Moro: a operação sempre teve a intenção de contar com o apoio da imprensa |
Pela
primeira vez, Moro e procuradores se sentiram obrigados a explicar suas ações.
Isso é bom para todos
Desde
que ficou claro que as investigações da Operação Lava Jato descobriram um
enorme escândalo de corrupção, o juiz Sergio Moro, da 13ª Vara Federal de
Curitiba, e os procuradores da República envolvidos no caso têm usado sua relação
com a imprensa e a força da opinião pública para continuar seu trabalho.
A
lógica, exposta por Moro em documentos e falas públicas, é simples. Sem
pressão, é difícil que uma investigação contra políticos, no Brasil ainda uma
casta aristocrática quase intocável, dê frutos. Esse pensamento não é
exclusividade de Moro ou dos procuradores da Lava Jato. Ele está presente na
atuação de inúmeros delegados da Polícia Federal e integrantes do Ministério
Público que lidam com a corrupção.
Se
perguntados, os adeptos da prática de apelar à imprensa e à opinião pública
teriam exemplos abundantes para descrever de ações que naufragaram pela
ausência de clamor ao seu redor.
As
operações Castelo de Areia e Satiagraha são os exemplos mais bem acabados, mas
poderiam ser citados também os escândalos do “trensalão” e de Furnas, com seu
lento desenrolar no Judiciário e aparições esparsas, quando muito, na grande
imprensa, ou a fatia da Operação Zelotes que envolve grandes empresas patrocinadoras de veículos jornalísticos e, inclusive, a maior retransmissora da Rede Globo.
No
caso da Lava Jato, de 2014 até aqui, Moro e a força tarefa no Paraná tiveram
licença para agir. O trabalho feito ali rendeu inúmeros frutos e expôs um
esquema indecente.
A ação contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, alvo da Operação Aletheia, a 24ª fase da Lava Jato, no entanto, criou ruídos no apoio à Lava
Jato. Pela primeira vez, tanto Sergio Moro quanto os procuradores do Ministério
Público Federal no Paraná se sentiram obrigados a justificar suas ações ao
público.
No
despacho em que autorizara a condução coercitiva de Lula, proferido antes de o
ex-presidente apresentar sua defesa, Moro deixara clara sua propensão a
condenar Lula. Escreveu o juiz que há “fundada suspeita” de que o ex-presidente
recebeu “benefícios materiais” do escândalo de corrupção e tratou como “álibi
(...) de pouca consistência com os fatos” uma nota oficial do Instituto Lula
sobre o tríplex no Guarujá.
Na
nota divulgada no sábado 5, o tom de Moro era menos de acusador e mais de
magistrado. “Essas medidas investigatórias visam apenas o esclarecimento da
verdade e não significam antecipação de culpa do ex-presidente”, escreveu.
Para
os integrantes do MPF, os questionamentos foram bem menos confortáveis que as
tabelinhas feitas com os repórteres a cada entrevista coletiva da Lava Jato.
Assim, redobraram a aposta, tanto nas acusações contra Lula como na confiança
da opinião pública e da opinião publicada em seu favor.
Em
uma nota com 17 pontos, os procuradores desprezaram as dúvidas sobre a legalidade da condução coercitiva levantadas por gente como Marco Aurelio
Mello, ministro do STF, José Gregori, um ex-ministro da Justiça que conspira
contra Dilma Rousseff, e diversos outros juristas, próximos ou não ao petismo.
Deltan Dallagnol, o chefe da força-tarefa do MPF, se vê em um 'guerra contra a impunidade e a corrupção', na qual a imprensa 'é aliada' |
Em
argumentação que mais se assemelha a um comentário de Facebook do que a um
comunicado de instituição fundamental para a democracia, os procuradores
trataram tal debate como “cortina de fumaça”. E afirmaram que as críticas só
surgiram porque o alvo era Lula. Pior, disseram que “apenas nesta última fase”
houve “manifestação de opiniões contrárias à legalidade e constitucionalidade
da medida”.
