Autor:
Sandro Ari Andrade de Miranda, advogado, mestre em ciências sociais.
I
– INTRODUÇÃO
Existem
várias formas de manter o poder, mas o mecanismo mais comum é a apropriação dos
modos de produção de ideias, pensamentos, vivências, identidades. É a obstrução
dos mecanismos pelos quais interpretamos o mundo e construímos a nossa
história.
Limitar
os campos de interpretação, transformando a vida num universo sem crítica, sem
diferença e, principalmente, sem história, é uma estratégia de domínio imposta
por aqueles que não pretendem ver transformações de status.
Vários
são os autores da sociologia que tentam desafiar esses processos, desde Marx e
Weber, passando por Gramsci, Foucault, Bourdieu e Habermas. O certo é que o
conflito entre estruturas e a vida efetivamente vivenciada estão no centro da
obra destes autores, razão pela qual sempre buscamos refúgio no conhecimento
por eles produzido para interpretar fatos e condições que envolvem o poder
concentrado.
Para
Marx, a principal forma poder está na dominação dos modos de produção e
reprodução, motivo pelo qual dá especial atenção à atividade primária da
sobrevivência que é a produção dos meios de vida, num processo que é contínuo,
essencialmente histórico, e que não pode ser analisado no estreito espaço do
tempo presente.
Weber,
por sua vez, busca aprofundar a análise das formas de dominação, e vai
buscá-las no carisma, na ação tradicional, e na ação racional-legal. Mas o
próprio mestre alemão destaca que estes são tipos ideais. Logo, é possível a
existência de outras formas simples ou combinadas de dominação.
A
dominação pelo carisma é comum nas relações políticas, a tradicional, nas
relações religiosas, de assenhoramento e familiares. Já a dominação
racional-legal, é aquela derivada dos mecanismos racionais de poder,
incluindo-se, aí, a ciência e o direito.
Já
Gramsci segue a tradição marxista, mas se aprofunda na teoria de estado e nos
mecanismos de construção da ideologia. Demonstra que na sociedade moderna o
poder de Estado é limitado pelas organizações da sociedade. Vê na sociedade
civil uma força poderosa, capaz de construir formas de interpretação do mundo
através da ideologia. Estado = política + sociedade civil, uma síntese
combinada de consentimento e repressão.
Para
Foucault, na sua microfísica, o poder não existe. O que existe são relações de
poder. Ele observa o exercício das relações poder além da verticalidade das
estruturas, mas assentadas no tempo, na vida e no próprio corpo, através da
disciplina, criando corpos submissos, exercitados e dóceis para quem exerce o
poder.
Pierre
Bourdieu demonstra a existência de estruturas nas nossas próprias formas de
sentir, pensar e agir. O habitus é uma espécie de roupagem incorporada pelos
indivíduos, e que é utilizada nos momentos em que estes se relacionam com o
mundo. É uma disposição prática, automática, costumeira. É uma espécie de lei
social incorporada.
Jurgen
Habermas, por fim, é herdeiro da Escola de Frankfurt, e retoma importantes
elementos da discussão weberiana sobre racionalidade. Demonstra a existência de
uma estrutura intermediária que faz a mediação entre o estado e o espaço
privado do mundo da vida, a chamada “esfera pública”. A esfera pública surge
com a invenção da tipografia e da imprensa, criando um espaço de diálogo e de
construção de consensos.
O
aumento na forma de produção de informações transforma a sociedade e cria a
necessidade de maior transparência. Isso não quer dizer que os diálogos
estabelecidos na esfera pública sejam totalmente isentos, razão pela qual
existem divergências entre as informações apresentadas na esfera pública e o
mundo efetivamente vivenciado, o mundo da vida.
É
por este motivo que Habermas propõe a ação comunicativa em oposição à ação
racional instrumental, na medida em que é possível a construção de diversas
formas de tradução do mundo da vida, através de uma espécie de razão
comunicativa, que vai além da concepção padronizada e única defendida pelo
pensamento positivista. O próprio direito sai do “mundo do dever ser,
positivista” e passa a ser concretizado apenas no mundo vivido (mundo do ser).
