Da
legenda que outrora reunia nomes de peso da política nacional como Jamil
Haddad, Miguel Arraes, Cristina Tavares, João Mangabeira, entre outros, resta
muito pouco além do nome e símbolo. Hoje tomado por políticos que circulam
entre o popular e o populista, o PSB há muito perdeu seu contato com a essência
do Socialismo. Legenda de aluguel para alguns mais críticos, o partido aderiu
ao golpe contra a presidenta Dilma Rousseff posicionando-se ao lado daquilo que
historicamente o tornava uma distinção própria da direita: o fisiologismo, a
corrupção e o elitismo político.
Na
Câmara dos Deputados, no último domingo, os parlamentares socialistas, com
honrosas exceções, deram as mãos a Eduardo Cunha, um político conservador,
fanático religioso que responde a pelo menos cinco ações e inquéritos judiciais
e criminais. Seguem o receituário de Michel Temer, o vice em quem colou a
imagem da traição, e defendem abertamente cooperação na sua chegada ao poder
pela porta dos fundos. Guiados por Romário, um jogador de futebol que se
aventurou na política, e outros parlamentares menos cotados, o PSB é um reflexo
debochado do que imaginou encarnar um dia.
Em
uma carta, líderes jovens do partido, que acreditaram nos princípios teóricos
da legenda, anunciam seu afastamento e revelam o motivo. Um triste fim para uma
legenda que um dia se imaginou Socialista - na defesa dos pobres e mais
necessitados.
Abaixo
a carta:
Carta
à militância do Partido Socialista Brasileiro
Prezados
companheiros e companheiras,
Apresentamo-nos
pela última vez como militantes do Partido Socialista Brasileiro, agremiação na
qual sempre militamos com imensa dedicação e que, pela sua história e ideais,
nos foi durante muito tempo motivo de profundo orgulho. Nós, socialistas por
convicção e experiência, procuramos o Partido Socialista Brasileiro como espaço
de militância porque sabíamos da sua trajetória firme e coerente, e conhecíamos
suas figuras mais emblemáticas. Sua fundação em 1947, protagonizada por João
Mangabeira, representou um marco para a esquerda democrática do país, ao romper
com o stalinismo soviético e propor a luta por uma nova sociedade pautada sob
princípios democráticos e igualitários. Já na redemocratização do país, figuras
como Jamil Haddad e Roberto Amaral foram de importância ímpar num momento em
que o PSB se refundava e tinha destacado papel à esquerda no processo da
Constituinte.
Alguns
anos mais tarde, o Partido teria ainda Miguel Arraes como grande liderança,
lutador incansável na defesa das vontades populares e do povo pernambucano. Foi
por esse conjunto de ideais socialistas e porque víamos estes sendo perseguidos
na prática é que decidimos ingressar e militar no PSB. Atuamos com afinco,
ocupando espaços e cargos de direção nos segmentos sociais do partido -
Juventude, Negritude, Sindical -, integramos os diretórios de zonais, as
executivas estaduais e distrital do PSB, assim como o Diretório Nacional. Da
mesma maneira, organizamos e participamos de atividades importantes para o
crescimento do Partido e de seu diálogo com a sociedade, como no caso da série
de debates realizados para a construção do programa de governo do PSB nos
locais em que teve candidatura própria, mas também do projeto nacional que
orientaria a campanha de Eduardo Campos. Sempre, como vale ressaltar, com muita
convicção e orgulho de nosso trabalho em torno de um projeto socialista.
Com
uma trajetória de afirmação de suas convicções, o Partido Socialista Brasileiro
conseguiu crescer e reunir forças para se apresentar, finalmente em 2014, como
uma nova alternativa para o país. Mas foi surpreendentemente neste momento, com
o desenrolar dos acontecimentos políticos e as respectivas decisões tomadas
pelos dirigentes partidários, que se observou o despertar de uma inflexão nas
posturas do PSB, as quais passaram a obedecer muito mais à lógica do
fisiologismo e da pequena política que a qualquer orientação programática.
