcasmo.
Suas
manchetes destacam que uma gangue de ladrões está julgando uma presidente
honesta, que um corpo de deputados invocando Deus, família e outros argumentos
que não têm nada a ver com a discussão jogou na fogueira a mandatária por
crimes que não existem, transformando o templo da democracia num ringue de box,
na arquibancada de um jogo de futebol ou num sambódromo, abrindo um carnaval
fora de época num momento que exigia seriedade e bom senso porque dele dependia
o presente e o futuro de 200 milhões de brasileiros que participam com sua
força de trabalho da sétima economia do mundo.
No
Brasil, mesmo os que torciam pelo impeachment repudiam o espetáculo grotesco
nas redes sociais e nas conversas de botequim. Os adeptos do sim são
escrachados até nas transmissões esportivas, viraram motivo de deboche e de
zombaria.
Seria
de esperar que essa repercussão – não apoiada pelos principais órgãos de
imprensa do país, cujas manchetes, apesar da oposição de alguns colunistas, vão
na direção oposta, maquiando com as tintas da seriedade um circo de horrores –
sensibilizasse a última instância do Judiciário, habitada, supostamente pela
crème de la créme dos juristas nacionais, versados em vários idiomas, donos de
incontestável saber jurídico, cujo QI é infinitamente superior ao dos deputados
que jogaram o Brasil na vala comum do anedotário mundial.
Há
poucas esperanças, no entanto, a julgar por suas últimas decisões e seu
silêncio, de que o STF dê um basta nessa pornochanchada cujo autor do
argumento, roteiro, direção e produção, apesar de tudo o que representa saiu –
pasmem – fortalecido do episódio.
Ninguém
percebeu, mas Eduardo Cunha assumiu, ontem, o poder do país.
Ao
declarar que não reconhece mais a existência do governo Dilma, mesmo antes de o
Senado se pronunciar – em outras palavras, declarou a presidência vaga,
repetindo Auro Moura Andrade em 1964 - ele confirmou o que a nação já
desconfiava: trata-se de um golpe. O golpe do Cunha.
Cunha
tomou o poder ao declarar não só que não há mais governo Dilma, mas também que
não haverá mais votações na Câmara enquanto o Senado não levar adiante o
impeachment.
Portanto,
quem manda no Senado também é ele, e não Renan Calheiros, guindado à condição
de espectador privilegiado da crônica de um golpe anunciado.
Ao
proclamar que a Câmara não votará mais nada, embora ela continue aberta, Cunha
a fechou, tal como Getúlio fez em 1937, como se vê no magnífico "Imagens
do Estado Novo (1937-1945)", a obra prima de Eduardo Escorel, que, por uma
terrível ou bendita coincidência foi vista em São Paulo na véspera da votação
espúria.
Getúlio
acabou com os partidos sob o pretexto de que seriam os responsáveis pela
instabilidade política e social e decretou a intenção de governar em contato
direto com o povo, que passou a lhe mandar cartas com sugestões sobre os mais
diversos assuntos nacionais. E que eram, naturalmente, engavetadas.
Ao
derrotar o governo por 2/3 da Câmara, Eduardo Cunha também acabou com os
partidos, pois provou que partido algum tem a maioria, quem tem a maioria é
ele. Depois de domingo, diante da fragilidade escancarada do PT, podemos
concluir que há um partido só: o Partido do Cunha.
O
documentário, cuja força reside mais nas imagens do que nas palavras traz à luz
tenebrosos paralelos entre o golpe de Getúlio e o atual.
Tal
como hoje, ele se apoiou numa constituição, por isso ninguém podia acusá-lo de
ilegalidade. A lei, embora elaborada por um serviçal, o jurista Francisco
Campos pavimentou o caminho da ditadura, com total concordância da imprensa.
Nos dias atuais, o STF, que se proclama guardião da constituição nada encontra
nas decisões monocráticas de Cunha que a contrarie. Nem a imprensa de massa.
Tal
como em 1937, Deus e a bandeira nacional são, hoje, elementos fundamentais. O
documentário de Escorel revela que a bandeira foi usada pela primeira vez como
símbolo patriótico pelo Estado Novo. Cenas impressionantes mostram o primeiro
ato da ditadura: uma cerimônia grandiosa, na capital da República, acompanhada
por uma multidão, na qual as bandeiras estaduais foram incineradas, uma a uma,
surgindo em seu lugar, com as bênçãos da Igreja, representada por um arcebispo
e dos artistas, representados por Villa Lobos, que regeu um coro, a gigante e
única bandeira verde-amarela. Bandeirinhas foram agitadas freneticamente pelos
populares sorridentes que, tal como hoje, desconheciam que estavam saudando a
transformação da democracia num regime de força.
Tal
como fez Getúlio com os que se levantaram contra o golpe de 37, Cunha já ameaça
processar deputados que o cobriram de elogios na votação de domingo. Seus fieis
2/3 certamente lhe darão sinal verde.
Tal
como Getúlio, ele usa todos os meios de comunicação a seu favor, inclusive a TV
Câmara. Não passa um dia sem dar entrevistas, ocupando muito mais espaço na
imprensa do que qualquer outro líder, inclusive a presidente da República.
Enganam-se
os que pensam e informam que a seguir do governo Dilma virá o governo Temer.
Não, senhores, virá o governo Cunha. É ele quem vai fornecer – graças à força
que conquistou domingo – a espinha dorsal do governo Temer.
Ou
Temer obedece ou ele o derruba como derrubou Dilma. Não importa que sejam
sócios; o sócio mais poderoso é ele. Foi ele quem deu a vitória a Temer. Temer
é o seu poste.
Ninguém
mais segura Cunha. O STF vai continuar fugindo à responsabilidade, alegando que
a questão de sua cassação é de "interna corporis" e a "interna
corporis", na qual 2/3 lhe pertencem formará fileiras em sua defesa,
esperançosa de, assim como ele, escapar às denúncias que os assolam.
Empossado
formalmente na vice-presidência – mas presidente da República de fato - todos
os malfeitos que mancham sua biografia, aqui e alhures, serão fatos do passado:
quem tem um cargo como ele está prestes a ganhar só pode ser julgado por crimes
praticados no seu mandato.
Além
disso, também graças aos 2/3 da Câmara é ele quem vai eleger o próximo presidente
da Casa, ampliando mais ainda seu poder.
É
dele e não do povo brasileiro que, a partir de ontem, emana todo o poder.
Fonte:
brasil247
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