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A essência oculta da crise política, por Renato S. de Souza








ENVIADO POR RENATO SOUZA QUA, 24/02/2016 - 12:58

“As aparências enganam, aos que odeiam e aos que amam, porque o amor e o ódio se irmanam na fogueira das paixões...”; assim cantou Elis Regina em 1979, da letra de Tunai e Sérgio Natureza



A essência oculta da crise política
por Renato Santos de Souza
“As aparências enganam, aos que odeiam e aos que amam, porque o amor e o ódio se irmanam na fogueira das paixões...”; assim cantou Elis Regina em 1979, da letra de Tunai e Sérgio Natureza
Eis a crise política atual. Por trás da fumaça aparente do fogo de ideologias em cheque, um braseiro sutil e insinuante, porém sem as labaredas da paixão, queima a vegetação rasteira, e junto com ela a seiva e a teia de tudo o que alimenta e sustenta a grande floresta humana. No final, se ele houver, perderemos todos.
Boa parte desta crise política é feita de equívocos, à direita e à esquerda. Equívocos de interpretação, de posição e de ação política.
Parte da esquerda governista, apoiando-se quase exclusivamente na retórica da luta de classes, aposta na ideia de que o objetivo da oposição, da mídia, e do poder judiciário/policial envolvido na apuração da corrupção no Brasil, é destruir o seu projeto político popular.
Parte da direita opositora, tirando proveito do enfraquecimento do Governo e dos seus partidos, aposta na narrativa da cruzada anticorrupção oferecida pela mídia e pelo poder judiciário/policial – mesmo não tendo nenhuma credencial para tal -, por pura e fugaz conveniência.
A consequência disto é uma visão dualista, maniqueísta e simplista da realidade atual, que divide o Brasil entre nós e eles, entre a planície e o morro, entre a elite e o povo, entre os corruptos e os moralmente dignos, entre os miseráveis sociais que saíram da pobreza nos últimos anos e os miseráveis mentais que querem devolvê-los para lá.
É verdade que estas divisões existem e são perturbadoras, mas não são elas que comandam o espetáculo político atualmente. A corrupção é só um pretexto útil para as forças policiais e judiciárias empoderarem-se, e para a oposição e as corporações de mídia minarem o Governo atual e seu partido. E a luta de classes é apenas uma dentre tantas lutas que se travam nas complexas sociedades modernas, e certamente não é ela que protagoniza a crise política atual. Asocialite que bate panela contra a lei das empregadas domésticas não é agente da crise, é só um produto patético das narrativas criadas para alimentá-la.
O que está em disputa no Brasil atualmente não é o combate à corrupção nem o projeto político e econômico que pende entre o liberalismo, o socialismo ou o Estado de bem estar, pois a sociedade não se divide mais apenas entre projetos políticos ou interesses de classe, nem entre corruptos e santos.
A coisa toda é mais complexa. Os interesses que mobilizam a parte da sociedade que protagoniza a crise são bem menos racionais, e não são feitos de idealidades morais ou de projetos econômicos e de estrutura social. Como diria aquele grande filósofo, não são os ideais racionais os verdadeiros motores do mundo, são as pulsões que habitam tudo aquilo que adquire um espírito de corpo, e propelem-no em direção ao poder. São as vontades de potência. E na forma como se organiza a vida política e social atual, são os interesses corporativos: a vontade de poder e de potência das corporações.
O jogo atual não é exatamente pela dominância do projeto político da esquerda ou da direita, mas pela forma de exercer o poder político no Brasil, e os protagonistas centrais deste jogo são duas forças corporativas típicas das sociedades modernas, uma em ascensão e outra em declínio: a burocracia judiciária/policial, que luta por ampliar o seu poder político e se possível eclipsar o próprio campo político convencional, e a mídia tradicional, que luta para manter o poder político que ainda tem face ao declínio do seu modelo de negócios e ao avanço da internet.
Corporações midiáticas e burocráticas não têm projetos políticos como se imagina que tenham os partidos, elas tem no máximo aliados convenientes; como todas as outras corporações, elas têm é projetos de poder, visam potencializar-se como corpo político e assim satisfazer os próprios interesses e justificar o seu próprio “ser”. Isso, há até mesmo uma metafísica do “ser” envolvida na vontade de potência das corporações em geral, uma necessidade quase existencial de construir-se, manter-se e justificar-se como “ser” no mundo.