Este
breve extrato de teorias sociológicas demonstra o quão complexas são as
relações de poder e a forma como estas se manifestam. O poder não
necessariamente ocupa os espaços formais e, muitas vezes, está assentado em
locais distantes do controle social, onde predomina a ausência de
transparência.
A
leitura estática dos fatos, sem elementos de consubstanciação, é prejudicial
para qualquer interpretação séria da realidade e prejudica a nossa visão
crítica. E aqui eu me afasto dos excessos de relativização da realidade, comuns
a algumas teorias pós-modernistas, na medida em que levam a perspectivas
excessivamente individualistas do mundo, abdicando da essência coletiva da
organização da sociedade.
Portanto,
quando buscamos analisar a preocupação dos meios de comunicação com
determinados assuntos, é necessário observar até que ponto tais órgãos tem uma
real preocupação com a verdade, com a verdadeira informação, ou buscam,
simplesmente, manipular informações com objetivos próprios.
Por
que um canal de televisão tenta colocar a culpa da falta d’água em São Paulo na
derrubada de árvores na Amazônia, quando toda a bacia hídrica do Estado
Bandeirante nasce no próprio sudeste? Ou por que determinados grupos de
comunicação colocam a corrupção financeira como pauta de agenda, restringindo o
número de réus entregues ao julgamento dirigido da chamada “opinião pública”,
ou eliminando dados factuais e históricos que comprometeriam a vida dos
próprios grupos?
As
ciências sociais já nos proporcionam ferramentas suficientes para confrontar as
técnicas adotadas pelos meios de comunicação para formar ideias e concepções de
mundo, que vão desde o materialismo histórico até a análise de símbolos e
imagens pelo estruturalismo e pela semiótica.
Neste
ensaio apresentamos pelo menos cinco pontos que devem ser analisados por quem
realmente pretende enfrentar a corrupção e que, curiosamente, não são vistos
nas colunas e boletins das principais empresas de comunicação brasileiras.
Evidentemente,
o estudo deve ser focado exclusivamente nos elementos materiais, evitando-se o
generalismo e a rotulagem de pessoas, o que sempre promove distorções e
injustiças, posto que não pretendemos, com o nosso trabalho, apresentar os
mesmos resultados da mídia oligopolista. Ao contrário, o que se pretende demonstrar
aqui é que os fatos devem sempre ser analisados de forma contextualizada, e com
fundamentação histórica e crítica.
II
– O ESTAMENTO BUROCRÁTICO
A
tradição patrimonialista na formação do estado brasileiro é representada nas
obras de vários autores, como Victor Nunes Leal no seu “Coronelismo, Enxada e
Voto”, Sérgio Buarque de Holanda com “Raízes do Brasil”, Caio do Prado Júnior,
em diversos livros, e Raymundo Faoro, no seu notável “Os Donos do Poder”.
Pois
é exatamente nesta última obra que Faoro apresenta o conceito de “estamento
burocrático”. Trata-se de uma ideia com forte inspiração weberiana, que serve
para traduzir as relações patrimonialistas de mando e compadrio que ainda se
manifestam em diversos setores da sociedade brasileira.
Conforme
Faoro,
“o
estamento burocrático desenvolve padrões típicos de conduta ante a mudança
interna e no ajustamento à ordem internacional. Gravitando em órbita própria
não atrai, para fundir-se, o elemento de baixo, vindo de todas as classes. Em
lugar de integrar, comanda; não conduz, mas governa. Incorpora as gerações
necessárias ao seu serviço, valorizando pedagógica e autoritariamente as
reservas para seus quadros, cooptando-os, com a marca de seu cunho tradicional.
O brasileiro que se distingue há de ter prestado sua colaboração ao
aparelhamento estatal, não na empresa particular, no êxito dos negócios, nas
contribuições à cultura, mas numa ética confuciana do bom servidor, com
carreira administrativa e curriculum vitae aprovado de cima para baixo”.
O
“estamento burocrático” utiliza-se do poder do estado para impor sua vontade à
conduta alheia, ora por meio da violência (ditadura militar), ora através das
relações de mando senhorial (república velha), ora das relações de compadrio
(nepotismo), ou, ainda, simplesmente por meio da corrupção.
