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Mercadante: Temer vai agravar a crise econômica




Um dos ministros mais próximos de Dilma Rousseff quando ela se encontrava no Planalto, Aloizio Mercadante continua um de seus auxiliares mais presentes no Avorada, onde a presidente se mobiliza na resistência ao golpe de Estado que a afastou do cargo sem demonstrar que havia cometido um crime de responsabilidade. Na quinta-feira passada, dois dias depois que o ministro da Fazenda Henrique Meirelles anunciou uma proposta de emenda constitucional que tentará impor um limite aos gastos do governo com base na inflação do ano anterior, Dilma e Mercadante foram ao face-book da presidente discutir as possíveis consequências dessa iniciativa com as redes sociais, em especial entre os jovens. Em seguida, Aloizio Mercadante deu esta entrevista ao Brasil 247:

247 – Os Estados Unidos têm uma legislação semelhante a proposta que Henrique Meirelles apresentou na terça-feira, numa tentativa de impor um limite para os gastos do governo, com base na inflação do ano anterior. Por causa do teto no endividamento, todos os anos a Casa Branca de Barack Obama tem sido obrigada a negociar seus gastos com o Congresso, de maioria republicana, colocando a sociedade americana sob a ameaça de paralisar todo tipo de gasto, dispensar funcionários, suspender serviçois essenciais, um caos. Você vê alguma semelhança nesses casos?

MERCADANTE – A inspiração ideológica é a mesma, claro. Estamos falando de uma visão de Estado mínimo, formulada e defendida pelo Partido Republicano desde os anos de Ronald Reagan, e que foi assumida agora pela área economica do governo temporário de Michel Temer. A diferença é que o Brasil não é a maior economia do mundo e vive uma situação historicamente mais difícil. Por fatores que ninguém precisa debater aqui, nosso setor privado não possui o mesmo dinamismo nem a mesma força para oferecer serviços na mesma quantidade, com amesma qualidade, como se vê nos Estados Unidos. Ou seja: aplicando uma receita parecida, de escolhimento do Estaddo, teremos resultados ainda piores para a maioria da população. 

247 – Por exemplo...

MERCADANTE – Vamos começar pelo básico, saúde e educação. São áreas cuja carência nenhuma autoridade tem o direito de colocar em questão e que necessitam de uma elevação real de investimentos para responder ao que é mais urgente. Quando você decide, por antecipação, que irá congelar os investimentos pela inflação passada, está dizendo que seus gastos terão de ser reduzidos. Num país que necessida de investimentos de longo prazo, amplos e permanentes, isso quer dizer que estamos desistindo de resolver toda deficiencia importante do Estado brasileiro. Para complicar, estamos falando de uma proposta de emenda constitucional e não de uma lei ordinária, um projeto de ajuste no orçamento que se aprova num ano mas pode ser revisto no ano seguinte. O próprio Meirelles já disse que não se trata de um programa temporário, mas permanente. Com esse programa, o governo de MIchel Temer está dizendo que sua prioridade é manter as contas equilibradas, acima de tudo, sem importar as consequências para a vida das pessoas e das famílias. 

247 – Num vídeo que circulou nas redes sociais, você falou de Desordem e Retrocesso, para sublinhar que o plano contrariava a orientação de nossa bandeira, que fala em Ordem e Progresso. Por que?

MERCADANTE – É claro que, como economista, discordo dos pressupostos da proposta do Meirelles. Acredito que o problema essencial do Brasil continua sendo avançar no desenvolvimento, criar empregos, ampliar o mercado interno e diminuir a desigualdade. Acredito sim no papel da economia de mercado mas estou convencido que o Estado tem uma função essencial nessa tarefa. Os pressupostos da proposta do governo temporário são outros. Envolvem a crença absoluta na capacidade do mercado para resolver nossos problemas. Mesmo admitindo que faltam recursos ao Estado, Meirelles nem cogita em elevar impostos, cobrando mais de quem pode pagar mais e hoje paga muito pouco, ou nem paga nada, como é o caso das famílias que embolsam lucros e dividendos. Seria uma mudança positiva para um país com a nossa desigualdade. Mesmo quem partilha de um ponto de vista semelhante ao o ministro da Fazenda tem manifestado muitas dúvidas.