Ainda
que seja de amplo conhecimento da militância e da sociedade em geral, cabe
relatar os fatos referidos, os quais esvaziam as perspectivas de termos no PSB
uma alternativa real à velha política e de construir um programa à esquerda
para a superação das crises e construção de um novo país. A começar, assistimos
lamentavelmente à decisão do partido que agora nos desfiliamos de aliar-se, no
segundo turno das eleições de 2014, ao campo representante daquilo que há de
mais retrógrado e conservador no nosso país - o PSDB e seu candidato Aécio
Neves - e assim optar pela mediocridade de não romper com a falsa dicotomia PT
X PSDB que ainda hoje permeia a política brasileira. Esse foi sem dúvida um
marco no desvirtuamento da história socialista, ao qual se seguiram, mês após
mês, posturas reprováveis e inadmissíveis para uma militância de esquerda: já
no início de 2015, o PSB aceitou a insubordinação de sua própria liderança na
Câmara, que manobrou parlamentares para aprovar a redução da maioridade penal,
contrariando o posicionamento histórico do partido que, inclusive, havia sido
reafirmado em reunião recente da Executiva Nacional. A votação sobre a terceirização
também mostrou um partido dividido e sem compromisso com o posicionamento da
base e da esquerda. Ao lado desta modificação no espectro ideológico das
votações na Câmara Federal, registramos cada vez mais a filiação de políticos
identificados com o campo reacionário. Heráclito Fortes, político da antiga
Arena e PFL, adversário dos socialistas históricos, em 2014 foi eleito pelo
PSB. A filiação de Jorge Bornhausen deve fazer Miguel Arraes se revirar no
túmulo. Ildon Marques, do campo dos Sarney, agora entra para o PSB. E são
apenas alguns exemplos. No Distrito Federal, Juarezão, de origens rorizistas,
agora faz parte do PSB. Isto demonstra que o partido busca crescer a qualquer
custo, sem manter a sua coerência ideológica histórica.
A
gota d'água veio no último domingo, dia 17 de abril, quando o legado de Miguel
Arraes, João Mangabeira e Jamil Haddad foi emprestado ao que há de mais
atrasado na política brasileira. Aliando-se a Eduardo Cunha, Michel Temer e
Jair Bolsonaro na deposição de uma presidenta democraticamente eleita - a qual
, apesar dos inúmeros erros de seu governo, foi a escolhida pela maioria da
população brasileira para governar o país - o Partido Socialista Brasileiro
deixou de lado qualquer vínculo com o Socialismo e com a legalidade democrática,
e entrou para a História ao lado do campo conservador, antidemocrático e
golpista. O campo que sempre comandou o país atendendo aos interesses de uma
minoria em detrimento do povo brasileiro. O rompimento com os retrocessos
representados pelas gestões de Dilma Rousseff deveria vir pela esquerda,
oferecendo ao país uma nova alternativa distante do petismo, que se perdeu em
meio ao pragmatismo, e da direita tradicional, inimiga conhecida da maioria de
nosso povo.
Já
onde assumimos governos, o desafio de governar consumiu a maior parte dos
nossos quadros, fazendo com que a construção partidária ficasse secundarizada.
Como no Distrito Federal, onde um processo de mobilização e envolvimento
orgânico do PSB, iniciado em 2011, foi interrompido logo após as eleições de
2014. Infelizmente, não soubemos equilibrar, de forma satisfatória, as grandes
pressões e demandas que surgiram após a vitória com a consolidação do projeto
que nos permitiu chegar à chefia do Executivo. Um projeto inovador, de rupturas
e enfrentamentos, gerado de forma colaborativa e tendo na participação popular
seu maior trunfo. É com pesar que percebemos que, já iniciado o segundo ano de
gestão, pouco horizonte podemos ter do cumprimento do Programa de Governo
apresentado.
Quando
se perde a identidade coletiva e o sentimento comum de ser parte de algo maior,
ganha espaço o interesse particular, o individualismo, a disputa pelo ganho
pessoal. Esta lógica, própria do capitalismo, abre margem para as piores
práticas e afasta quem mergulha na política movido pelas melhores intenções. O
cenário percebido hoje no PSB aponta para o seu esvaziamento programático, uma
vez que não há possibilidade real de contribuição através da via partidária. Em
São Paulo vimos um PSB que se esquece do significado do "S", sendo
linha auxiliar do PSDB e mais um instrumento de Geraldo Alckmin do que um
instrumento de defesa dos ideais de justiça e liberdade. Já no DF, que tinha
grande potencial para representar um marco no modo de atuação socialista, não
discutimos nada que não seja governo. Na discussão de governo, não conseguimos
debater nada que não sejam cargos. Na discussão de cargos, não conseguimos
escolher os melhores. E, nos espaços que conseguimos ocupar, sua instrumentalização
não é socializada, sendo cada qual gerido de acordo com as convicções
particulares daquele ou daquela indicada para, ocupá-lo sem dar a devida
atenção ao coletivo partidário. A conclusão é simples: não havendo projeto
público ou coletivo partidário, fica, ou chega, quem tem interesse pessoal. É
evidente que ainda resistem militantes orgânicos que acreditam na via
transformadora da política. Mas, a cada dia que passa, mais pessoas se sentem
desiludidas, desmotivadas e paulatinamente se distanciam da militância
orgânica.
No
mundo todo surgem novidades, alternativas não tradicionais que em pouco tempo
ganham muita expressão. Vimos surgir o Podemos e o Ciudadanos, na Espanha. O
Syriza e o Novo Aurora, na Grécia. O Piratas, espalhado por diversos países, tendo
sido o partido mais votado pela população com até 35 anos para o parlamento
europeu. Nos EUA, o caricato outsider Donald Trump é praticamente candidato
único nas prévias dos Republicanos. Já entre os Democratas, a vitória de Hilary
Clinton, que parecia tranquila, está ameaçada pelo fenômeno Bernie Sanders, que
se apresenta com socialista e se torna cada vez mais popular, contrariando
todas as expectativas. Todos estes exemplos nos mostram que existe uma
tendência mundial à renovação política, tendência que faz com que partidos
tradicionais - de esquerda e de direita - sejam engolidos por novas
organizações e lideranças que, também, podem ser conservadoras ou
progressistas.