Escolhida por estas duas corporações como cavalo de batalha de sua luta pelo poder, a narrativa anticorrupção, seletiva ao setor público, expressa um pouco isto: ela é, antes de tudo, uma narrativa antipolítica, que aponta para deslegitimar o poder político tradicional em favor dos poderes de base supostamente técnica da mídia e da burocracia judiciária/policial.
O troféu final deste jogo não é o Lula nem o mandato da Presidenta, é o nosso modelo de democracia, e o centro de exercício do poder político no Estado brasileiro. E isto coloca no mesmo barco, a deriva, tanto as forças político partidárias governistas quanto as de oposição.
Sobre a mídia tradicional há pouco a dizer que já não tenha sido dito. Trata-se de um poder em declínio, mas que ainda é formador da narrativa dominante sobre a crise, talvez pelo poder performativo da linguagem que ela ainda exerce.
A linguagem, como se aprendeu no século XX, não é apenas um espelho dos fatos e uma representação da realidade. Ela é uma atividade capaz de moldar e, literalmente, criar a própria realidade.  E a mídia é pura linguagem, então, é pura narrativa e pura criação da realidade, e uma realidade de interesse dos controladores das corporações de mídia. Então, a comunicação não é um meio entre a realidade e as ideias que fazemos dela, ela é uma ação que cria a própria realidade, no interesse dos comunicantes e seus financiadores.
E o interesse da narrativa da crise criada pelas corporações de mídia atualmente, como se sabe, é a preservação do poder e do modelo de negócios que garantiu o seu império da segunda metade do século XX até agora.
Mas a mídia tradicional é um poder muito mais delimitado historicamente que a burocracia estatal. A mesma modernização racionalista e tecnicista que empodera as corporações burocráticas atuais é responsável pelo declínio da mídia tradicional, e a sua fúria recente talvez seja o canto do cisne de um poder que vê cada dia mais o seu farol estilhaçar-se na poeira de chumbo da internet.
O movimento histórico mais preocupante, portanto, é o avanço do poder das corporações burocráticas judiciária/policial sobre o campo político. E para este avanço não se vislumbra recuo no horizonte.
Portanto, a crise essencial, duradoura e progressiva por trás desta crise aparente e eventual que enxergamos todos os dias, é entre democracia e burocracia, que é uma espécie de crise conjugal entre Governo e Estado.
A burocracia é uma das bases das democracias pluralistas modernas: ela garante a unidade, estabilidade e continuidade das coisas do Estado ante a transitoriedade e pluralidade dos governos, e ela encarna certos fundamentos de liberdade e igualdade legados às democracias modernas pelo iluminismo e pelo liberalismo político (quando tudo são regras, reduz-se a dependência pessoal, um dos fundamentos da liberdade; e a busca de igualdade de direitos perante o Estado geralmente passa por erigir critérios e controles normativos burocráticos no lugar de preferências clientelistas ou patrimonialistas).
Mas a burocracia também pode ser a ruína da democracia: ela pode tornar o Estado ingovernável – o que é o mesmo que dizer governado pelos burocratas -, inviabilizando qualquer projeto político legitimado pelo voto. E a burocratização pode ser também o caldo de cultura para a viabilização de monstruosas ditaduras, como concluiu Hannah Arendt sobre a “banalização do mal”. O que é a “banalização do mal”, de Arendt, senão o sofrimento e a morte produzidos por mãos burocráticas, num ato de racionalidade formal dos algozes, feito sem discernimento próprio e por puro dever à função, à regra, ao sistema, como concluiu ela no caso Eichmann.