247 – Como assim?

MERCADANTE – Numa estimativa publicada pelo Valor Econômico, no dia seguinte ao anuncio, descobre-se que o plano só poderá atingir os resultados esperados, com um resultado próximo de déficit zero, em 2025. Ou seja: estamos falando de uma proposta de solução dos mais graves problemas da economia que pede aos brasileiros para esperar nove anos de sacrifícios para o plano quem sabe possa vir a dar certo. Se estivéssemos falando de algum tipo de economia planificada, com forte presença do Estado, isso até poderia fazer sentido – ao menos no plano doutrinário. Mas estamos falando isso numa perspectiva radical de economia de mercado. Imagine tudo o que pode e vai acontecer no mundo e no Brasil pela próxima década. Pense na China, Europa, os Estados Unidos. Teremos, no Brasil, passado por duas eleições presidenciais – se o calendário atual for mantido – e teremos um terceiro pleito a vista. 

247 – Do ponto de vista da educação, qual a perspectiva imediata?

MERCADANTE – Hoje, uma em cada quatro crianças com oito anos de idade – quando todas devem estar albatetizadas – não sabe ler corretamente. Uma em cada três não sabe escrever de forma adequada. Uma em cada duas não domina as operações matemáticas. Este é nosso universo real, que limita o crescimento dessas pessoas e, é claro, afeta diretamente nossas possibilidades de desenvolvimento. Não há como enfrentar essa herança, histórica, que se reproduz de pai para filho, e depois para neto, sem uma intervenção a altura do problema. Atuando na direção contrária, o ministro da Fazenda temporário admite cortes em áreas essenciais, e é escandoloso que isso seja dito com naturalidade, como se fosse um número, quando deveria ser motivo de indignação. Em 1994, quando tomou uma iniciativa semelhante, criando o Fundo Social de Emergência, o governo Fernando Henrique dizia que pretendia proteger os investimentos sociais, embora estivesse em busca de um acordo para reduzir despesas obrigatórias pela Constituição. É uma prova de que o ambiente político do país mudou.

247 – Qual o balanço desta experiência?

MERCADANTE – Foi uma tragédia previsível, já que a educação teve um desfalque acumulado de R$ 50 bilhões de reais, uma perda que desorganizou os gastos do ministério e só foi corrigida, mesmo assim com dificuldades, no governo Lula, depois que a economia se recuperou da crise do segundo mandado de Fernando Henrique. A penúria era tão grande, no governo do PSDB, que se assinou um decreto absurdo, que proibia a abertura de novas escolas técnicas em qualquer nível da administração, medida que dispensa comentários num país onde a procura por profissionais de técnico sempre foi maior do que a oferta.

247 – Nós sabemos que, com o tempo, isso mudou. Como?

MERCADANTE – As escolas técnicas somavam 140 estabelecimentos quando Lula tomou posse. Chegaram a 354 no final do segundo mandato. Em 2014, já no governo Dilma, chegaram a 562. Há 14 anos, nós tínhamos 70 000 estudantes matriculados em cursos profissionalizantes. Hoje são 700 000. E é claro que isso só foi possível porque se decidiu ampliar os gastos com educação, como reconhece toda pessoa capaz de abandonar ideias preconcebidas para fazer uma discussão serena sobre a realidade. 

247 – Quais são os grandes números?