A
origem do poder estamental de determinados setores da burocracia do estado está
assentada no processo de colonização imposto ao nosso território, que deixou
uma pesada herança na organização estatal, incluindo a concessão de privilégios
e vantagens a determinados grupos. A propriedade, por exemplo, foi uma
concessão do Governo Português aos Donatários da Coroa, garantindo, assim, uma
predominância das relações de interesse entre os representantes do poder
concedente e seus beneficiários, dentro da lógica daquilo que Weber chamou de
dominação tradicional.
Os
traços do patrimonialismo foram mantidos durante todo o período colonial e
transpostos para a organização da República Velha. Da venda de títulos de
nobreza, à grilagem de terras realizada com a anuência da ditadura militar, a
organização administrativa do estado foi fragilizada por um regime de troca de
favores, que somente foi encontrar limites em 1988 com a determinação de acesso
exclusivo as carreiras públicas por meio de concurso, conforme disciplina
imposta pela Constituição de 05 de outubro do referido ano.
Todavia,
até mesmo a ação moralizadora da nova Carta Constitucional de 1988 encontrou
uma barreira numa medida típica do modelo patrimonialista adotada por alguns
constituintes, que foi a incorporação, com estabilidade, de milhares de
empregados públicos que ingressaram na administração, em todos os níveis, sem concurso
público.
Foi
a última dilapidação que o movimento chamado “Centrão” provocou na Carta de
1988, e até hoje, de certa forma, o custo é pago por todos. A base desse era
composta por vários constituintes herdeiros da ditadura militar e alguns outros
representantes da tradição conservadora.
Na
prática, apenas quem ingressou na máquina pública depois de 1988 e,
especialmente, depois do Regime Jurídico Único dos servidores (Lei 8.112/1990),
teve como exigência o concurso público. Ainda hoje milhares dos trabalhadores
que ingressaram na administração sem concurso, e sem nenhuma estratégia de
profissionalização, e que receberam estabilidade na carreira por meio de uma
manobra tipicamente golpista de alguns constituintes, ocupam cargos no serviço
público em todas as esferas, inclusive com poder de mando.
Assim,
não causa estranheza que um dos assuntos de pauta das eleições presidenciais de
2014 tenha sido a construção de um aeroporto nos terrenos que pertenciam ao tio
do ex-candidato e atual Senador pelo PSDB/MG Aécio Neves. Trata-se de uma
típica relação de poder patrimonialista, assentada em laços tradicionais de
compadrio.
Também
não é estranho que o pivô do escândalo de corrupção na Petrobrás, Paulo Roberto
Costa, seja um funcionário que entrou na estatal em 1978, ou seja, sem concurso
público, e que desde 1995 (início do Governo de Fernando Henrique Cardoso)
ocupe cargos de direção na referida empresa, chegando a dirigir a GASPETRO de
1997 a 2000.
A
rigor, o esquema de corrupção do qual Paulo Roberto Costa (vinculado ao Partido
Progressista – PP), existe desde 1997, bem na época dos escândalos de
privatização do Governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB). Mas dado o nome
dos envolvidos, é bem provável que este seja um problema mais antigo.
Outro
pivô do escândalo, Nestor Cerveró, é funcionário da Petrobrás desde 1975, e
figura frente nos cargos de direção da empresa na época do governo de FHC. Já
Pedro Barusco, afirma ter acumulado mais de US$ 100 milhões de reais em propina
desde 1996, ou seja, durante o governo do PSDB.
Já
Alberto Yousseff, doleiro ligado a Paulo Roberto Costa, também apareceu em
escândalos da década de noventa no estado do Paraná, notadamente no caso do
BANESTADO.
Ou
seja, há inequívoco predomínio de um grupo de pessoas que exerce poder e
defende os seus interesses na máquina do estado há muito tempo, ocupando
espaços estratégicos na administração pública, vários dos quais incorporados
aos quadros administrativos do estado pelo movimento do “Centrão” e outros
grupos conservadores na Constituinte, e que permitiu a estabilidade para
servidores que ingressaram na administração sem concurso público no período
pré-Constituição/88. Tais vantagens também beneficiaram empregados públicos de
empresas estatais e que hoje são citados em esquemas de corrupção, como Nestor
Cerveró e Paulo Roberto Costa. Trata-se, de fato, do chamado “estamento
burocrático”.