Burocratas podem destruir pessoas sentados em suas escrivaninhas”, afirmou Raul Hilberg no livro “A Destruição dos Judeus Europeus”. Zygmunt Bauman, no seu “Modernidade e Holocausto”, chegou a estabelecer o roteiro que permitiu a burocratização (e banalização) do mal em pleno Nazismo: primeiro, transformar as questões humanas em objetos de poder e conhecimento, transcrevendo-as em um conjunto de medidas quantitativas; segundo, elevar o formal acima do substantivo e aplicar a estes procedimentos burocráticos rotineiros; terceiro, permitir que a racionalização burocrática crie distância social entre causa e efeito, intenções e consequências, perpetradores e vítimas; quarto, em cada fase, colocar os governados em posição de fazer escolhas, porém odiosas, e permitir-lhes participar das decisões que adversamente os afetam. Como disseram Richard Marsden e Barbara Towley, “o Holocausto foi a regra sem considerar a pessoa in extremis”.
Portanto, burocracias estatais como as que atualmente governam o andamento e o cenário político da crise não devem ser subestimadas. Paradoxalmente, erigidas como guardiãs do nosso sistema político, da democracia e da cidadania, elas podem ser o ocaso de todos eles.
O sociólogo alemão Max Weber publicou em 1918 um texto que me parece muito atual para refletir sobre este fenômeno no Brasil atual: “Parlamentarismo e Governo numa Alemanha Reconstruída”. Nele, Weber analisa o Legado de Bismarck e a relação entre burocracia estatal e política; mais amplamente, entre burocracia e democracia.
E no capítulo sobre “burocracia e liderança política”, as primeiras palavras do pioneiro e até hoje o maior teórico sobre a burocracia, são uma espécie de misto entre ceticismo e desalento: “em um Estado moderno, o verdadeiro poder está necessária e inevitavelmente nas mãos da burocracia, e não se exerce por meio de discursos parlamentares nem por falas de monarcas”.
E mais adiante, “a burocracia distingue-se de outras influências históricas do moderno sistema racional de vida por ser muito mais persistente e porque dela não se pode fugir”.
E em seguida ele coloca a questão crucial, antevendo o porvir: “sobre o fato básico do avanço irresistível da burocratização, a pergunta sobre as formas futuras de organização política só pode ser formulada do seguinte modo: como se poderá preservar qualquer resquício de liberdade individualista, em qualquer sentido? E em vista da crescente indispensabilidade da burocracia estatal e de seu correspondente aumento de poder, como poderá haver qualquer garantia de que permanecerão em existência forças que possam conter e controlar eficazmente a tremenda influência desse segmento? Mesmo neste sentido, como será a democracia de todo possível?”.
Impressionante a atualidade de Weber.
Ora, a crescente judicialização e criminalização da política, tal como se vê hoje, é a face mais atual e perversa deste empoderamento da burocracia estatal judiciária/policial frente ao campo eminentemente político dos partidos, dos parlamentos e dos governos em geral. E o que estamos vivendo na crise política atual, com a iminência do destino de um governo eleito pelas urnas ser decidido por burocratas do STF, do TCU ou do TSE, é só parte deste eclipse da democracia provocado por este irresistível avanço do poder político da burocracia, como colocado nas indagações proféticas de Weber em 1918.
É importante destacar que Weber não via a burocracia como um elefante branco destinado a emperrar todo e qualquer esforço realizador. Para ele, a burocratização é o fenômeno mais importante das sociedades modernas, pois ela encarna todos os grandes mitos e emergências da modernidade: a racionalização da estrutura organizacional; a profissionalização técnico científica dos seus membros; a formalização dos direitos, deveres e funções; e a justificação racional do uso do poder por meio de uma autoridade formalmente constituída com fundamentos legais e técnicos.
Por isto, os principais textos de Weber sobre a burocracia estão em sua maior obra, “Economia e Sociedade”, no capítulo que trata das formas de dominação. Para ele, a burocracia representa a modernização das formas de dominação social, passando da dominação carismática e tradicional para a dominação racional/legal. Ou seja, tratava-se da legitimação da dominação pelos princípios fundamentais da era moderna: de um lado o primado da razão, com a racionalidade técnica e o conhecimento científico trazidos pelo iluminismo; de outro a liberdade e a igualdade pregados nas democracias liberais modernas.
Assim, a burocracia representaria tanto a superação das formas tradicionais de autoridade, fundadas no carisma ou na tradição, como as formas tradicionais de poder, até então associado ao patrimonialismo aristocrático. Era uma nova forma de dominação, portanto.
