247 - O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva deu entrevista ao jornalista Fernando Morais, do blog Nocaute, e criticou o Ministério Público Federal por não se manifestar sobre as denúncias de corrupção e pagamento de propina envolvendo a Globo.
Leia um trecho da entrevista:
Fernando Morais: Boa tarde, presidente Lula. É uma alegria estar aqui com o senhor. O presidente Lula nos deu a honra de ser o primeiro entrevistado aqui do estúdio, o nosso modesto estúdio do Nocaute. Vamos conversar um pouco sobre ele e sobre o Brasil. Antes, porém, eu queria que ele fizesse a gentileza de grudar ali do lado do Cassius Clay a nossa plaquinha.
Lula: Está inaugurado. Um pouco torto, mas está inaugurado.
Fernando Morais: Presidente, primeiro eu queria começar com as coisas mais suaves: caravana. O senhor tinha feito antes uma caravana para o Nordeste, mais demorada, que eu não pude ir. Mas eu fui na segunda, a de Minas Gerais e eu fiquei muito bem impressionado. Eu queria saber a sua impressão. Qual é o saldo que fica para o senhor dessas duas caravanas, que vão continuar semana que vem.
Lula: Primeiro eu pensei que você ia começar no dia dezesseis de novembro me perguntando da vitória do Corinthians ontem. Porque ontem o Corinthians antecipadamente se tornou pela sétima vez consecutiva campeão brasileiro, que não é pouca coisa. E como no Brasil nós temos duas coisas: um partido político é o PT e o resto é antipetista. E no futebol você tem o time de futebol que é o Corinthians, o resto é anticorintiano. Então, eu só posso estar feliz porque eu trabalho com muito palmeirense.
Fernando Morais: Você assustou na hora que o Fluminense fez o gol?
Lula: Me assustei. Te confesso que me assustei. Pensei: não é possível que vai dar urucubaca. Mas depois a gente mostrou que a gente estava em primeiro lugar porque o time tinha estabilidade emocional, tinha autocontrole. Porque o nosso time não é dos melhores. O Corinthians já teve time melhor, mas na draga que está o futebol brasileiro, o Corinthians mereceu esse título. Vamos pensar agora no terceiro título mundial.
Fernando Morais: Beleza! Deus te ouça.
Lula: A caravana.
Assista ao vídeo da entrevista:
Fernando Morais: A caravana. Primeiro a do Nordeste.
Lula: Fernando, a caravana teve como objetivo. Eu tinha duas coisas na cabeça quando pensei a caravana. Primeiro, fazer um reencontro com o Brasil. O Brasil é muito grande, muito heterogêneo, é uma diversidade cultural, econômica e social muito grande. E eu tinha noção do que nós tínhamos feito no período que governamos o Brasil e queria ver, nesse momento de desmonte do Brasil, o que estava acontecendo com os setores da sociedade que tinham sido os setores mais beneficiados com os programas de inclusão social.
Então, resolvi fazer esse reencontro com o Brasil e uma tentativa de fazer com que o PT recuperasse a sua imagem diante da sociedade brasileira, porque os meninos do Ministério Público resolveram criar a ideia de criminalizar o PT. A ponto de tentarem dizer que o PT é uma organização criminosa. Era preciso recuperar a moral da tropa, recuperar o PT, fazer o PT ir pra rua. E mostrar para o PT que ninguém vai defender o PT, a não ser o próprio PT. Ou seja, ou o PT se conscientiza que a acusação que se faz ao PT na perspectiva de criminalizá-lo e tirá-lo da legalidade política, como já fizeram com o Partido Comunista no auge do PC no Brasil, inventaram essa mentira do Power Point para tentar no fundo acabar com essa coisa que começou a ser conhecida pela sociedade que são as políticas de inclusão social. Fazer com que as pessoas possam subir um degrau na escala social. Que as pessoas possam comer melhor, trabalhar melhor, ganhar melhor. Sabe? Que as pessoas possam conquistar a cidadania. Então, era esse o objetivo. E o sucesso foi extraordinário.