A
criação do concurso público para acesso aos cargos públicos, imposta pela nova
Ordem Constitucional, permitiu uma democratização do ingresso nestes postos,
que passaram a ser ocupados por pessoas de todos os extratos sociais.
Até
então, os cargos na administração pública, pelo menos os de maior envergadura,
eram considerados como postos destinados aos filhos da elite social e econômica,
especialmente os cargos de altos dirigentes do governo, da diplomacia, da
advocacia e dos comandos militares. Assim, este tipo de organização estatal
está muito longe da lógica racional-legal weberiana, mas dentro daquilo que o
mestre alemão chama de dominação tradicional.
Em
qualquer análise política mais séria, e sem nenhuma ingenuidade, é impossível
não considerar o poder e a influência destes servidores do alto escalão
governamental. Todos possuem grande espaço de decisão ocupado ao longo da sua
atuação na máquina administrativa, espaços estes que permitem um contato
permanente com várias empresas.
Estes
espaços historicamente foram dotados de pouca transparência, de mecanismos de
controle social, participação ou governança, liberdade permitiu aos agentes
responsáveis pelas negociações e gestão de contratos com valores muito elevados
a possibilidade de comprar apoios, negociar favores, vender vantagens, dentre
outras premissas que, curiosamente, são simplesmente omitidos pelos grandes
meios de comunicação.
Desta
forma, não há como se falar em corrupção, no Brasil, sem considerar o papel
deste influente extrato de servidores e empregados públicos, e que exercem o
papel de um verdadeiro “estamento burocrático” dentro da administração.
III
– A ESCOLA DA MAGISTRATURA
Durante
as décadas de 80 e 90 do século passado o movimento estudantil universitário
criou uma série de projetos de cursos populares preparatórios para o
vestibular, gratuitos, e destinados a garantir o acesso de estudantes sem condições
financeiras ao ensino superior.
Embora
a grande maioria dos estudantes que ministravam os cursos também tenha origem
em grupos menos privilegiados economicamente, as aulas eram atividades de
militância e não remuneradas, e os resultados obtidos permitiram o ingresso de
milhares de estudantes das camadas mais pobres nas universidades públicas.
Trata-se
de uma iniciativa importante de um movimento social visando promover a inclusão
social e o combate aos privilégios de grupos dominantes. A universalização do
acesso ao ensino público e laico, bem como aos cargos públicos, é uma condição
essencial para a existência da Democracia, e deveria ser sempre um objetivo do
Estado.
Ocorre
que esta não foi uma iniciativa seguida por todas as categorias sociais, e muitos
setores da sociedade ainda se utilizam dos espaços privilegiados ocupados para
manter determinados postos no serviço público como núcleos destinados aos
filhos da elite econômica e social.
Esta
última postura comunga com a tipologia do “estamento burocrático” e com a
perpetuação do patrimonialismo. Distante da realidade da maioria dos
brasileiros, está a grande maioria das Escolas da Magistratura, instrumento que
poderia contribuir para garantir o acesso aos cargos de juízes e que, na
prática, funcionam como mecanismo destinado à manutenção de privilégios.
Se
no início, a primeira destas escolas contava com o serviço não remunerado de
quadros da judicatura, hoje todos os juízes-professores são remunerados pelas
diversas escolas do gênero implantadas em todo o país.
Uma
das consequências é o elevado valor dos cursos ofertados por estas instituições
de “excelência”, cujo custo ultrapassa a faixa de 12 salários mínimos em média,
o que torna os mesmos proibitivos para a maior parte da população. Pior do que
isto: apesar de mantidos por associações de juízes, os cursos contam pontos nas
provas de títulos para os concursos da magistratura, conforme Resolução nº 75,
de 12 de maio de 2009 do Conselho Nacional de Justiça.
Trata-se
de privilégio incomum, e exclusivo das associações representativas de
servidores que compõem a estrutura de um dos Poderes da República. As
associações dos magistrados são, na verdade, o equivalente aos sindicatos de
outras categorias, pois representam os interesses dos referidos profissionais
frente ao estado.