E foi com este espírito, de dar racionalidade técnica ao Estado bem como libertá-lo da apropriação patrimonialista e clientelista radicada em nossa formação nacional, que a Constituição de 1988 aumentou o grau de burocratização do Estado brasileiro, por exemplo, criando carreiras públicas unificadas, instituindo os concursos públicos burocraticamente meritocráticos para acesso a elas, e tornando o Ministério Público um órgão autônomo para resguardar de forma supostamente igualitária e pela via judicial o interesse público e a democracia.
E, baseados na crença puramente idealista da independência dos poderes e na certeza da defesa do interesse público pelos agentes de carreira do Estado, a Constituição negligenciou qualquer controle político e/ou social permanente destes órgãos. Esqueceram-se, os constituintes, dos poderes corporativos inquebrantáveis que estavam sendo alicerçados exatamente nesta suposta autonomia de nossa burocracia em relação aos interesses políticos, e o riso que isto causaria à própria democracia que esta nova estrutura pretendia defender.
De lá para cá, o amadurecimento destas instituições associado a um “republicanismo” ingênuo dos últimos governos e o oportunismo míope das disputas políticas entre Governo e oposição, que só ajuda a implodir a autonomia do campo político em que atuam, só fez aumentar o poder da burocracia estatal judiciária/policial, a ponto de almejarem controlar as ações políticas no Brasil.
Este era mais ou menos o cenário da Alemanha à época de Weber. Desde a renúncia de Bismarck, ela vinha sendo governada por burocratas, dizia ele.
E é aqui que ele vê de forma muito negativa o legado do Príncipe, um político tão acima dos demais que catalisou para si não só toda a atividade como também todas as expectativas políticas, seja de esperança seja de desalento, deixando atrás dele uma cultura política em declínio e um parlamento fraco e despreparado. “Um parlamento completamente impotente foi o resultado puramente negativo de seu tremendo prestígio”, escreveu Weber. O resultado foi o avanço inexorável da burocracia sobre o campo político, tomando ela as vezes deste poder após sua renúncia.
E o grande sociólogo só via uma saída para preservar um mínimo de democracia face ao empoderamento da burocracia: um parlamento forte, formado por uma elite política preparada e com capacidade de enfrentar o avanço do poder burocrático sobre o campo político; e uma sólida e elevada cultura política na sociedade.
Mal comparando, há muitas semelhanças políticas entre a era pós Bismarck na Alemanha e a pós Lula no Brasil. O ex-Presidente, assim como Bismarck, também está no centro da crise política não por seus mal feitos, mas por seu enorme prestígio e pelo empobrecimento político que se sucedeu a ele, a ponto de petistas não verem chance de continuidade do projeto político que está no Governo sem tê-lo como candidato em 2018, e a oposição não ver chances de vitória sem destruí-lo até lá.
Assim como no período de crise política após a longa passagem de Bismarck pelo governo alemão, o Brasil também parece padecer de sintomas semelhantes: empobrecimento político do parlamento, certa deterioração da cultura política na sociedade, inclusive na própria esquerda, florescimento do ódio contra ele e seu campo político – num misto de inveja e impotência por parte da oposição em relação a ele -, e, no vácuo deste arrefecimento político, o crescimento vertiginoso do poder das corporações burocráticas do Estado, particularmente a Polícia Federal, o Ministério Público e o Poder Judiciário. 
Também na Alemanha, conta Weber, “uma oposição objetiva mui raramente provocou ódio tão grande contra um estadista de tão gigantescas dimensões como a que irrompeu contra Bismarck”.
Estas e outras semelhanças sugerem que crises políticas são relativamente comuns nos períodos que sucedem a passagem de grandes líderes pelos governos.
Portanto, há muito o que aprender com aquele período vivido na Alemanha, e com os planos de pensadores como Weber para reconstruir a capacidade de governar pela via política, frente a um Estado dominado pela burocracia estatal e pela impotência parlamentar.
A questão que proponho, portanto, é que o problema de fundo da crise política não está na manutenção do atual Governo nem na disputa de projetos políticos em torno da eleição de 2018. Está sim em como recompor o campo político, qualificar politicamente as suas instituições, e desenvolver uma cultura para a democracia que permitam levar a cabo reformas de Estado que dotassem de um mínimo de autonomia a atuação política. E esta questão deveria preocupar tanto as forças que estão no Governo quanto as de oposição.
