No primeiro ato de mobilização em defesa da candidatura Lula antes de seu julgamento no TRF4, marcado para 24 de janeiro, a Frente Brasil Popular e a Frente Brasil de Juristas pela Democracia promoveram nesta terça-feira 19 uma aula pública diante do tribunal, em Porto Alegre; professora Gisele Cittadino, coordenadora do Programa de Mestrado e Doutorado em Direito da PUC-RJ, afirmou: "todos sabem que o triplex no Guarujá nunca foi do presidente Lula. O objetivo é tirar o ex-presidente do processo eleitoral"; "Não tem outra saída a não ser considerar esse processo nulo", completou Carol Proner, professora da UFRJ; delegados em defesa da democracia e de Lula também pretendem protestar na capital gaúcha
Luís Eduardo Gomes, Sul 21 - No primeiro ato de mobilização em defesa da candidatura do ex-presidente Lula antes de seu seu julgamento no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), marcado para iniciar no dia 24 de janeiro, a Frente Brasil Popular e a Frente Brasil de Juristas pela Democracia promoveram, nesta terça-feira (19), a aula pública "Direito e Democracia" diante do tribunal, localizado ao lado do Parque Harmonia, em Porto Alegre. Três juristas e professores de Direito apontaram injustiças e ilegalidades cometidas durante o processo pelo juiz Sérgio Moro na primeira instância.
A primeira a falar foi a professora Gisele Cittadino, coordenadora do Programa de Mestrado e Doutorado em Direito da PUC-RJ, que iniciou sua fala afirmando que "não há dúvida" de que o Brasil vive um estado de exceção, com o desrespeito à soberania popular, manifestado no impeachment da presidenta Dilma Rousseff, e em um cenário de insegurança jurídica, em que a Justiça está sendo usada para fins políticos. "Todos sabem que o triplex no Guarujá nunca foi do presidente Lula. Não conheço nenhum jurista no Brasil, além do presidente do TRF4, que tenha defendido a sentença do Moro. O objetivo é tirar o ex-presidente do processo eleitoral", disse.
Segunda a falar, Carol Proner, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, começou argumentando que, se o TRF4 seguir os princípios constitucionais, "não tem outra saída a não ser considerar esse processo nulo". Remetendo-se ao livro "Comentários a uma sentença anunciada: o processo Lula" — coletânea de artigos de juristas sobre a sentença de primeira instância do juiz Sérgio Moro no chamado caso do triplex, apresentou uma série de questionamentos contra a decisão. Apontou, por exemplo, que, durante o processo, Moro informou a imprensa sobre suas decisões antes de disponibilizar os autos para os advogados de Lula, configurando assim uma violação do direito à ampla defesa. "A companhia telefônica avisou o juiz de que era o telefone do escritório de advocacia, e mesmo assim ele divulgou".
Também destacou que sentença pode ser considerada injusta porque Moro teria demonstrado “flagrante vontade acusatória” ao longo do processo, com sua atuação se confundindo com a da acusação. “Ele não é um juiz que está ouvindo as duas partes, é um juiz que muitas vezes se confunde com o acusador”, disse. Como exemplo da falta de imparcialidade na aquisição de provas, a jurista destacou a autorização dada por Moro para que o escritório de advocacia da defesa de Lula fosse grampeado, o que é ilegal por violar o sigilo entre réu e defesa. “As pessoas vem percebendo que esse processo é eivado de injustiças”, destacou.
Proner ponderou que o processo levou mais em conta quem era o réu do que os fatos alegadamente cometidos. “O Direito não poderia ser usado como instrumento de perseguição política, o lawfare, mas é isso que está acontecendo no Brasil”, disse. Além da obtenção das provas de forma ilícita, ela ainda afirmou que o processo está permeado de questões que poderiam motivar a anulação do processo, como as suspeitas de manipulação das delações premiadas. “É preciso conhecer e entender bem o caso Tacla Duran é necessário conhecer, porque ele está demonstrando com provas e perícias que houve uma fraude com relação às delações premiadas, isso põe em xeque toda a estrutura da perseguição política da Lava Jato. Nós, que trabalhamos com o Direito, não somos contra o combate à corrupção, mas não da forma seletiva e com o claro interesse de retirar o maior líder político desse país da corrida eleitoral de 2018”, disse.
Último jurista a falar na aula pública, José Carlos Moreira, professor da PUC-RS, abriu sua manifestação fazendo uma comparação entre o grupo de juízes e operadores da Justiça que têm ganhado espaço no Brasil, sem citar nomes, e o personagem Simão Bacamarte, de Machado de Assis. Em “O Alienista”, o psiquiatra Bacamarte resolve internar todos os “loucos” de sua cidade, mas depois de prender a cidade inteira “a partir de teses mirabolantes”, acaba internando a si mesmo. Moreira defendeu que, em sua sentença, Moro se deixou levar pela tese para condenar Lula, mas não apresentou provas sobre o crime que cometeu e quando cometeu. “A condenação que ele sofre é por um crime que não foi provado, portanto é inexistente, de corrupção passiva”, afirmou.
Segundo o professor, o crime de corrupção passiva se configura quando alguém recebe propina, aceita receber ou promete oferece vantagens em troca de recursos ilícitos. “Quais dessas três ações no caso específico o réu cometeu, quando e em que circunstâncias? É preciso delimitar o fato, sem o qual não se pode condenar alguém pela prática de um crime. Olhando os autos, nós percebemos que em nenhum momento da longa sentença se diz quando isso aconteceu”, avalia Moreira.
Ele destaca que a questão central do processo não é se a propriedade do apartamento no Guarujá é do presidente, mas se ele recebeu alguma vantagem pelo ato de corrupção passiva. “Qual teria sido o ato de corrupção que se acusa: o de que ele, como presidente da República, teria indicado, que é uma função da presidência, nomes para o conselho de diretores da Petrobras. Diz que, quando fez isso, ele sabia que aqueles diretores iriam cometer corrupção. Qual é a prova? A prova é que o ex-presidente teria recebido vantagens de uma conta geral de propina que seria relativa ao triplex. Mas esse fato não foi provado. Então se junta dois fatos alegados, imaginários, porque não têm prova, para comprovar um ao outro. Isso não tem consistência alguma”, disse Moreira. “A única prova, que não vale como prova de acordo com o estado democrático de direito, é o depoimento de um reú confesso, que estava há mais de um ano e meio preso — e negando isso –, dizendo que tinha uma conta geral de propina destinada para o Partido dos Trabalhadores. Cadê a prova disso? A prova disso não tem, porque o presidente Lula pediu para queimar as provas”.
Moreira ainda destacou que esse processo jurídico faz parte de um “carnaval midiático” contra o ex-presidente Lula, que tem se caracterizado pela ação de juízes que se manifestam à imprensa fora dos autos e por comportamentos que fogem ao padrão do judiciário, mas que são influenciados pelo calendário político-eleitoral. “Quantas apelações foram julgadas no período de férias coletivas do tribunal?”, questionou o jurista, referindo-se à decisão do TRF4 de marcar o julgamento para o dia 24 de janeiro.
Ao final da exposição dos juristas, o ato, que foi acompanhado por centenas de pessoas, contou com falas de representantes de movimentos sociais e de partidos políticos. A expectativa é que uma série de manifestações em defesa da candidatura de Lula à presidência ocorram antes do início do julgamento.
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