Ato na Rede Globo. Cinquenta anos de manipulação. São Paulo, 26 de abril, de 2015. Foto: Roberto Parizotti. |
Postado por Agência PT, em 23 de abril de 2016 às 17:26:43
“A
razão real que os inimigos de Dilma Rousseff querem seu impeachment” apresenta
os interesses ocultos ao golpe, como os do setor midiático
A
publicação de um artigo de David Miranda no jornal britânico “The Guardian”
provocou forte reação das Organizações Globo. Por meio de seu vice-presidente,
João Roberto Marinho, o grupo Globo insistiu para que o jornal publicasse uma
resposta ao texto, dizendo que jamais houve apoio ao processo de impeachment
contra a presidenta, Dilma Rousseff.
No
entanto, o jornal O Globo publicou dois textos que desmentem Marinho, os
editoriais intitulados “O impeachment é uma saída institucional da crise” e
“Tempo no impeachment corre contra o país”.
Em
seu texto “A razão real que os inimigos de Dilma Rousseff querem seu
impeachment”, Miranda apresenta ao mundo os interesses que estão por trás do
golpe em curso no Brasil. Entre eles, o da mídia, setor extremamente concentrado
no país.
“A
maioria dos grandes grupos de mídia atuais (…) apoiou o golpe militar de 1964
que trouxe duas décadas de uma ditadura de direita e enriqueceu ainda mais as
oligarquias do país”, escreveu Miranda. “Essas corporações – lideradas pelos múltiplos
braços midiáticos das Organizações Globo – anunciaram o golpe como um ataque
nobre à corrupção de um governo progressista democraticamente eleito. Soa
familiar?”
Leia
a seguir a íntegra do artigo que enfureceu a família Marinho da Rede Globo:
David
Miranda
A
história da crise política no Brasil, e a mudança rápida da perspectiva global
em torno dela, começa pela sua mídia nacional. A imprensa e as emissoras de TV
dominantes no país estão nas mãos de um pequeno grupo de famílias, entre as
mais ricas do Brasil, e são claramente conservadoras. Por décadas, esses meios
de comunicação têm sido usados em favor dos ricos brasileiros, assegurando que
a grande desigualdade social (e a irregularidade política que a causa)
permanecesse a mesma.
Aliás,
a maioria dos grandes grupos de mídia atuais – que aparentam ser respeitáveis
para quem é de fora – apoiaram o golpe militar de 1964 que trouxe duas décadas
de uma ditadura de direita e enriqueceu ainda mais as oligarquias do país. Esse
evento histórico chave ainda joga uma sombra sobre a identidade e política do
país. Essas corporações – lideradas pelos múltiplos braços midiáticos das
Organizações Globo – anunciaram o golpe como um ataque nobre à corrupção de um
governo progressista democraticamente eleito. Soa familiar?
Por
um ano, esses mesmos grupos midiáticos têm vendido uma narrativa atraente: uma
população insatisfeita, impulsionada pela fúria contra um governo corrupto, se
organiza e demanda a derrubada da primeira presidente mulher do Brasil, Dilma
Rousseff, e do Partido dos Trabalhadores (PT). O mundo viu inúmeras imagens de
grandes multidões protestando nas ruas, uma visão sempre inspiradora.
Mas
o que muitos fora do Brasil não viram foi que a mídia plutocrática do país
gastou meses incitando esses protestos (enquanto pretendia apenas “cobri-los”).
Os manifestantes não representavam nem de longe a população do Brasil. Ao
contrário, eles eram desproporcionalmente brancos e ricos: as mesmas pessoas
que se opuseram ao PT e seus programas de combate à pobreza por duas décadas.
Aos
poucos, o resto do mundo começou a ver além da caricatura simples e
bidimensional criada pela imprensa local, e a reconhecer quem obterá o poder
uma vez que Rousseff seja derrubada. Agora tornou-se claro que a corrupção não
é a razão de todo o esforço para retirar do cargo a presidente reeleita do
Brasil; na verdade, a corrupção é apenas o pretexto.
O
partido de Dilma, de centro-esquerda, conseguiu a presidência pela primeira vez
em 2002, quando seu antecessor, Lula da Silva, obteve uma vitória espetacular.
Graças a sua popularidade e carisma, e reforçada pela grande expansão econômica
do Brasil durante seu mandato na presidência, o PT ganhou quatro eleições presidenciais
seguidas – incluindo a vitória de Dilma em 2010 e, apenas 18 meses atrás, sua
reeleição com 54 milhões de votos.