Nenhuma
outra entidade representativa de categoria profissional ou de servidores
públicos possui um poder tão grande para influenciar nos resultados dos
concursos públicos como a dos magistrados. Senão vejamos: a) as associações de
magistrados participam da definição dos critérios de seleção dos concursos; b)
os cursos de formação mantidos pelas associações de magistrados contam pontos
para os títulos dos referidos concursos; c) os magistrados, notadamente os
desembargadores, são responsáveis por firmar as interpretações jurisprudenciais,
numa rara capacidade de estabelecer e ministrar o conteúdo do objeto dos
concursos; e d) muitas das escolas de magistratura funcionam e se utilizam das
estruturas físicas dos próprios Tribunais.
Embora
não seja possível afirmar que há intencionalidade na fixação destas vantagens
como mecanismo para diminuir o acesso de determinados grupos sociais ao Poder
Judiciário, é inegável a existência de privilégios em favor das associações de
magistrados e daqueles que ingressam nos cursos mantidos por essas instituições.
Mesmo
entendendo que boa parte dos juízes e professores das Escolas atua com sincera
intenção de aperfeiçoar o conhecimento jurídico e de forma honesta, a
manutenção dos privilégios das associações de magistrados não pode ser aceita
de forma acrítica, sob o risco de convalidar a perpetuação de uma situação
tipicamente patrimonialista e com duvidosa constitucionalidade.
IV
– O PODER ECONÔMICO E OS PROCESSOS ELEITORAIS
Outra
herança inequívoca do patrimonialismo no Brasil é o financiamento privado das
campanhas eleitoras. Uma leitura simples e rápida dos principais escândalos de
corrupção do país, identificaremos sempre a presença de dois fatores: a) o
financiamento realizado por empresas; e b) a participação de servidores e
empregados públicos que ocupam cargos de alto escalão, o chamado “estamento
burocrático”, na articulação dos financiamentos.
O
tema do financiamento de campanhas eleitorais por empresas é objeto da Ação
Direta de Inconstitucionalidade nº 4650 que tramita no Supremo Tribunal Federal
movimentada pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), onde
são questionados dispositivos da atual legislação que disciplina o
financiamento de partidos políticos e campanhas eleitorais por essas empresas
(Leis 9.096/1995 e 9.504/1997).
O
processo já conta com o voto de seis Ministros favoráveis ao pedido que
consideram inconstitucional o financiamento de campanhas eleitorais por
empresas, mas o processo está suspenso em virtude de pedido de vista feito pelo
ministro Gilmar Ferreira Mendes, o que prejudica a efetiva transformação do
financiamento dos processos eleitorais.
Na
prática, o financiamento privado de eleições por empresas acaba resultando no
domínio do poder econômico sobre a definição da agenda política. Tal situação,
somada às eleições com listas abertas, resulta em campanhas eleitorais caras e
com o predomínio de uma visão personalista e patrimonialista da coisa pública.
O
mandato de um parlamentar, por exemplo, acaba sendo visto como um patrimônio
pessoal do candidato eleito, e não como o resultado de uma luta política de uma
coletividade, o que resulta da colocação de temas de interesse social ou
coletivo, como a proteção do meio ambiente e a defesa dos direitos humanos,
dentre outros, em segundo plano.
O
financiamento privado de campanhas eleitorais desequilibra a defesa de ideias,
coloca o interesse do capital em primeiro plano em relação à cidadania, e acaba
facilitando o exercício da corrupção.
Uma
votação favorável ao pedido da ADI nº 4650 no STF, declarando a
inconstitucionalidade do financiamento empresarial em campanhas eleitorais
seria um duro golpe ao abuso do poder econômico em eleições. É exatamente por
isso que é necessário um acompanhamento mais cuidadoso da população na relação
entre a demora no voto do Ministro Gilmar Mendes, e a tramitação da PEC da
“Contra-Reforma Política”. Tal Proposta de Emenda Constitucional é conduzida
pelo atual Presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), e conta com o apoio
de partidos de direita, como o DEM e o PSDB, e está sendo acelerada no
Congresso Nacional. Apenas o PT e o PSOL se posicionaram claramente contra o
golpismo e caráter patrimonialista da proposta.