Nada
mais distante da verdade. Há muito tempo há preocupações quanto à legalidade de
aspectos da Lava Jato, não apenas das conduções coercitivas, mas de tópicos
como as delações premiadas, seus vazamentos antes da homologação judicial, o
acesso da defesa a elas e as prerrogativas da Vara Criminal de Curitiba para
julgar todos os casos.
E
a opinião publicada?
O
debate sobre a legalidade de pontos da Lava Jato é salutar, e é compreensível
que os procuradores tenham dificuldade em compreender isso. O clamor popular
que acreditam precisar para continuar apurando o escândalo de corrupção
aparentemente investiu alguns deles de uma confiança quase entorpecente.
Para
uma opinião pública que não se comove com linchamentos e muitas vezes apoia
violência policial, um debate sobre a legalidade ou não de um tipo de mandado
judicial é irrelevante, quase ofensivo. Dali, não partirá nenhum
questionamento. Dane-se o Direito, e viva a justiça – ou justiçamento, tanto
faz para a maioria.
Da
opinião publicada também não cabe esperar muito. As principais empresas de
comunicação do País são notoriamente antipetistas – o que é legítimo e,
portanto, não deveria ser dissimulado – e têm aproveitado a conjuntura para
deixar a honestidade de lado e enfatizar apenas a narrativa que lhes interessa.
Parte
significativa dos funcionários dessas empresas tem um viés político semelhante,
o que explica o fato de alguns terem celebrado a condução coercitiva de Lula
como prova de que “ninguém é intocável no País”, uma bravata que ganha ares de
piada quando confrontada com a realidade.
Outra
parte está aproveitando a conjunção de fatores para publicar um furo atrás do
outro, e portanto não tem interesse algum em trazer complexidade ao debate e
discutir a legalidade de determinadas ações.
As
informações chegam com facilidade, uma vez que os investigadores têm amplo
interesse em vê-las divulgadas. A simbiose é tanta, assim como a confiança em
estar certo, que, numa frase difícil de acreditar, um jornalista aparentemente
celebrou a ação contra Lula horas antes de ela se tornar oficial.
Legalidade
e legitimidade
Assim,
nesta pequena fresta entre os caçadores de corruptos e seus apoiadores entram
figuras que desejam ver a Lava Jato ir à fundo e, ao mesmo tempo, querem
garantir que ela siga todos os ditames da legalidade.
A
base desta posição é o pensamento, ingênuo talvez na atual conjuntura, de que os
que querem fazer as leis serem cumpridas também precisam cumpri-la, inclusive
para não perder a “superioridade moral”, mas principalmente para fazer a
civilização brasileira, digamos assim, avançar e não retroceder.
Os
questionamentos à operação, desta forma, deveriam ser bem recebidos inclusive
por seus comandantes, pois do debate surgirão consensos e eles podem ajudar a
legitimar ainda mais a ação.
As
investigações da Operação Lava Jato são um marco para o País. A partir delas,
pode-se começar a desenrolar o novelo de corrupção que envolve o poder público
e agentes privados há tempos.
No
domingo 13, milhares devem ir às ruas e elevar ainda mais a temperatura
política do País. Quando (e se) a poeira baixar, muitos ainda precisarão dar
explicações. Lula é o alvo do momento, e precisar esclarecer seu papel, seu
eventual conhecimento sobre o esquema de corrupção e também suas atividades
posteriores à saída do Planalto.
A
figura polarizadora do ex-presidente atraiu ainda mais clamor popular à Lava
Jato, exatamente como Sergio Moro e os procuradores queriam. Agora, enquanto
realizam seu trabalho, seria interessante que estivessem atentos também a quem
por ventura traz à tona questionamentos e ponderações.
O
MPF tem fatos concretos para acusar os suspeitos? Vazar documentos como forma
de pressionar os acusados é um recurso legítimo por parte das autoridades? O
ambiente criado serve a um julgamento insuspeito? Moro está mesmo agindo como
juiz ou se tornou parte da acusação? É das respostas de perguntas como essas
que sairá o legado da Lava Jato.
Fonte:
cartacapital
0 Comentários
Os comentários são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam a opinião do BVO - Blog Verdades Ocultas. Se achar algo que viole os termos de uso, denuncie. Leia os termos de uso do Blog Verdades Ocultas para saber o que é impróprio ou ilegal.