A do Nordeste, eu sou suspeito porque eu sou nordestino, então o pessoal fala que eu gosto muito do nordeste e o nordeste gosta muito de mim. Eu tenho orgulho de ser nordestino e tentei fazer para o Nordeste, não uma política de privilégio, tentei fazer com que aquela distorção que vinha existindo desde que D. João VI chegou ao Brasil e foi para o Rio de Janeiro. Porque até então, Pernambuco era o estado rico do Brasil e começou a fazer com que os investimentos saíssem do Nordeste e viessem para o Sul e para o Sudeste. Nós queríamos fazer que o Nordeste tivesse um pouco mais de ajuda do estado brasileiro para que o Brasil se tornasse mais igual, mais equânime. Para que o desenvolvimento ficasse espraiado por todo o território nacional e não apenas no eixo Rio-São Paulo-Minas Gerais. E isto eu fiz com muito gosto. Tanto no campo da saúde, da educação, da ciência e tecnologia e no campo da geração de oportunidade. Então, foi extraordinária essa caravana. Eu acho que o resultado foi extraordinário.
Aí eu queria fazer uma no Sudeste. Eu resolvi fazer numa região que eu tenho verdadeira paixão que é aquela parte mais empobrecida da região, não que seja pobre, mas um pouco mais empobrecida de Minas Gerais que é o Vale do Jequitinhonha. Eu tenho uma admiração pela capacidade cultural daquele povo. Mesmo vivendo em adversidade social é um povo muito criativo. Resolvi estar perto e para mim foi uma surpresa agradável, foi uma emoção o companheirismo, a presença das pessoas. Terminei Minas Gerais, eu agora vou fazer uma outra pelo Espírito Santo e pelo Rio de Janeiro e deixar para depois do carnaval fazer os estados do Sudeste e do Sul, começar pelos estados do Sul. E depois fazer a caravana do Norte, a caravana do centro-oeste. Aí eu termino e vamos ver o que vai acontecer no Brasil.
Fernando Morais: Dez entre dez brasileiros gostariam de saber o que é que o senhor acha que vai acontecer em 2018 no Brasil.
Lula: Primeiro um desejo pessoal: eu espero que o povo brasileiro esteja melhor, que tenha diminuído o número de pobres e aumentado o número de emprego, que as pessoas estejam comendo melhor, morando melhor e tendo mais expectativa de vida. E que a gente tenha eleições livres e democráticas. O que eu espero é que o jogo democrático no país que foi truncado durante tanto tempo na história do Brasil da forma mais vergonhosa possível, com uma mentira inventada de uma pedalada, desrespeitando 54 milhões de seres humanos que foram votar na Dilma. Fora aqueles que foram votar no Aécio e que, portanto, queriam democracia. Desrespeitaram mais de 100 milhões de votos para fazer com que uma pessoa que tenha assumido o cargo de deputado, sub judice, porque nem isso ele tinha eleito, assumisse a Presidência da República, para prestar serviço ao mercado e tentar desmontar toda a estrutura de desenvolvimento que o Brasil conseguiu construir ao longo de tantos anos. Espero que a gente chegue nas eleições, não importa quantos candidatos tenha, o importante é que as eleições sejam democráticas e que vença o que tiver mais votos e que respeitem o resultado das eleições como eu respeitei em 89, 94 e 98.
Então eu acho que eleição é feita para isso. Você fala a verdade, você conta mentira, faz o que você quiser, mas o importante é que tem o dia D que é o dia de abrir as urnas. Ali tem o resultado, o resultado tem que ser acatado e governo quem ganhou as eleições. Isso é consolidar a democracia no Brasil.
Fernando Morais: O senhor tem expectativa de que vão permitir que o senhor disputa as eleições?
