Estudante
elaborou estudo que mostra que apenas 2% dos alunos que ingressaram na
universidade em 2010 são pretos
Uma
das maiores universidades do país, a Universidade de São Paulo (USP) não adota
a política de cotas no tradicional processo seletivo da Fuvest — aos alunos
negros, é dado somente um bônus adicional de 5% na nota final do vestibular.
Percebendo a disparidade na composição racial da instituição, o estudante de
Geografia Hugo Nicolau elaborou um estudo, batizado de “Onde estão os negros da
USP?”, que apresenta, em mapas, a distribuição de brancos, asiáticos, negros,
pardos e indígenas na universidade. Com base em dados da Fuvest 2010 e do
último censo do IBGE, ele concluiu que, naquele ano, 77% dos alunos que
entraram na USP eram brancos, 10% pardos, 10% asiáticos e apenas 2% eram
pretos. “Os negros só são maioria entre os funcionários terceirizados”, afirma
Nicolau, que ingressou no curso de Geografia com os bônus de escola pública e
racial. Em entrevista à UNE, ele fala sobre a pesquisa e as deficiências dos
atuais programas de bônus da Fuvest.
De
onde veio a ideia da pesquisa?
A
pesquisa foi criada para o blog Desigualdades Espaciais, que é um projeto
pessoal e está no ar desde agosto de 2015. O principal propósito é denunciar a
segregação racial e as desigualdades espaciais através de mapas, dando um novo
uso à cartografia, como uma ferramenta de denúncia das desigualdades nos mais
diversos espaços. A ideia é ir além dos gráficos e tabelas, utilizando dados
que estão disponíveis publicamente e analisá-los de maneira crítica, sob o viés
da desigualdade. A ideia de criar o mapa sobre a distribuição dos negros na USP
surgiu depois de começar a pensar sobre novas formas de usar os mapas raciais
de pontos, que já havia usado anteriormente para analisar a distribuição racial
nas cidades. Conversando com amigos que também são da Geografia sobre a
ausência de professores e alunos negros e o desconhecimento e/ou falta de
interesse deles sobre a situação do negro e a questão racial no Brasil, a ideia
foi tomando forma. Comentei com eles a ideia de fazer o mapa da USP e todos
gostaram, acharam que era fundamental levantar esse debate sobre a ausência de
negros na USP.
Como
é a representação de negros no seu curso?
Comparado
com outros cursos da USP a Geografia é um curso com grande quantidade de
negros, cerca de 20%, mas ainda abaixo da média do Estado de São Paulo. Em
2010, com exceção da Geografia, havia mais pessoas amarelas do que pretas em
todos os cursos da USP, segundo os dados da Fuvest.
Como
você avalia os programas de inclusão racial e social da USP?
Há
um estudo da Anna Carolina Venturini, do Grupo de Estudos Multidisciplinares da
Ação Afirmativa da UERJ (Gemaa), muito importante, que analisa os programas de
inclusão da USP, que são o Programa de
Inclusão Social da USP
(Inclusp) e o Programa
de Avaliação Seriada (Pasusp). Após ler o estudo da Gemaa,
fica claro que os programas de inclusão social da USP são extremamente falhos e
que, desde a sua criação em 2006, não houve avanços significativos, já que não
incluem cotas nem critérios de renda familiar — apenas um critério racial que
concede um bônus adicional de 5% na nota final, o que é uma porcentagem muito
baixa e insuficiente para ter algum resultado significativo no sentido de
igualar as oportunidades, e um critério de escola pública que é defeituoso,
porque permite que alunos de alta renda recebam bônus por terem estudado em
escola pública. Esse bônus de escola pública deveria ser “amarrado” com
critérios de renda, para de fato beneficiar alunos de escola pública. O estudo
da Gemaa destaca o quão defeituoso é esse bônus de escola pública: “Todavia, é
curioso notar que há alunos beneficiados pelo Inclusp cuja renda familiar é
superior a 15 salários mínimos.” Isso demonstra que usar apenas o critério de
escola pública sem amarrá-lo à renda ou raça acaba promovendo mais a
desigualdade do que a igualdade.
Para
você qual a razão da resistência da maior universidade do país em aderir as
políticas de cotas?
A
razão está no fato de ser uma universidade onde os filhos da elite brasileira
estudam, e o interesse dessa elite é manter os negros e indígenas longe da USP.
Utilizam o discurso meritocrático para serem contra as cotas, mas vários
estudos já demonstraram que alunos cotistas tem desempenho igual ou maior do
que os demais. A desculpa usada é de que a USP já possui programas de inclusão,
porém, como demonstrou o estudo da Gemaa, esses programas não são suficientes.
Desde 2006 não houve mudanças significativas. Nesse sentido, vale destacar o
papel do movimento negro na USP, como a Frente Pró Cotas e a Ocupação Preta,
que em 2015 pressionaram as instâncias pela criação de cotas na USP.
Você
acha que o perfil racial dos calouros de 2016 vai mudar muito do que apontou
sua pesquisa?
Acredito
que não veremos grandes mudanças. Neste ano, a Fuvest adotou o Sisu para cerca
de 10% das vagas, mas essas vagas não incluem cotas raciais. Apenas 255 terão
cotas, o que é um absurdo, já que na Fuvest são cerca de 10 mil vagas. Mesmo
com o uso do Sisu, o nível do exame continuará alto, beneficiando aqueles que
tiveram um ensino de melhor qualidade e não os alunos de escola pública.
Qual
o impacto da falta de negros na universidade na produção de conhecimento e
pesquisas socialmente referenciadas como a sua?
O
impacto é enorme, porque a ausência de negros entre os docentes dificulta a
produção científica relacionada à questão do negro no Brasil, influencia
pesquisadores a trocarem de tema, já que podem não se identificar com o
orientador que não é negro e que não compartilha das mesmas experiências dele.
Não havendo negros e outras minorias entre os docentes, quem irá “brigar” por
suas causas? Quem irá defender as cotas raciais perante aos demais? Não estou
dizendo que professores brancos não possam fazê-lo mas acredito que não irão
fazê-lo com o mesmo afinco, já que são questões desconhecidas por eles.
Por
Cristiane Tada.
Fonte:
UNE
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