A
PEC 352, conhecida como “PEC da Contra-Reforma Política” ou “PEC do Capital”,
sustenta o patrimonialismo do financiamento privado de campanhas e a criação do
voto distrital que enfraquece os partidos e favorece a visão personalista dos
mandatos parlamentares. Ou seja, é uma forma de mudar não mudando, mantendo a
influência do poder econômico nas eleições.
V
– A ORGIA DAS PRIVATIZAÇÕES
De
acordo com a Revista Carta Maior, estudos indicam que 1996 à 2002, no auge das
privatizações do Governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), cerca de US$ 126
bilhões foram desviados para o exterior pelo esquema do Banco do Estado do
Paraná – BANESTADO. Destes, apenas US$ 2,2 milhões foram repatriados pela
Advocacia Geral da União.
Os
números do BANESTADO são uma parcela ínfima de todas as denúncias de corrupção
que circularam no Brasil na década de noventa durante a orgia privatista de FHC
e Cia.. Com certeza, nessa época tivemos o ápice da corrupção do país, com a
omissão, velada dos órgãos de controle, e explícita dos meios de comunicação.
Muitos dos problemas ainda hoje enfrentados são frutos de esquemas criados
naquela época, inclusive com os mesmos protagonistas.
O
caso dos ataques à Petrobrás é o exemplo mais gritante de todos, na medida em
que falamos de uma organização criminosa que admite atuar no submundo da
administração pública, pelo menos, desde 1997, com fortes indícios de atuação
anterior, e com maiores ramificações.
Já
o caso da Ação Penal nº 470, conhecido popularmente como “mensalão”, é mera
continuidade de esquema criado em Minas Gerais, também no governo tucano. Para
evitar a cassação do mandato, e a continuidade do processo no rito sumaríssimo
do Supremo Tribunal Federal, o ex-Governador de Minas Gerais Eduardo Azeredo (PSDB) renunciou ao cargo que
ocupava no Senado.
Alberto
Yousseff, transformado em herói pela mídia oligopolista, também era figura
presente no escandaloso caso do BANESTADO. Mas as investigações sobre os
esquemas no Banco Paranaense foram abafadas pelos mesmos grupos de comunicação
que hoje cobram investigações, o que, por si só, é prova flagrante de suspeição
das referidas empresas. Aliás, é a mesma mídia que hoje fecha os olhos para o
escândalo do HSBC, banco beneficiado pelo financiamento do PROER, durante o
Governo de FHC, quando adquiriu a parte do capital do extinto Bamerindus.
Segundo
estudos realizados por pesquisadores da CEPAL, cerca de 12,3% do PIB na época,
ou R$ 111,3 bilhões, foram utilizados para cobrir gastos com o PROER, o que
incluiu, em menor monta, a recapitalização do Banco do Brasil, da Caixa
Econômica Federal, e de alguns bancos estaduais em virtudes das cíclicas crises
cambiais do Plano Real.
Deve
ser destacado que o PROER não foi a primeira operação de salvamento financeiro
de Bancos realizadas no governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB). Antes disso,
tivemos o escândalo envolvendo os Bancos Marka e Fonte-Cindam, que receberam
cerca de R$ 1,6 bilhão do Banco Central durante a desvalorização do real. O
caso resultou até na prisão do ex-presidente do Banco Central, Chico Lopes, e
do famoso banqueiro de cidadania italiana, Salvatore Cacciola.
Outro
exemplo problemático é o da privatização do sistema de telecomunicações. Além
dos questionamentos sobre os valores e sobre os procedimentos, temos o caso da
divulgação de gravações de conversas telefônicas entre o ex-ministro das
Comunicações, Luis Carlos Mendonça de Barros (PSDB), e presidente do BNDES no
governo de FHC, André Lara Resende, onde ambos articulam o apoio a Previ, fundo
previdenciário dos funcionários do Banco do Brasil, para beneficiar o consórcio
do banco Opportunity, vinculado ao tucano Pérsio Arida. A negociata envolvia o
módico valor de R$ 24 bilhões de reais.
