Texto: Larissa Gould. Fotos: Leandro Taques.
Dona Eliane Gomes da Silva, tem 67 anos, 28 em Cachoeira Escura. No
rosto e nas mãos as marcas de uma vida cheia de privações. Nos convida
para entra em sua casa, durante a marcha do Movimento dos Atingidos por
Barragens – MAB, em sua passagem pelo distrito. O único cômodo é
dividido em quarto, sala e cozinha. Nos recebe na porta, sua filha senta
em um sofá ao lado, o outro filho ao seu lado, o terceiro deitado em
uma cama nos fundos. Começa a falar rápido, antes mesmo de ligarmos os
equipamentos. As angustias de mãe têm pressa para serem botadas para
fora. Contadas àqueles jornalistas desconhecidos que se colocam em sua
frente. No desespero por ajuda, nos confere sua confiança.
É casada e têm três filhos. Arrimo de família, recebe uma pensão de
R$ 600,00 “e ainda pago aluguel”. O marido faz pequenos serviços gerais e
de pedreiro para complementar a renda. Os dois pescavam no Rio Doce
para fazer um extra. “Era muito bom antes da Lama, o povo todo pescava e
nadava. Dava para tomar a água direto do Rio que não tinha problema”,
lembra.
Nos mostra as manchas na pele dos filhos, e até do cachorro “Já
passei óleo queimado nele, não funciona, um até já morreu”, relata.
A família toda está doente. Assim como os vizinhos. Ela perdeu 30 kg e
sente dores no corpo, na barriga e na cabeça. Seu marido tem uma
infecção no ouvido há meses “saí pus com sangue”. A filha de 17 anos
teve uma infecção uterina. Todos têm doenças na pele. Mas o caso mais
grave, é o do filho mais velho, enfermo na cama: não anda, não fala.
“Ontem eu gastei meu último dinheiro para pagar o carro que faz mudança
para levar ele na UPA, por que a ambulância não quis vir pegar”. O
médico não dá diagnóstico algum. “Disse nada. Perguntou o que ele tinha
comido. Digo: é a água. Daí ele não falou mais nada. Aplicou as
injeções, mandou tomar uns comprimidos e mandou para casa. Os
comprimidos eu não comprei não por que não tenho dinheiro”. Na hora
ele até melhorou, mas foi só chegar em casa que já caiu de cama.
Por conta disso, teve que comprar os mantimentos da família fiado na
vendinha local. Não sabe como vai passar até receber. “Liguei na
Samarco, eles dizem que ‘vão vir visitar, vão vir visitar’ até hoje não
veio ninguém.”
Na conversa, dona Eliane relata, além dos problemas com a água contaminada e doenças, dificuldades para a realização do cadastros dos atingidos, até hoje ela e sua família não receberam o cartão, com o valor de um salário mínimo + 20% por dependente, que a empresa deveria dar aos atingidos.
Veja seu relato (a parte que conseguimos gravar =] )
Jornalistas Livres: O que mudou na vida da senhora e do Distrito depois da Lama?
Eliane: A situação aqui é essa, nós sobrevivíamos
dos peixes. Nós não pescava, não era com carteira, mas nós pescava para
comer e para vender. E a barragem vai, arrebenta e vai tudo embora as
nossas armadilha. Agora, estamos vivendo com as graças do senhor, e nós
bebemos dessa água. Por que a bica que tem a outra água é tanta gente
que até seca. E nós bebemos dessa água e cozinhamos dessa água e ficamos
tudo doente. Esta daqui (aponta para a filha) foi para o hospital 4
vezes, este daqui (aponta para o filho ao lado) deu pereba na perna e no
corpo todo. Eu adoeci e tô com gosto de barro na boca.
JL: A família toma esta água todo dia? Existe outra água para usarem?
E: Uai, vai fazer o quê? A gente tem que comer,
dinheiro para comprar água mineral não tem. No começo o povo começou a
partir as águas mineral aqui. Depois ó (faz um gesto de fim com as mãos)
parou. Tavam batendo até nos outros aí por causa de água. Teve até
briga, tirando sangue aí dos outros.
Disse que tinha gente pegando água mineral e vendendo. Eles tavam
dando para matar necessidade. Mas disse que tavam vendendo água mineral.
É por isso que parou. Por causa de uns, outros dançam, né?
Filha: E ninguém mais aguenta ter que ir buscar água na bica.
JL: E onde fica a bica? Como funciona?
E: É uma bica que tem ali embaixo. Tá que nem
procissão de tanta gente. Dá até briga naquela bica ali por causa de
água. E a água lá quando o sol tá muito quente a água seca. A água seca.
E aí a gente tem que beber desta água, cozinhar com ela, tomar banho
com ela.
