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Decisão do STF ressuscita a censura - curta e compartilhe o nosso Blog



Marcelo Auler

Em uma decisão que contraria tudo o que o próprio Supremo Tribunal Federal (STF) tem decidido sobre a liberdade de informação e de expressão – “cala boca já morreu“, sentenciou a ministra Carmem Lúcia, em 10 de junho de 2015-, o ministro Alexandre de Moraes manteve a censura imposta a esse Blog pelo 8º Juizado Especial Cível do Paraná, em 30 de março de 2016.

Moraes negou seguimento à Reclamação nº 28.747, ajuizada pelo advogado Rogério Bueno da Silva, na qual foi pedida liminarmente a suspensão da decisão do juízo paranaense. Pedido feito de forma a restaurar a autoridade do STF, que já consagrou que a Constituição Brasileira não admite censuras.

A decisão do juiz Nei Roberto de Barros Guimarães, atendendo ao pedido da delegada da Polícia Federal Erika Mialik Marena, da Operação Lava Jato, obrigou a retirada do Blog das matérias Novo Ministro Eugênio Aragão brigou contra e foi vítima dos vazamentos (editada em 16/03/2016) e Carta aberta ao ministro Eugênio Aragão (publicada em 22/03/2016). Ou seja, no entendimento do próprio STF, cerceou o direito do cidadão de acesso às informações.

Na época, a censura imposta pelo juiz foi amplamente contestada: A Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI) emitiram notas condenando a medida; A Folha de S.Paulo criticou-a em editorial (“Operação censura“); o colunista Elio Gaspari (“O Cala boca vai bem, obrigado“), o comentarista Arnaldo César (“A censura agora veste toga“) e a jornalista Sylvia Debossan Moretzsohn, através do site OBJETHOS – Observatório da Ética Jornalística) manifestaram-se contrariamente em artigos; no exterior, Rosental Calmon, criador e diretor do Centro Knight para o Jornalismo nas Américas da Universidade do Texas, usou o Facebook para condenar a decisão, como registrou o Blog Tijolaço; por sua vez, o Committee to Protect Journalists (Comitê para a Proteção dos Jornalistas) denunciou a censura em uma reportagem (O repúdio à Censura ao blog continua no Brasil e no exterior); o JornalGGN, de Luís Nassif (“Justiça curitibana censura 10 matérias do Blog Marcelo Auler” e “A ameaça à liberdade de imprensa”), o blog Conversa Afiada, de Paulo Henrique Amorim (A Favorita da PF que ataca os blogs) e os jornais O Globo e Extra (Justiça tira do ar reportagens sobre Operação Lava-Jato) noticiaram a proibição imposta aos leitores. Mais recentemente, a Revista Veja publicou em seu site (Justiça do Paraná avança sobre a liberdade de expressão) um alerta para a violação à liberdade de expressão, utilizando como paradigma a censura imposta por Barros Guimarães a esse Blog.

Discussão mais ampla – Por interpretarmos – o editor do Blog, seu defensor em Curitiba, Rogério Bueno da Silva, e advogados amigos – que a decisão do ministro Moraes contraria todo o entendimento do Supremo, recorreremos dela. Pretendemos lhe pedir a revisão da decisão. Se for o caso, levar ao debate dos demais ministros do STF até por não ser este um problema exclusivamente do Blog ou do seu editor. Trata-se de questão mais ampla, pois mexe com o direito da sociedade de ser informada. Sem censuras.

Mais ainda. Trata-se de uma discussão que deve colocar em alerta jornalistas, escritores, intelectuais, além dos próprios órgãos de comunicação. Inclusive a chamada grande imprensa. No fundo, o entendimento do ministro Moraes significa o retorno da censura. Judicial.

Censura que a maior parte da sociedade repudia. Censura que, acreditando-se no que disse a ministra Carmem Lúcia – “Cala Boca já morreu!” – imaginávamos sepultada. Mas que está sendo ressuscitada. Basta prevalecer a visão do ministro Moraes

Ao rejeitar a Reclamação, ele argumentou que a decisão do juiz paranaense não é “censura prévia”. Criticou o uso de uma Reclamação junto ao Supremo, por entender que nossa defesa estava pedindo revisão de uma decisão. Na verdade, reivindicava-se o respeito às decisões do próprio Supremo, não apenas através da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 130.