O
Brasil não está imune a essas influências. A decadência dos partidos é notória e
atinge as agremiações de todas as cores. Ainda não vimos surgir as organizações
que ocuparão os espaços que se abrem. Mas já é possível perceber algumas
novidades conservadoras, capazes de levar milhares de pessoas às ruas e, em
muitas casos, pautar o debate público fazendo com que a esquerda fique na
defensiva. O resultado é que hoje os setores progressistas se organizam mais no
sentido de barrar retrocessos do que de reivindicar avanços, ou seja, a
esquerda age sempre em reação às ações conservadoras.
E
o PSB nisso tudo? A impressão que fica é a de que o PSB está sem rumo, sem
identidade, sem projeto, sem objetivos. A possibilidade de trazer Geraldo
Alckmin, mesmo que não se concretize, já é sintomático do esvaziamento político
que vivemos. Não resta dúvidas do potencial que o PSB tem para representar a
nova política, com alguns dos maiores quadros do Brasil e distante dos
escândalos de corrupção. A eleição de Rodrigo Rollemberg é um grande exemplo
disso! Também é claro, porém, que este potencial não tem sido aproveitado e que
se tem adotado, em regra, as práticas da velha política, deixando de instituir
dinâmicas inovadoras como as vistas durante o período que antecedeu as eleições
de 2014 no Distrito Federal.
Nesta
linha, assistimos com interesse ao o surgimento da Raiz Movimento Cidadanista,
liderada pela companheira Luíza Erundina que, há pouco, também deixou o decaído
Partido Socialista Brasileiro. Embora ainda seja cedo para saber o real papel
que esta iniciativa cumprirá, é a primeira vez que a esquerda brasileira se
dispõe a tentar criar um novo ambiente de organização, menos hierárquico, mais
horizontal, diverso e democrático. A rigidez dos partidos tradicionais, com uma
exagerada centralização, já era alvo de críticas do PSB em 1947. No entanto, na
prática, também reproduzimos em larga medida este modelo e não construímos, a
sério, formas de organização partidária que descentralizem o poder.
Assim,
deixamos as fileiras do PSB para podermos continuar no campo das lutas pela
construção do socialismo, que a partir de agora muitos de nós faremos em torno
da Raiz. Esperamos que esse ponto comum seja suficiente para que nos vejamos
como o mesmo campo, apesar das concessões pragmáticas que o PSB tem feito.
Redobramos o nosso fôlego militante e nossa utopia, seguimos para a construção
de algo novo, esperando que o próprio PSB possa também se renovar à esquerda,
resgatar sua história, e não ser ele próprio mais uma força conservadora na
política brasileira.
Alisson
Cesar
Ex-integrante
da JSB
André
Dutra Silva Magalhães
Ex-Presidente
da JSB
Ex-integrante
do Diretório do PSB-DF
Fabiana
Oliveira
Ex-Secretária
de Juventude do Município de São Paulo
Ex-Coordenadora
do Núcleo de Base dos Internacionalistas - São Paulo/Capital
Gabriel
Rolemberg Serwy
Ex-integrante
da Executiva da Zonal do Plano Piloto
Ex-integrante
da Coordenação da JSB no DF
Gabriel
Villarim
Ex-integrante
do Diretório da Zonal do Plano Piloto
Ex-membro
do Conselho de Ética do PSB/DF
Grahal
Benatti
Ex-Presidente
da Zonal do Plano Piloto
Larissa
Arantes
Ex-Secretária
de Comunicação da JSB-DF
Laura
Sales Gorman
Ex-militante
da JSB-DF
Leandro
Freitas Couto
Ex-integrante
do Diretório do DF
Ex-integrante
da Executiva do DF
Leandro
Grass
Ex-membro
do Fórum de Educação do DF
Pablo
Feitosa Nunes Amorim
Ex-dirigente
da Negritude Socialista Brasileira
Ex-integrante
do Diretório do PSB/DF
Pedro
de Castro Amaral Vieira
Ex-assessor
da liderança do PSB na Câmara dos Deputados
Ricardo
Faria
Ex-representante
da JSB no Fórum Paulista de Juventude
Raphael
Sebba D. F. Curado
Ex-integrante
do Diretório Nacional do PSB
Ex-integrande
do Diretório Distrital do PSB
Ex-Coordenador
da JSB do Centro-Oeste
Victor
Daniel Diniz Quaresma
Ex-Presidente
da JSB do município de São Paulo
Ex-Coordenador
do Núcleo de Base dos Internacionalistas
Fonte:conexaojornalismo
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