A economia social de mercado da Alemanha é cada vez mais posta em dúvida pela iminente ideia indesejada de pobreza na velhice
Por Nils Röper*
Tradução: Thiago Nascimento**
A Alemanha geralmente gosta de ser alvo de inveja. O país encontrou um caminho mais fácil que a maioria dos países para sair da crise financeira mundial e ainda por cima é considerada agora a melhor nação do mundo (ao menos para uma pesquisa). Além de sua famosa engenharia e eficiência econômica, o modelo alemão também é sinônimo de justiça social. Essa “economia social de mercado”, no entanto, é cada vez mais posta em dúvida pela iminente ideia indesejada de pobreza na velhice.
A estrutura do próprio sistema previdenciário de modelo bismarckiano é a causa dessa ameaça iminente de pobreza dos pensionistas. Em vez de regimes de previdência complementar, comuns nos EUA e no Reino Unido, em que as contribuições são administradas por grandes fundos de pensão, o governo alemão mantém apenas um controle virtual (baseado no sistema de repartição). Outros sistemas previdenciários públicos, como nos países nórdicos, distribuem os benefícios usando uma base de cálculo mais generosa; o sistema alemão ainda é voltado para a manutenção do status dos contribuintes com renda mais elevada.Aparentemente tudo vai bem. Comparado com muitos de seus congêneres, o sistema previdenciário alemão encontra-se relativamente em boa situação financeira. Embora a previsão seja de uma redução de 50% no número de trabalhadores ativos por aposentado nos próximos 40 anos, a fatia do PIB destinado à previdência não deve aumentar nem 2%. O atual influxo de refugiados deve, ainda, desacelerar o encolhimento da força de trabalho.
Este princípio de equivalência (você recebe o que você paga) discrimina contra os contribuintes de baixa renda. Com base na taxa de substituição – a proporção do seu último salário recebido durante a aposentadoria – a Alemanha tem o segundo índice mais baixo ente os países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) para trabalhadores de baixa e média renda. Isto quer dizer que mesmo que você trabalhe a vida toda, você terá direito a receber uma aposentadoria abaixo do valor mínimo do benefício. Um exemplo prático: um trabalhador alemão ganhando metade da renda média tem uma taxa de substituição de 53%, comparada a 75% dos países da OECD.
Empresas sob pressão
Ações estão em curso para resolver o problema. O sistema bismarckiano funciona muito bem quando a taxa de emprego é alta e se mantém estável. Porém, na década de 1980, o aumento do desemprego, o envelhecimento da população e novos riscos sociais passaram a exigir ações por parte do governo alemão. Após aumentos seguidos da taxa de contribuição e da idade para se aposentar, medidas impopulares entre os eleitores, o governo de Gerhard Schröder criou regimes de previdência complementar e profissional, subsidiados pelo governo. A controversa lei de 2001 representou uma mudança importante em direção a uma matriz previdenciária mais individualizada e voltada ao mercado, com o objetivo de aliviar o sistema previdenciário público e promover a compra de ações entre um público tradicionalmente desconfiado.
O impacto dessa reforma não foi nada animador. Enquanto o mercado de capitais da Alemanha continuou a atrair cada vez mais investidores estrangeiros desde a década de 1990, a reforma teve pouca relação com o surgimento dos fundos de pensão nacionais. As baixas taxas de cobertura dos regimes de previdência complementares, especialmente entre os pensionistas de baixa renda e pequenas empresas, indicam que essas alternativas são incapazes de compensar a contenção de custos da previdência social.
Desanimado por conta da resistência das pessoas em investir em produtos do mercado, o governo decidiu estimular os fundos de pensão empresariais. As últimas propostas do governo do estado de Hesse e do ministro do trabalho buscam “incentivar” empresas a oferecer regimes de pensão profissionais. As empresas teriam de optar por não pagar um fundo de pensão complementar estatal. Seus proponentes esperam que essa alternativa simples e garantida pelo governo aumente as taxas de cobertura.
Os planos são louváveis, especialmente se também se propuserem a corrigir o pouco interesse entre os que ganham menos (cuja contribuição para a previdência complementar é deduzida atualmente de tal modo que seu benefício da previdência pública fica abaixo do índice mínimo). Ainda assim, essas propostas fazem muito pouco para resolver o problema.
Capital Político
Além da baixa taxa de natalidade, do aumento da expectativa de vida, mais anos de escolaridade e do número crescente de famílias monoparentais, a Alemanha é também o símbolo da dualização do mercado de trabalho: trabalhadores do núcleo sindicalizado e industrial com muitos benefícios contrastam com trabalhadores de meio período e eventuais no setor periférico de serviços. Planos com a intenção de elevar as taxas de cobertura para as alternativas complementares dificilmente servem a quem corre o risco de se encontrar pobre na aposentadoria, porque muitas vezes essas pessoas não têm condições de contribuir com esses regimes e seus empregadores são mais propensos a não participar deles de forma desproporcional.
O que vemos é uma matriz institucional incômoda, em que novos elementos são sobrepostos a um sistema antigo que ainda precisa ser ajustado para atender às novas realidades sociais. Uma segunda mudança dessa política seria apropriada, ou ao menos que a primeira fosse concluída. Uma base previdenciária mais generosa seria a continuação lógica das políticas recentes, que incluem créditos previdenciários de assistência a crianças e idosos, o que já enfraquece o princípio da equivalência. Ações tímidas nesse sentido fazem parte do acordo da aliança do governo atual, mas mesmo se implementadas dificilmente serão suficientes para mudar as coisas.
O entendimento contratual do sistema previdenciário como um “seguro social” está profundamente enraizado na mentalidade alemã. Pensar a previdência como algo mais parecido com um serviço público, como educação ou infraestrutura – em que contribuição e benefício não estão necessariamente relacionados -, será uma tarefa difícil para os eleitores e exigirá bastante do capital político.
Se nenhum imprevisto ocorrer, em 2017, Angela Merkel deve ser re-eleita para um quarto e último mandato. Merkel não é conhecida por ser nem visionária, nem profundamente engajada nas questões sociais, mas uma verdadeira mudança de paradigma na previdência seria com certeza um projeto de legado bem digno.
Artigo publicado originalmente em OxPol. Acesse o artigo original aqui.
Este artigo foi traduzido para o português por Thiago Nascimento sob a orientação do Politike.
* Nils Röper é doutorando no Departamento de Política e Relações Internacionais da Universidade de Oxford.
** Thiago Nascimento é linguista e tradutor ítalo-brasileiro especializado em finanças, marketing e Ciências Humanas desde 2001. Seu trabalho inclui a tradução de livro sobre geografia física, artigos e notícias nas áreas de finanças, tecnologia, cultura e atualidades. Thiago mora e trabalha em Toronto, Canadá.
Fonte: cartacapital
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