Foto: Wikipedia

Na sua interpretação, na apreciação pelo STF da famosa ADPF 130, relatada pelo ministro Carlos Ayres Britto, em 2009, o que ficou impedido foi a censura apenas antes da sua publicação.

Por esse entendimento, para o ministro, nada impede que a Justiça realize uma análise posterior do que foi divulgado e suspenda a publicação.

Esta verdadeira censura judicial, no seu entendimento, é uma das formas de reparação previstas na Constituição em casos de publicações que atinjam a honra ou algum direito dos citados. Na decisão, publicada na segunda-feira (13/11), expõe:


“A plena proteção constitucional da exteriorização da opinião (“aspecto positivo”) não significa a impossibilidade posterior de análise e responsabilização por eventuais informações injuriosas, difamantes, mentirosas, e em relação a eventuais danos materiais e morais, pois os direitos à honra, intimidade, vida privada e à própria imagem formam a proteção constitucional à dignidade da pessoa humana, salvaguardando um espaço íntimo intransponível por intromissões ilícitas externas (…)

Observa-se que a decisão combatida não impôs nenhuma restrição, ao reclamante, que ofendesse à proteção da liberdade de manifestação em seu aspecto negativo, ou seja, não estabeleceu censura prévia. Portanto, não se vislumbra qualquer desrespeito ao decidido na ADPF 130 (Rel. Min. AYRES BRITTO, Pleno, DJe de 6/11/2009), pois eventuais abusos porventura ocorridos no exercício indevido da manifestação do pensamento são passíveis de exame e apreciação pelo Poder Judiciário, com a cessação das ofensas, direito de resposta e a fixação de consequentes responsabilidades civil e penal de seus autores“. (Veja abaixo a íntegra)

A sentença do juiz paranaense foi tomada antes de ele ouvir a parte contrária. Ou seja, sem conhecer o que foi devidamente apurado para a elaboração das reportagens. Postagens que se limitavam a descrever fatos.

Apesar de no andamento da ação – que ainda prossegue – terem sido apresentadas provas documentais que comprovam a veracidade e a origem das notícias, Barros Guimarães não reviu a censura imposta. Ela persiste até os dias atuais impedindo aos leitores – isto é, aos cidadãos – o acesso às informações das duas reportagens, meramente noticiosas. Isso, na nossa percepção, feriu as decisões do STF.

Por isso entendemos que a decisão do ministro Moraes é um retrocesso em relação a todo o entendimento recente do STF. Não apenas com relação à ADPF 130 cujo voto vencedor foi do seu relator, ministro Ayres Britto. Mas fere também decisões mais recentes da corte.

Carmem Lúcia: ” a Constituição proíbe censura de qualquer maneira”. Foto: CNJ

Retroage, por exemplo, em relação ao que foi decidido, com o não menos famoso voto da ministra Carmem Lúcia, na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4815, em junho de 2015.

Naquele julgamento, o STF permitiu as biografias sem a devida autorização dos biografados. Foi a sessão em que a atual presidente do Supremo, lembrou que para atingidos com publicações a Constituição prevê a reparação. Jamais a censura.

A prevalecer a tese de Moraes, as editoras de livros passam a correr sério risco com suas publicações. De biografias, por exemplo. Afinal, pelo entendimento dele, posteriormente, poderão ter a edição recolhida por ordem judicial diante do protesto do biografado. Tal e qual aconteceu no caso do cantor e compositor Roberto Carlos. E a ADI 4815 surgiu, na realidade, para resolver esta questão. Por ela, a censura – pré ou pós – foi proibida. Com a decisão de Moraes, ressurge a dúvida:


Se for permitido retirar reportagem de um Blog, assim também acontecerá com livros nos quais se entenda que houve desrespeito à honra alheia?

Caso o ministro Moraes recorresse ao voto de Carmem Lúcia constataria o entendimento que prevaleceu naquela votação para casos de reparação à honra, pronunciado de forma didática no voto vencedor da hoje presidente do Supremo:


(…) Se houver ofensa – o que pode acontecer, pelas características humanas –, o autor haverá de responder por essa transgressão, na forma constitucionalmente traçada, pela indenização reparadora ou outra forma prevista em lei. Não se admite, na Constituição da República, sob o argumento de se ter direito a manter trancada a sua porta, se invadido o seu espaço, abolir-se o direito à liberdade do outro. No caso do escrito, proibindo-se, recolhendo-lhe a obra, impedindo-se a circulação, calando-se não apenas a palavra do outro, mas amordaçando-se a história. Pois a história humana faz-se de histórias dos humanos, ou seja, de todos nós”. (grifamos)

