Aluna do segundo ano do ensino médio, a estudante Ana Júlia, de Curitiba, que foi símbolo das ocupações, é a Brasileira do Ano de 2016; em entrevista exclusiva ao 247, ela afirmou que já não bastam eleições diretas para restaurar a democracia; "Precisamos de eleições gerais", diz ela; "Se a gente colocar alguém que eles não querem, vão tentar tirar de novo, com outro golpe, como fizeram com a Dilma"; embora preveja o "golpe dentro do golpe" em 2017, ela afirma que será um ano de muita luta dos estudantes contra Temer e "seu governo ilegítimo"; reveja ainda seu discurso emocionante diante dos deputados
Em outubro deste ano, uma estudante de 16 anos, a jovem Ana Júlia, do Paraná, arrebatou o País, ao fazer um discurso emocionante na Assembleia Legislativa do estado.
Aluna de escola pública, do colégio estadual senador Manoel Alencar Guimarães, ele transmitiu uma mensagem central: os estudantes são sujeitos, não objetos, e devem ser ouvidos pela sociedade.
O foco central das ocupações era a medida provisória do ensino médio, imposta goela abaixo por Michel Temer, por meio de uma medida provisória – hoje considerada inconstitucional pela procuradoria-geral da República.
"Nós não fomos ouvidos", diz Ana Júlia, em entrevista exclusiva ao 247. Além da crítica à medida provisória, ela condena o golpe contra a presidente Dilma Rousseff e afirma que já não bastam mais eleições diretas para presidente.
"Precisamos de eleições gerais", diz ela. "Se a gente colocar alguém que eles não querem, vão tentar tirar de novo, com outro golpe, como fizeram com a Dilma."
Leia, abaixo, sua entrevista:
247 – O Paraná foi o estado com mais ocupações. Como foi seu histórico nesse processo?
Ana Júlia – As ocupações começaram em outubro, aqui no Paraná, em São José dos Pinhais e foram se espalhando para a Região Metropolitana de Curitiba e para todo o estado. No dia 9 de outubro, houve um ato lindo em Curitiba, a reforma do ensino médio, que reuniu 5 mil estudantes. Depois disso, houve uma assembleia na nossa escola no dia 11.
247 – Qual era o foco principal?
Ana Júlia – Os dois focos eram a reforma do ensino médio e a PEC 55, que congela os gastos também da educação.
247 – Não é bom para os estudantes escolher se vão seguir humanas, exatas ou biomédicas?
Ana Júlia – A gente vai escolher entre aspas. A escola é que vai escolher o que vai oferecer ao aluno e, em muitos casos, vai escolher o caminho mais barato. Como vou para a área de humanas, também me incomodou o fim da obrigatoriedade de algumas disciplinas como filosofia e sociologia. Mas o mais grave é que nada disso foi debatido com os alunos, nem com os professores. Veio de cima para baixo, por meio de uma medida provisória.
247 – Por que você foi chamada a falar na Assembleia?
Ana Júlia – Infelizmente houve a morte de um colega nosso, o Lucas [Lucas Eduardo Araújo Mota]. No dia seguinte, um estudante universitário foi à Assembleia criminalizar as ocupações e dizer que nós éramos culpados pela morte dele.
247 – Esse estudante universitário era ligado ao MBL?
Ana Júlia – Eu acredito que sim.
247 – E você foi então escolhida para fazer a defesa das ocupações?
Ana Júlia – Sim, era preciso contestar aquela baixaria.
247 – Qual foi sua mensagem central?
Ana Júlia – A de que os estudantes são sujeitos do seu próprio destino, e não objeto. Isso significa que nós queremos ser ouvidos, precisamos ser ouvidos e seremos ouvidos. Além disso, estava lá para dizer que nós não somos vagabundos. Estávamos nas ocupações para fazer a defesa da educação e da escola pública.
247 – Você sentiu que foi ouvida pelos deputados?
Ana Júlia – No começo todos estavam mexendo no celular. Eles começaram a prestar atenção quando eu citei a Constituição e disse que eles também, como representantes do Estado, eram responsáveis pelo que aconteceu com o Lucas.
247 – Como você encara o momento atual do Brasil?
Ana Júlia – Estamos vivendo uma crise política enorme, com retirada de direitos e uma agressão permanente aos estudantes, aos trabalhadores e à sociedade.
247 – E a sua posição sobre Michel Temer?
Ana Júlia – Ele não tem a menor condição de governar o Brasil.
247 – Qual é a saída? Diretas já?
Ana Júlia – Eu defendo eleições gerais. Diretas para presidente só não bastam. Se a gente colocar lá alguém que eles não querem, vão tirar de novo, como fizeram com a Dilma.
247 – Como você define o impeachment?
Ana Júlia – Um golpe parlamentar, claro.
247 – E quais são seus sonhos e projetos pessoais? Já fez Enem?
Ana Júlia – Vou fazer ano que vem e quero entrar na Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná ou em outra federal, se ainda existirem universidades públicas e se ainda houver política de cotas para alunos de escolas públicas.
247 – O projeto de Temer é acabar com as universidades públicas?
Ana Júlia – O projeto é privatizar tudo. Logo vão começar a falar em mensalidades nas federais.
247 – Você é favor de cotas?
Ana Júlia – Eu não entendo como alguém pode ser contra a política de cotas. Como eu vou competir com um filhinho de papai que passou a vida inteira numa escola particular?
247 – Mas você é muito mais inteligente do que muito aluno de escola particular.
Ana Júlia – Mas eu posso ser uma exceção. Muitos estudantes de escolas públicas têm que estudar e trabalhar ao mesmo tempo. A competição é desigual.
247 – Depois que sua fala na Assembleia teve grande repercussão muitos disseram que seus pais são do PT. Isso te incomodou?
Ana Júlia – Meus pais são militantes de esquerda, ativistas de direitos humanos e apoiaram as ocupações como muitos pais de outros alunos. Mas o movimento estudantil não depende de mim, muito menos dos meus pais. Foi outra baixaria.
247 – Você está otimista em relação a 2017?
Ana Júlia – Não, eu estou pessimista porque acredito que farão o golpe dentro do golpe, para que depois tentem retirar ainda mais direitos. Mas o que eu posso dizer é que vai ter muita luta dos estudantes e dos trabalhadores. Espero que a sociedade desperte para o que está acontecendo no Brasil. Rezo para que isso aconteça.
Relembre, abaixo, a fala de Ana Júlia na Assembleia:
Fonte: brasil247
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