MERCADANTE – Em 2002, o orçamento da Educação chegava a R$ 18 bilhões. Em 2013, bateu em R$ 90,8 bilhões, ou quatro vezes mais. Foram recursos que permitiram mudanças que nem todos percebem, mas que ocorreram em vários níveis. O piso salarial dos professores foi elevado em 47% acima da inflação. Também foi possível reforçar cursos de formação no ensino medio e fundamental, num país onde a maioria de professores de áreas importantes, como Física, sequer tem formação específica na área que lecionam. O PROUNI, uma criação do governo Lula, começou com 95 000 matrículas em 2005. Já havia chegado a mais de um milhão oito anos depois. Uma pesquisa de 2014, junto aos 481.720 alunos que participaram do ENAD, mostrou que 35% deles eram os primeiros da família com acesso ao ensino superior. É um grande avanço, que muito deve nos orgulhar, mas não vamos nos iludir. Falta muito ainda. Se hoje temos 2 milhões de universitários, faltam 7 milhões de vagas para jovens que poderiam fazer o ensino superior mas não encontram vagas disponíveis.

247 – Estamos falando da quantidade de vagas, que se ampliou consideravelmente. E a qualidade do ensino?

MERCADANTE – A qualidade, nós sabemos, envolve um processo de amadurecimento geral. A educação é um processo integral, que só funciona quando anda em conjunto. Melhores professores do ensino básico irão gerar melhores alunos do ensino médio, que irão ter aulas com mestres mais preparados para que cheguem as universidades, onde se formarão com bases melhores do que a geração anterior. Estamos no meio de um percurso, com avanços reconhecidos por qualquer instituição séria, e que não pode ser interrompido. 

247 – Você poderia dar exemplos da elevação da qualidade?

MERCADANTE – Acho que, através do programa Ciência sem Fronteiras, estamos criando a primeira geração de brasileiros com uma grande quantidade de cérebros formados nos melhores centros de estudo, pesquisa e inovação do planeta. Poucos países do mundo tem um programa de formação avançada com essa importância e essa ambição. Nosso progresso no ensino técnico também é visível. O desempenho dos brasileiros nas Olimpíadas do Conhecimento não para de melhor. Nossa delegação ficou 15o lugar em 2005, quando participou dessas Olimpíadas pela primeira vez. Em 2009 ficamos em sexto lugar, em 2013 ficamos em quinto e em 2015 nossa delegação ficou em primeiro lugar, a frente de países como Coreia do Sul, China, Taiwan, Suíça, Japão, Inglaterra. Ninguém precisa exagerar nesse resultado, querendo enxergar um mundo perfeito, no qual todos os problemas foram resolvidos. Não é assim. Em qualquer caso, estamos falando de uma Olimpíada. Mas é claro que esse desempenho mostra um ambiente de progresso e melhora. 

247 – Como isso foi possível? 

MERCADANTE – Colocando com clareza, o maior responsável é o cidadão brasileiro. Pois é ele que trabalha todos os dias para construir um país melhor para si e para seus filhos. Este é o ponto essencial. Mas eu acho que, além disso, precisamos reconhecer que algumas autoridades fizeram sua parte. As primeiras iniciativas importantes foram tomadas pelo Lula. Outras, pela Dilma, na mesmo sentido. Em 2011, primeiro ano de seu mandato como presidente, Dilma tomou uma decisão que nem sempre é reconhecida. Resolveu que seu governo nunca se limitaria a cumprir a obrigação constitucional de gastar 18% da receita líquida de impostos com educação. Sempre fez mais. No primeiro ano do mandato, gastou 18,9%. Em 2012, esse total já havia subido para 25,6% e em 2014 chegou a 23,1%. Isso representou, só naquele ano, um gasto de R$ 12 bilhões a mais do que o total obrigatório. No total, em cinco anos, Dilma investiu R$ 54 bilhões acima da determinação constitucional. 

247 – Com os cortes, inevitáveis, o que deve acontecer?

MERCADANTE – Com medidas de austeridade, o governo temporário irá agravar a crise econômica, em vez de oferecer uma perspectiva de alívio. Esse é o primeiro ponto. Em segundo lugar, a contínua perda de renda levará os filhos da classe média para as escolas públicas. Também fará com que ela abandone os planos de saúde para utilizar o SUS. Assim, numa conjuntura de perda de receitas, haverá um aumento de demanda. Podemos imaginar o resultado. 