Em seu voto, ela insistiu diversas vezes:

“A liberdade de expressão, que é ampla, vasta, combina-se com a norma do art. 220 da Constituição, no qual se afirma ser proibida censura de qualquer natureza (…)”;


“A Constituição afirma ser livre o direito de expressão, garante a liberdade e o dever de informar e ser informado (…)”;

“O respeito ao pensar contrário é sinal de civilidade. A intolerância é fonte de enganos e fúrias e o resultado nunca é positivo para a convivência harmônica das pessoas“.

Carmen Lúcia não deixou de abordar a possibilidade de abuso – que o Blog insiste não ter ocorrido nas reportagens censuradas, meramente descritivas de fatos reais, documentados, inclusive. Pelo entendimento dela – repita-se, acolhido pela grande maioria dos ministros – ficou clara a questão:


“Há o risco de abusos. Não apenas no dizer, mas também no escrever. Vida é experiência de riscos. Riscos há sempre e em tudo e para tudo. Mas o direito preconiza formas de serem reparados os abusos, por indenização a ser fixada segundo o que se tenha demonstrado como dano. O mais é censura. E censura é forma de “calar a boca”. Pior: calar a Constituição, amordaçar a liberdade, para se viver o faz de conta, deixar-se de ver o que ocorreu“. (grifamos)

Carlos Ayres Britto (Foto Nelson Jr./STF)


Também o ministro Ayres Britto, na ADPF n° 130, enveredou por estas questões, sem autorizar jamais a censura, como entendeu o ministro Moraes. É do voto dele a explicação de que o direito à liberdade de imprensa – um direito, diga-se, do cidadão de ser informado, não simplesmente do profissional para o qual a boa informação é dever e obrigação – se sobrepõe aos demais direitos, inclusive o direito individual à intimidade, à vida privada, à imagem e à honra. Está no voto:


(…) A liberdade de informação jornalística é versada pela Constituição Federal como expressão sinônima de liberdade de imprensa. Os direitos que dão conteúdo à liberdade de imprensa são bens de personalidade que se qualificam como sobredireitos. Daí que, no limite, as relações de imprensa e as relações de intimidade, vida privada, imagem e honra são de mútua excludência, no sentido de que as primeiras se antecipam, no tempo, às segundas; ou seja, antes de tudo prevalecem as relações de imprensa como superiores bens jurídicos e natural forma de controle social sobre o poder do Estado, sobrevindo as demais relações como eventual responsabilização ou consequência do pleno gozo das primeiras. (…) (grifamos)

No entendimento dele prevalece também o direito da imprensa ser crítica pois, como disse, isto é “parte integrante da informação plena e fidedigna”:


O pensamento crítico é parte integrante da informação plena e fidedigna. O possível conteúdo socialmente útil da obra compensa eventuais excessos de estilo e da própria verve do autor. O exercício concreto da liberdade de imprensa assegura ao jornalista o direito de expender críticas a qualquer pessoa, ainda que em tom áspero ou contundente, especialmente contra as autoridades e os agentes do Estado” (grifamos)

Ao desenvolver sua tese – vencedora, relembre-se – foi ainda mais claro:


“A crítica jornalística, pela sua relação de inerência com o interesse público, não é aprioristicamente suscetível de censura, mesmo que legislativa ou judicialmente intentada”. (grifamos)

Mais ainda, lembrou que a crítica, quando a servidor público – como o caso da delegada Erika – deve ser vista com mais cautela ainda, antes de se condenar o jornalista que a exerceu:


“(…) Em se tratando de agente público, ainda que injustamente ofendido em sua honra e imagem, subjaz à indenização uma imperiosa cláusula de modicidade. Isto porque todo agente público está sob permanente vigília da cidadania. E quando o agente estatal não prima por todas as aparências de legalidade e legitimidade no seu atuar oficial, atrai contra si mais fortes suspeitas de um comportamento antijurídico francamente sindicável pelos cidadãos”. (grifamos)