Lula: Eu nem discuto isso. Porque se eu ficar discutindo: será que eles vão deixar, será que eu posso? Aí eu estou fazendo o jogo deles. Eu sei o que eles querem e eu sei o que eu quero. Eles não querem que eu seja candidato. Então, não tem nada melhor do que perguntar para o povo. O povo pode me condenar, ou o povo pode me eleger de novo presidente da República desse país. Eu só quero livremente provar a minha inocência, aliás eu já provei a minha inocência em cada processo. Eles que têm que encontrar provas de que eu sou culpado. E tentar tocar a vida e cuidar desse povo. Porque esse povo está precisando de cuidado. Esse povo não está precisando ser governado, esse povo está precisando de cuidado. E cuidado significa você cuidar da saúde, da educação, da segurança, da creche, universidade. Significa você cuidar do investimento em Ciência e Tecnologia, cuidar do emprego, cuidar das pessoas que ganham menos. Significa você respeitar o exercício da democracia e ao invés de tomar decisões palacianas com meio dúzia de pessoas. Voltar a fazer as conferências nacionais que eu fazia, voltar a fazer as políticas públicas que a sociedade quer que sejam implantadas. Fazer com que o Brasil seja respeitado na África, na Ásia, nos Estados Unidos. Porque respeito é bom. Eu gosto de receber e gosto de dar também. É isso que eu quero que aconteça no Brasil. E é por isso que eu tenho a firme convicção e muita vontade de concorrer nas eleições na expectativa de que o que nós fizemos é o passaporte para que esse povo nos dê mais uma autorização de uma viagem de 4 anos governando esse país.
Fernando Morais: Agora presidente, a perspectiva, a possibilidade de que a Justiça impeça o senhor de ser candidato já está permitindo muita gente, sorrateiramente, de querer tomar o seu legado de voto, de apoio popular. Como que o senhor vê essa mobilização? Porque a esquerda vai ter que ter candidato. Se não for o senhor, o que vai acontecer?
Lula: O povo não pode ser visto, tratado e pensado como gado, rebanho, que alguém é dono, que pode dizer “Vai pra lá, vai pra cá”. Não. Obviamente que, se eu puder ter influência num eleitor para votar em mim, eu vou ter. Se eu não for ser candidato, eu faria o que eu fiz a vida inteira: ser cabo eleitoral daquela pessoa que eu achar mais justo para concorrer. Eu trabalho com a seguinte ideia. Primeiro eu trabalho com a convicção e a certeza de que eu vou ser candidato à presidência da República. Se eu for candidato, eu tenho muita, mas muita certeza que as possibilidades de ganhar são enormes e eu confio muito que o povo vai compreender o que nós fizemos nesse país e o que ele pode esperar, porque vamos dizer às claras o que nós queremos fazer no Brasil. E esse país tem que voltar a crescer, o povo tem que voltar a ser feliz, o povo tem que acreditar no futuro, o povo tem que ter esperança. E o povo brasileiro sabe de uma coisa.
Se tem uma coisa que eu aprendi a fazer com o próprio povo foi a cuidar dele com carinho, a saber quem mais precisa, saber para quem o Estado tem que governar. Obviamente o Estado tem que ser de todos. Mas dentre esse “todos” você tem aqueles que precisam mais do que o outro. Você vai dar água para quem tem sede. Quem tem fartura de água vai ter que emprestar um pouco para quem tem sede. Você vai dar mais comida para quem tem fome. Quem tem muita comida vai ter que dar um pouco. É assim que a gente vai construir um mundo mais solidário, uma sociedade mais humanista. Um povo com uma concepção de solidariedade maior. Eu sonho.
Agora, o que está acontecendo? Eu acho que quem está numa encalacrado não sou eu. Eu acho que há uma perspectiva e uma tentativa de julgar os 12 anos do PT no governo. E para fazer esse julgamento eles construíram uma mentira monstruosa. Construíram uma mentira, criando a ideia e apresentando em rede nacional de que o PT era uma organização criminosa, de que o PT nasceu para ser uma quadrilha, que o PT pensou em ganhar para poder roubar. E que quando eu ganhei, montei para roubar.
Eles querem julgar porque eu indiquei, porque eu não escolhi você para ser secretário de comunicação, porque eu escolhi o Franklin Martins, porque que eu indiquei não sei quem. Como se alguma pessoa soubesse anteriormente que um cidadão vai roubar. Ninguém tem escrito na testa que é ladrão. Às vezes as pessoas mesmo sendo ladras elas parecem as mais honestas do planeta.