Mas
o caso mais gritante de todos, e inquestionavelmente o mais representativo da
orgia das privatizações envolve a maior empresa mineradora da América Latina, e
uma das maiores do mundo (a segunda mais lucrativa em escala global), a
Companhia Vale do Rio Doce.
Em
leilão realizado em 1997, 33% das ações de uma empresa avaliada em R$ 90
bilhões de reais foram arrematados pelo Consórcio Brasil por apenas R$ 3,3
bilhões de reais, o que permitiu ao mesmo assumir o controle acionário da
empresa estatal. O consórcio vencedor era formado pela privatizada Companhia
Siderúrgica Nacional, pela Bradespar/Bradesco, e pelo fundo de investimentos do
funcionários do Banco do Brasil, o Previ.
Além
da onipresença do Previ, envolvida em diversos processos de corrupção, parte
dos recursos utilizados na compra da Vale do Rio Doce foram obtidos por meio de
empréstimo junto ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
(BNDES), resultando em indícios de direcionamento do certame.
Resta
destacar que, além das negociações de bastidores e da utilização contínua de
dinheiro público nas privatizações, as duas principais justificativas adotadas
pelo tucanato para realizar tais ações não se justificaram.
Primeiro,
a dívida pública, que deveria sofrer abatimento com a utilização dos créditos
das vendas, não reduzir, ao contrário, mais do que triplicou nos oito anos de
governo tucano, fruto de uma política fiscal e financeira truculenta e confusa.
Segundo,
conforme destaca Aloísio Biondi na ótima obra “O Brasil Privatizado”, o país
arrecadou cerca de R$ 85,2 bilhões de reais com as privatizações, mas perdeu
mais de R$ 87,6 bilhões de reais com a receita das empresas vendidas que não
ingressaram nos cofres públicos, especialmente da Vale. Assim, o resultado da
orgia privatista foi um saldo líquido negativa de R$ 2,4 bilhões de reais, que
foram transferidos do patrimônio público para o capital financeiro.
VI
– O PODER DA MÍDIA OLIGOPOLISTA
A
Constituição Federal garante imunidade tributária para livros, jornais,
revistas e para o papel onde estes materiais são impressos. Em tese, o objetivo
desta medida é permitir uma democratização do acesso à informação, à produção
científica e à cultura.
Ocorre
que o sonho da democratização da informação pela produção de informações por
uma “imprensa livre”, não se consolidou. Nem jornais, nem revistas e, muito
menos livros, com raras exceções, possuem preços acessíveis à maioria da
população. Uma das poucas exceções são as publicações de baixa qualidade
destinadas às massas, em tabloides como “Notícias Populares” e “Diário Gaúcho”,
ambas publicações com desenho editorial baseado em notícias sobre fofocas de
televisão, esporte e violência, baseados no marketing de comércio do vazio
informativo e da ideologia dos grupos proprietários dos jornais.
A
simples publicação de um Edital ou de aviso de interesse público num jornal de
grande circulação em São Paulo ou Rio de Janeiro chega a custar a bagatela de
R$ 10 mil reais, tornando esses espaços inacessíveis para as organizações da
sociedade civil. Por outro lado, todos os jornais e revistas reservam grande
parte do seu espaço para a publicidade. Em algumas “revistas” temos a impressão
de que existe mais espaço publicitário do que material de comunicação.
Se
a situação é grave na mídia impressa, muito pior é o resultado observado no
rádio e, especialmente, na televisão. Curiosamente, ambas as formas de
comunicação são derivadas de concessões públicas.
Os
grandes grupos de comunicação também são detentores de excelentes espaços para
a publicidade e, como consequência, são um grande negócio. Em regra, articulam
mídia impressa, radiofônica, televisiva e, mais recentemente, eletrônica, o que
permite um domínio das informações e das rendas publicitárias, inclusive de
fontes públicas de patrocínio.
E
aqui começa um grande problema. Se rádio e televisão são concessões, ou seja,
serviços públicos, por que não existe nenhum mecanismo de controle público ou
social sobre o financiamento destas empresas? Mais do que isto, qual é o motivo
de tamanha resistência das principais redes de comunicação contra a presença de
qualquer tipo de controle sobre as suas fontes de financiamento?