Isto passa por reconsiderar a narrativa sobre a crise e sobre o seu possível desfecho, pois esta luta envolve preliminarmente a preservação da possibilidade de fazer política antes do que os projetos políticos em si.
Para além do curto prazo, as narrativas da crise pela via da luta de classes, pelo embate entre ideais de projetos políticos, econômicos e sociais, assim como pelo combate à corrupção, além de esconderem o que realmente está em jogo, só fazem reforçar os poderes burocráticos que ora eclipsam a política, os políticos e a própria discussão democrática destes temas e destes projetos, porque deslocam as ações concretas que alimentam as crises e que podem supostamente superá-las para as corporações judiciária/policial do Estado, que não necessitam discuti-los nem legitimarem-se socialmente para deliberar sobre eles.
Nas condições atuais, qualquer desfecho eventual para a crise será uma vitória de Pirro, pois além de ter elevado custo político, será arbitrada por estes poderes de Estado, já com ares de poderes concedentes, que fazem política mas sobre os quais a política convencional não têm acesso. Tanto a continuidade do atual Governo quanto uma eventual vitória da oposição terá representado mais poder à burocracia, e não irá afastar a crise política do horizonte, pois esta é uma crise da democracia, uma crise entre os governos e as forças do Estado, e não entre um ou outro campo político. Os governos continuarão reféns da burocracia judiciária/policial atual, sejam eles do campo político que forem: ou disciplinam-se aos seus desígnios ou a crise irromperá ao menor sinal de rebeldia contra ela.
Sem esta percepção política, não há chance da democracia sobrevier às investidas da burocracia estatal, e talvez amanhã não haja governo a disputar que tenha capacidade de implantar um projeto político. Por isto, é preciso uma retomada da Política como atividade, uma reafirmação da Política como instituição, e uma incrustração da Política democrática na cultura social. É preciso uma “virada política”.
Neste sentido, lamentavelmente, a centralidade da crise nas questões relativas à disputa presidencial só faz procrastinar esta necessária virada política. As vezes é preciso dar um passo atrás para avançar, desfocar da figura à frente para enxergar mais longe o cenário ao fundo, como nas fotografias.
Ante a crises políticas como a que estamos vivendo, não se pode negar a superioridade dos regimes parlamentaristas, que concentram num mesmo corpo político os dois poderes, Executivo e Legislativo. Aqui, a crise está centrada na disputa de um poder enquanto que a saída dela está noutro, e a disputa por um inviabiliza o outro.
Embora toda a crise aparente concentre-se na disputa pelo Executivo, as mudanças necessárias são essencialmente parlamentares. Elas envolvem não só reformular a política de forma a dar estabilidade aos governos, nos termos das discussões sobre a reforma política, como principalmente reformular o Estado brasileiro, talvez refundá-lo, de maneira que suas estruturas e seus agentes não possam tão facilmente conspirar contra os governos e suas políticas públicas.
Isto envolveria, por exemplo, a reformulação do acesso às carreiras de Estado, descentralizando dos meios meramente burocrático/meritocráticos; a constituição de controles políticos e sociais mais efetivos sobre a burocracia estatal e seus agentes, que acompanhem as atividades destes poderes e aos quais eles tenham de prestar contas fora de seu próprio meio; e a reformulação dos mecanismos de controle sobre as políticas públicas e o uso dos recursos públicos, hoje baseados essencialmente na restrição normativa associada à legitimidade formal (controles burocráticos), orientando-os para um modelo de maior autonomia dos agentes associado à necessidade de legitimidade social (controles mais participativos).
Ora, estas são tarefas do Congresso, e que exigem certo consenso de diagnóstico, concentração de forças e concertação de interesses para se viabilizarem. Provavelmente só uma nova Assembleia Constituinte seria capaz disto, mas disputas que enfraquecem o parlamento, como as atuais, só o tornam presa fácil no movediço terreno da burocracia, e afastam cada vez mais a possibilidade do seu protagonismo, talvez até um ponto de não mais haver retorno.
Mas que fazer, se a visão é turva, se as aparências enganam, e se o amor e o ódio se irmanam na fogueira das paixões.

Fonte: ggn

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