Eu estou sendo acusado de uma série de bobagens. Eu fico até irritado com os depoimentos porque são de uma cretinice sem tamanho. E como esse processo, tem coisas sérias nele. É importante aproveitar o Nocaute para dizer que eu não sou contra a Lava Jato, de combate à corrupção. Tem coisa muito importante. O povo brasileiro fica feliz de saber que rico está indo para a cadeia, de saber que, se o político roubou, vai para a cadeia. Porque antes só ia para a cadeia o cara que roubava um Melhoral na farmácia, o cara que roubava um pão, uma galinha. Esse coitado vai preso e passa 3 anos na cadeia e tem que ter um advogado que faça assistência pra ele. Então isso é importante. Mas é importante separar o joio do trigo. Todo processo, para rico e para pobre, ele tem que ter um determinado critério. As pessoas têm que ter direito à defesa. As pessoas não podem ser acusadas e condenadas pelos meios de comunicação. Porque no caso do PT, eu já apresentei todas as minhas defesas, todas as provas da minha inocência e eles até agora não apresentaram uma única prova de culpa.
Aliás, o promotor que é o chefe do PowerPoint nunca apareceu em nenhuma audiência. As audiências não são levadas em conta. Só para você ter ideia, essa audiência agora, no caso da Zelotes que fala dos caças, nada menos do que Dilma Rousseff foi testemunha, Nelson Jobim, que foi ministro da Defesa, companheiro Celso Amorim, foi ministro da Defesa também, o brigadeiro Saito e os militares responsáveis pela escolha técnica. Então eu não sei em que momento de loucura alguém imaginou: “Bom, o Lula teve influência na escolha dos caças”. E por aí vai.
Eu fui prestar depoimento sobre o estádio do Corinthians. Eles não leem jornal e só aqueles que eles querem ler, e não sabem que eu defendia que a Copa do Mundo fosse realizada no Morumbi. Que eu levei no Morumbi o Serra, o Kassab, o Alckmin, a Confederação Brasileira, que era para todo mundo ver: temos um estádio pronto, vamos fazer.
Eu defendia que São Paulo, como era o estado mais importante da federação, o mais rico, o que tem o melhor futebol, não poderia ficar de fora da abertura da Copa do Mundo. Era até uma coisa engraçada porque o Sergio Cabral falava: “Eu quero que o encerramento da Copa do Mundo seja no Rio de Janeiro”. E eu falava: “Sergio, o encerramento você não sabe se o Brasil vai estar. Na abertura você sabe, então é melhor você querer fazer a abertura no Maracanã”. O que aconteceu é que o Brasil nem jogou no Maracanã.
Essa acusação de corrupção praticada pela Globo, eu nem sei se é verdade. Mas alguém tem que investigar.
Então é por isso que eu tenho consciência de que eu vou ser candidato. Eu acho que em algum momento as coisas vão clarear. Acho que em algum momento as pessoas vão perceber alguma coisa errada nessa coisa contra o PT. E eu digo para todo mundo: se no PT tiver alguém culpado, se no PT tiver alguém que roubou, essa pessoa tem que pagar. Mas essa pessoa tem que ter um julgamento certo. Isso vale para mim, para você, para qualquer um. Ninguém está acima da lei. Eu quero que todo mundo seja tratado em igualdade de condições, sem mentira.
Eu não quero falar mal de ninguém aqui, acho que todo mundo é inocente até que prove o contrário. Mas eu não sei se o Jornal Nacional vai dar o mesmo destaque que deu a mim durante 30 horas, desde que começou a operação Lava Jato, à acusação desse empresário argentino que diz da corrupção praticada pela Globo. Eu nem sei se é verdade. Eu defendo que a Globo tenha direito de defesa, que seja apurado corretamente, e ela será inocente até que prove o contrário. Mas alguém tem que investigar. O que eu acho estranho é que o Ministério Público até agora, o mesmo MP que invadiu o Instituto Lula, que invadiu a minha vida, até agora não falou nem fez nada. Espero que faça para a gente descobrir se é verdade que teve influência de um canal de televisão que deteve o monopólio seja na Copa das Confederações, seja na Copa do Mundo, seja no Sul-Americano, seja na Copa Brasil. O que é importante é que o futebol é uma paixão nacional e eu acho que está na hora dos jogos serem transmitidos ao vivo em todos os canais para todo mundo que possa ver e não só para quem possa pagar uma TV a cabo.
Sinceramente, eu poderia estar mais nervoso, mas estou tranquilo. Estou tranquilo porque tenho consciência do que eles querem, do que eu fiz, do que eu posso fazer por esse país, e quero jogar. E, com todo respeito aos demais candidatos, não sou contra ninguém que seja de direta, de centro, extrema direita, extrema esquerda, tem espaço para todo mundo, e o povo será o nosso juiz.
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