Foto: Carlos Moura/SCO/STF


No mesmo diapasão foi a decisão da ministra Rosa Weber na Reclamação 16.434 (30/06/2014) e quem o jornalista Rogério Medeiros, da Século Diário, do Espírito Santo, também reclamou do descumprimento das decisões do STF pelo juízo da 6ª Vara Cível de Vitória (ES) ao determinar a retirada de reportagens do Blog. No seu voto, que concedeu a liminar nos moldes do que foi pedido ao ministro Moraes, Rosa Weber expôs de forma clara:


“Sem dúvida, a Constituição da República confere especial proteção, na condição de direitos fundamentais da personalidade, à honra e à imagem das pessoas, assegurando o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação (art. 5º, X). Quando em questão, todavia, o exercício de função de interesse
público, e não a vida privada ou a intimidade, a ponderação do interesse público na manifestação do pensamento conduz a um elevado grau de tolerância no tocante aos requerimentos de proteção do interesse individual.

Conforme já enfatizado, quando se trata de ocupante de um cargo público, investido de autoridade, e que está, no desempenho das suas funções, sujeito ao escrutínio da imprensa e do público em geral, mostram-se vultosamente mais largos os limites da crítica aceitável.” (grifamos)


A ministra, registre-se, concedeu a liminar suspendendo a decisão judicial que provocou a censura no Blog.

Enfoque do debate – A discussão que está sendo travada no caso das ações que a delegada Erika move contra o editor deste Blog – uma ação cível, em Curitiba, por conta de duas reportagens hoje censuradas, e uma ação criminal, no Rio, por reportagem publicada na revista CartaCapital, que ela também tentou censurar no site e não conseguiu – não passa pelo direito dela censurar a publicação.

Deve ser travada sim, para decidir se faz jus a uma indenização pela honra que diz ter sido ofendida. O foco deve recair sobre a “informação plena e fidedigna“, devidamente ressaltada por Ayres Britto em seu voto.

Conforme já expusemos em outras postagens, reconhecemos o direito da delegada Erika – assim como de qualquer cidadão -, de se sentindo atingida recorrer à Justiça em busca de ressarcimento pelos danos morais que alega ter sofrido.

Não é apenas por nos reconhecermos esses direitos que nos preocupamos em, ao escrever uma reportagem, fazê-lo com base em documentos e testemunhos. Isto decorre de uma obrigação profissional: o bem informar ao leitor/cidadão.

Por conta dessa prática é que temos consciência de que não provocamos nenhum dano moral nem atingimos a honra da delegada Érika. Não houve o intuito difamante ou injuriante. Reportamos fatos reais. Comprovados documentalmente. Testemunhados.

As informações referem-se a fatos ocorridos. Uma representação contra o então procurador da República Eugênio Aragão e um depoimento prestado por um delegado de polícia em inquérito policial. Devidamente documentados, como já foi apresentado aos dois juízos.

Além dos documentos anexados nas ações, no próximo dia 5 de dezembro proporcionaremos ao 8º Juizado Especial Cível do Paraná os testemunhos do hoje subprocurador-geral da República aposentado Aragão, e do delegado federal aposentado Paulo Lacerda. Serão ouvidos na Justiça de Brasília, por Carta Precatória, como testemunhas da nossa defesa no processo.

Na Ação Penal no Rio, como noticiamos em Após censurar, DPF Erika processa criminalmente jornalista, o ex-ministro Aragão e o ex-agente da Polícia Federal Rodrigo Gnazzo serão testemunhas na Exceção da Verdade. Trata-se de um incidente provocado por nossa defesa – a cargo de Luís Guilherme Vieira Advogados Associados – para mostrar que o reportado nas matérias publicadas tem respaldo em fatos reais. Devidamente testemunhado e documentados.

Além dos dois, a defesa do Blog contará com o testemunho dos desembargadores federais Abel Gomes (em atividade no TRF-2) e Sérgio Feltrin (aposentado); do ex-procurador-geral da Justiça no Rio e ex-deputado federal Antonio Carlos Biscaia (também aposentado); e dos jornalistas Elio Gaspari e Arnaldo César.

Ou seja, o Blog não recusa o debate sobre o teor das suas reportagens. Recusa sim, como grande parte da sociedade brasileira e, pelas decisões já sacramentadas, a maioria dos ministros do Supremo, o retorno da censura. Seja judicial ou não. Ela não condiz com o Estado Democrático de Direito. Contra ela, lutaremos em todos os tribunais necessários. (Abaixo a íntegra da decisão do ministro Alexandre de Moraes).





Fonte: marceloauler

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