JL: Quantas vez por dia vocês vão buscar água?
Filha: Não dá para ficar ir buscando toda hora, né. Meu pai tem problema na coluna e não pode ficar indo toda hora.
E: Ele tá indo buscar água doente. O prefeito diz
que também toma desta água. Eu digo: toma dessa água? Cê é rico, se paga
para para buscar água longe e para comprar água mineral. Agora, nós que
somos pobres que vive das graças do senhor não temos condições de
comprar. Mas Deus vai ver o que faz para nós, por que a minha vida tá
sofrida viu? Tá sofrida com esse problema desta água, adoecendo a gente
dentro de casa aqui. Não tem jeito não, é só Deus mesmo para tomar conta
de nós. O povo já pegou número de CPF e nada.
JL: Mas onde a senhora fez o cadastro?
E: Fiz ali com o pessoal ali, já tem quase um ano e
não resolveu nada. Diz eles que cadastrou né, eu ligo para a Samarco e a
Samarco todo dia diz que tá vindo aqui visitar. Todo dia eles tão vindo
visitar aqui e nunca que eles vêm visitar. Eles tá querendo é isso, que
a gente morra. É isso que eles querem. Eu não tenho uma casa, um lugar
para mim poder mudar daqui para mim usar uma água que não tem infecção
nela. Água não tenho condições de comprar, então a gente tem que morrer
aqui mesmo, bebendo a água.
JL: Mas quem fez o cadastro da senhora? Te deu algum comprovante?
E: A gente fez o cadastro lá com o Celso.
JL: Mas o Celso é da Samarco, da prefeitura, de alguma igreja ou instituição?
Não é de igreja não, nem da Samarco, é um homem que conserta
televisão. Ele pegou nossos dados e falou para a gente entrar com um
advogado. Eu digo, me dá o dinheiro que eu pago o advogado.
JL: Então, na verdade a senhora nem sabe se o seu
cadastro foi feito. Esse tal de Celso pegou os dados da senhora, mas não
deu nenhum comprovante. A Samarco não veio aqui fazer o cadastro?
E: Não sei.
Filha: Não, não veio ninguém da Samarco aqui.
JL: Nem da prefeitura?
Filha: não, nada.
E: Eu ligo para a Samarco e eles dizem que vão vir
nos entrevistar e não vêm. Eu digo, ‘depois que nós estiver tudo no
caixão vocês não precisam vir mais não. Não precisa vir.
Filha: E tem um monte de gente recebendo por aí e a gente nada.
JL: E a saúde da senhora?
E: Eu vou secando, vou só secando. Meu peso não é
este, meu peso era 60 kg. Eu tô pesando 32 Kg. Aqui em mim (aponta para a
barriga) dói tanto que parece que tem uma bola, demora duas horas pra
mim conseguir andar e eu tenho que ficar assim (se contraí) parece que
tem uma coisa me cortando. Quando eu bebo está água eu vomito, dá
vomito. É essa água. Esta água tem uma coisa dentro dela que está
acabando com a vida da gente.
Filha: o médico falou que eu não estou mais conseguindo fazer ‘as coisas’ por causa desta água, que dá problema no intestino.
E: Ele ali (aponta para o filho ao lado) pegou
pereba na perna, sabe o que eu tive passar? Pó secante. Secou, mas ir
por dentro? Como fica?
A gente tá todo intoxicado, aquela ali (aponta para a filha), teve até infecção no útero. Na garganta também. Meu marido tá com o ouvido todo inflamado, sai até pus com sangue.
O único dinheiro que eu tinha, que era para eu fazer compra pra mim
comer mais meus filhos, eu paguei o carro para levar meu filho para a
UPA. Por que a ambulância não quis socorrer. O restantinho que eu tinha
para comer dentro da minha casa. Agora eu precisei de comprar troço
fiado pros filho comer. Não sei da onde eu vou arrancar esse dinheiro
para pagar.
JL: E os vizinhos?
Mesma coisa. Muitas pessoas aqui intoxico tudo. Aquela vizinha ali
(aponta para o lado) adoeceu tudo e perdeu até o pai. O pai da minha
vizinha morreu, por causa desta água aí. A água infeccionou ele todo.
JL: E os animais de estimação da senhora?
Morreu até um. Já morreu um cachorro já. Morreu um cãozinho dos meu.
Da mesma água que nós bebe, eles bebe. Da mesma comida que nós come eles
come. Eu passei óleo queimado no cachorro e não adiantou nada. Um até
já morreu.
JL: E um ano depois do desastre? Como tão as coisas?
E: Nada foi resolvido, então eles tá querendo é isso. Que a gente morre.
Fonte: jornalistaslivres
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