247 – Você gravou um vídeo onde disse que, em vez de Ordem e Progresso, o lema do governo provisório de Michel Temer deveria ser Desordem e Regresso. É isso?

MERCADANTE – Eu estava falando dos cortes nos gastos com saúde, educação, benefícios sociais. Mas é um fenômeno maior, grave, que está presente em boa parte do governo temporário. Para dar um exemplo: é importante refletir sobre o que aconteceu com o protesto de toda sociedade, e não só do movimento de mulheres, quando se descobriu que não havia uma única mulher no ministério do governo temporário. Em nenhum país do mundo já se viu um governo recém chegado ao poder, que em teoria teria muito prestígio para exibir, passar seis dias fazendo convites para personalidades respeitáveis da cultura, das artes, da política, do feminismo, e receber recusas declaradas, públicas, acabando na situação daquele sujeito que convida a moça para dançar na festa e toma uma táboa, como se dizia no tempo em que o presidente MIchel Temer era jovem e frequentava bailes de adolescentes. Foram seis recusas, o que é um recorde. Isso não é coisa de governo provisório mas de governo improvisado. 

247 – O que esse problema tem a ver com Desordem e Regresso?

MERCADANTE – Mostra um descompasso muito grande entre suas ações e a realidade. Só um governo que enxerga o mundo pelo espelho retrovisor do automóvel, e ainda pensa que está vivendo num país que ficou para trás, com usos e costumes conservadores, misturados a muito preconceitos, não consegue entender a importancia das mudanças ocorridas nas últimas décadas, muitas a partir de 2003. Isso é ainda mais impressionante quando se recorda que o presidente temporário foi vice-presidente em dois mandatos de nosso governo. Apenas um olhar que vive no passado, não pode enxergar que a mulher brasileira mudou de posição, avançou em seus direitos e não pode ser excluída de um ministério, da mesma forma que não pode ficar fora do Congresso nem de um posto de responsabilidade numa grande empresa privada. Isso vale para o governo Dilma, Lula, Temer, para um grande banco, um grande grupo comercial, uma editora. Não pode, compreende? Não dá mais. Não é uma coisa de direita, de esquerda. É mais do que isso. Porque só um olhar preonceituoso pode imaginar que é impossível encontrar uma mulher qualificada para formar um ministério. Também não se compreende que não haja um ministro negro. Estamos falando de parcelas que, socialmente, compõe a maioria da população. Imaginar que elas não tem lugar num ministério é assumir, de saída, que se trata de um governo que representa a minoria social que governa o país há 500 anos. É ruim para todo mundo e dificulta a solução de problemas graves e urgentes. 

247 – Como assim?

MERCADANTE – Um caso terrível, inaceitável, como a tragédia deste estupro ocorrido no Rio de Janeiro, no qual 30 homens são acusados de atacar uma garota de 16 anos, confirma que nenhum governo, de qualquer ideologia, pode dispensar a sensibilidade feminina. Quando era secretário de Segurança Pública, em São Paulo, Michel Temer participou da criação da Delegacia da Mulher, antiga reivindicação do movimento feminista. Naquele universo considerado especialmente masculino, ainda mais há trinta anos, o trabalho era conduzido por uma delegada. 

247 – Todo mundo tem um amigo que não pode ser acusado de machista nem de racista mas é capaz de dizer que, num caso específico, não encontrou uma mulher nem um negro para uma função considerada importante...

MERCADANTE – Vamos falar de situações reais. Quem consegue se lembrar da lista de ministros do governo Temer deve fazer um esforço mental e responder, para si mesmo, algumas questões simples: será que todos ministros ocupam seus cargos porque são muito bem preparados? Será que todos tem o domínio completo dos assuntos de seus ministérios, que por sinal se tornaram ainda mais complexos e difíceis agora que um ministro terá o dever de gerir? Por acaso estamos diante de um ministério de notáveis, quem sabe cidadãos especiais, cérebros privilegiados capazes de formular respostas para os problemas difíceis que o Brasil enfrentam? Basta fazer essas perguntas para entender o que está em jogo, na verdade.

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