A
elite do país e seus grupos midiáticos fracassaram, várias vezes, em seus
esforços para derrotar o partido nas urnas. Mas plutocratas não são conhecidos
por aceitarem a derrota de forma gentil, ou por jogarem de acordo com as
regras. O que foram incapazes de conseguir democraticamente, eles agora estão
tentando alcançar de maneira antidemocrática: agrupando uma mistura bizarra de políticos
– evangélicos extremistas, apoiadores da extrema direita que defendem a volta
do regime militar, figuras dos bastidores sem ideologia alguma – para
simplesmente derrubarem ela do cargo.
Inclusive,
aqueles liderando a campanha pelo impeachment dela e os que estão na linha
sucessória do poder – principalmente o inelegível Presidente da Câmara Eduardo
Cunha – estão bem mais envolvidos em escândalos de corrupção do que ela. Cunha
foi pego ano passado com milhões de dólares de subornos em contas secretas na
Suíça, logo depois de ter mentido ao negar no Congresso que tivesse contas no
exterior. Cunha também aparece no Panamá Papers, com provas de que agiu para
esconder seus milhões ilícitos em paraísos fiscais para não ser detectado e
evitar responsabilidades fiscais.
É
impossível marchar de forma convincente atrás de um banner de “contra a
corrupção” e “democracia” quando simultaneamente se trabalha para instalar no
poder algumas das figuras políticas mais corruptas e antipáticas do país.
Palavras não podem descrever o surrealismo de assistir a votação no Congresso
do pedido de impeachment para o Senado, enquanto um membro evidentemente
corrupto após o outro se endereçava a Cunha, proclamando com uma expressão
séria que votavam pela remoção de Dilma por causa da raiva que sentiam da
corrupção.
Como
o The Guardian reportou: “Sim, votou Paulo Maluf, que está na lista vermelha da
Interpol por conspiração. Sim, votou Nilton Capixaba, que é acusado de lavagem
de dinheiro. ‘Pelo amor de Deus, sim!’ declarou Silas Câmara, que está sob
investigação por forjar documentos e por desvio de dinheiro público.”
Mas
esses políticos abusaram da situação. Nem os mais poderosos do Brasil podem
convencer o mundo de que o impeachment de Dilma é sobre combater a corrupção –
seu esquema iria dar mais poder a políticos cujos escândalos próprios
destruiriam qualquer carreira em uma democracia saudável.
Um
artigo do New York Times da semana passada reportou que “60% dos 594 membros do
Congresso brasileiro” – aqueles votando para a cassação de Dilma- “enfrentam
sérias acusações como suborno, fraude eleitoral, desmatamento ilegal, sequestro
e homicídio”. Por contraste, disse o artigo, Rousseff “é uma espécie rara entre
as principais figuras políticas do Brasil: Ela não foi acusada de roubar para
si mesma”.
O
chocante espetáculo da Câmara dos Deputados televisionado domingo passado
recebeu atenção mundial devido a algumas repulsivas (e reveladoras) afirmações
dos defensores do impeachment. Um deles, o proeminente congressista de direita
Jair Bolsonaro – que muitos esperam que concorra à presidência e em pesquisas
recentes é o candidato líder entre os brasileiros mais ricos – disse que estava
votando em homenagem a um coronel que violou os direitos humanos durante a
ditadura militar e que foi um dos torturadores responsáveis por Dilma. Seu
filho, Eduardo, orgulhosamente dedicou o voto aos “militares de 64” – aqueles
que lideraram o golpe.
Até
agora, os brasileiros têm direcionando sua atenção exclusivamente para
Rousseff, que está profundamente impopular devido à grave recessão atual do
país. Ninguém sabe como os brasileiros, especialmente as classes mais pobres e
trabalhadoras, irão reagir quando virem seu novo chefe de estado
recém-instalado: um vice-presidente pró-negócios, sem identidade e manchado de
corrupção que, segundo as pesquisas mostram, a maioria dos brasileiros também
querem que seja cassado.
O
mais instável de tudo é que muitos – incluindo os promotores e investigadores
que tem promovido a varredura da corrupção – temem que o real plano por trás do
impeachment de Rousseff é botar um fim nas investigações em andamento, assim
protegendo a corrupção, invés de puni-la. Há um risco real de que uma vez que
ela seja cassada, a mídia brasileira não irá mais se focar na corrupção, o
interesse público irá se desmanchar, e as novas facções de Brasília no poder
estarão hábeis para explorar o apoio da maioria do Congresso para paralisar as
investigações e se protegerem.
Por
fim, as elites políticas e a mídia do Brasil têm brincado com os mecanismos da
democracia. Isso é um jogo imprevisível e perigoso para se jogar em qualquer
lugar, porém mais ainda em uma democracia tão jovem com uma história recente de
instabilidade política e tirania, e onde milhões estão furiosos com a crise
econômica que enfrentam.”
Da Redação da Agência PT de Notícias
Fonte:
pt
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