Talvez
a resposta possa ser observada na guerra instaurada pelas Organizações Globo em
relação ao direito de transmissão dos jogos do campeonato de brasileiro, da
Copa do Mundo e das Olimpíadas. Apenas em 2012, a Globo pagou para os 12
maiores clubes do futebol brasileiro mais de R$ 939 milhões de reais como
direitos de transmissão. Este dado foi obtido com base na publicação dos
balanços financeiros dos clubes, pois os contratos firmados pela Rede Globo com
os clubes de futebol gozam de questionável cláusula de confidencialidade.
Ao
todo, estima-se que a empresa de comunicação tenha efetuado o pagamento aos
clubes da primeira divisão do campeonato brasileiro em 2012 mais de R$ 1,326
bilhão de reais apenas em direitos de transmissão do campeonato brasileiro. Não
constam neste inventário as despesas com o custeio da programação e, muito
menos, o lucro obtido pela Rede Globo com um dos principais atrativos da sua
grande de comunicação.
Estes
dados demonstram que as empresas de comunicação são grandes negócios, e para
exercer as suas atividades se utilizam de concessões públicas sem nenhuma, ou
praticamente nenhuma, retribuição à população.
Diferentemente
do que ocorre nas concessões de transporte, energia elétrica, água, telefonia,
dentre outras, não existe transparência nas planilhas de serviços, muito menos
espaço para que cada cidadão ou cidadã, verdadeiros detentores dos direitos das
concessões, possa saber o resultado obtido pelas empresas. Não se verifica o
pagamento de outorga, ou ainda o cumprimento de cláusulas de oferta mínima de
conteúdo de produção nacional.
A
falta de transparência domina o mercado da comunicação, uma verdadeira “Caixa
de Pandora”, permite vários tipos de vantagens, inclusive a possibilidade de
compra de matérias e de notícias. Nunca poderemos esquecer dos mecanismos
utilizados por Assis Chateaubriand, o “Chatô”, para condicionar os fabricantes
de fósforos a patrocinar os seus jornais, através de uma verdadeira chantagem
jornalística por meio de matérias que afirmavam o perigo que representava a
utilização do produto fabricado por estas empresas, matérias que, por sinal,
sumiram dos jornais quando do fechamento dos acordos de publicidade.
Por
fim, não podemos esquecer que a mídia representa muito mais do que dinheiro sem
transparência no uso e nas fontes de financiamento, mas grande poder de
influência. Vários dos ocupantes de assentos no Parlamento ou são donos, filhos,
ou parentes de donos de redes de televisão, como Aécio Neves (PSDB), por
exemplo, ou funcionários das empresas de comunicação.
No
Rio Grande do Sul, dois dos três Senadores, Ana Amélia Lemos (PP) e Lasier
Martins (PDT), são funcionários da Rede Brasil Sul – RBS, uma das afiliadas da
Rede Globo, e o maior grupo de comunicação do sul do país.
Portanto,
é necessário criar mecanismos para diminuir o poder que os meios de comunicação
exercem sobre a população, e o primeiro passo poderia ser dado com a regulação
e transparência do financiamento da mídia.
O
segundo, já pensando adiante, poderia se basear na restrição da publicidade
pública às grandes redes, criando-se mecanismos como a divulgação de matérias
de utilidade pública nos referidos meios.
Garantir
a transparência do financiamento das redes de comunicação é, sim, um
instrumento fundamental para enfrentar a corrupção econômica e política.
VII
– CONSIDERAÇÕES FINAIS
A
verdadeira origem da corrupção no Brasil, como vemos, está muito longe do conteúdo
dos noticiários de televisão. Ela se encontra entranhada em processos que são
apresentados como normais, na garantia de privilégios estamentais, na
influência do poder econômico nos processos eleitorais, no monopólio das
informações, e na ausência de transparência e de mecanismos de controle social
em determinados setores.
Se
nenhum destes problemas for realmente enfrentado pela sociedade, não haverá
verdadeiro combate à corrupção, mas simples demagogia ou golpismo,
especialmente a atual prática da mídia oligopolista brasileira.
Fonte:
sustentabilidadeedemocracia
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