Doutor James Walker |
Por James Walker
Faz tempo que os
leitores escutam o termo compliance,
alguns sem entender seu significado, outros interessados em seu conteúdo, mas,
com cada vez mais frequência, o termo vem sendo empregado.
A genealogia desse instituto
vem do verbo inglês to comply,
significando assentir, concordar, seguir as regras, submeter-se às normas,
enfim, compliance, em bom português,
significa estar em conformidade.
A sociedade brasileira
vem suportando, nas últimas décadas, um modelo de (des)controle dos fenômenos
crimógenos, alicerçado em um paradigma sistêmico de matriz autoritária e
punitivista, em que o Direito Penal tem sido equivocadamente utilizado,
jurídico-politicamente, como pseudossolução da criminalidade.
Observou-se a sofisticação
da criminalidade, que ganhou novos atores, impondo-se a expansão do Direito
Penal, alterando-se, consequentemente, a sua lógica epistêmica – referimo-nos à
denominada “criminalidade moderna”.
Nesse contexto, viu-se uma
escalada dos crimes perpetrados na esfera empresarial, com reflexos impactantes
na economia e no sistema capitalista de geração e manutenção de riqueza,
porquanto tais crimes tendam a desestabilizar desde a geração de empregos,
transitando pela afetação arrecadatória, confluindo, no mais das vezes, para o
arrebatamento corporativo, seja no segmento produtivo, mas, sobretudo, na
projeção reputacional do ente coletivo.
Com efeito, o menoscabo
aos princípios reitores de conformidade (Compliance),
propicia a proliferação de um ambiente fértil às práticas ilícitas
corporativas, contribuindo para a desestabilização das relações interinstitucionais
das pessoas jurídicas com o poder público.
Nessa quadra, desponta
o instituto do Compliance como instrumento
de prevenção, detecção e combate às ilicitudes do mundo corporativo,
buscando-se, para além da remediação dos efeitos deletérios dos atos de
corrupção, ajustar os mecanismos de conformidade e governança às normatizações
postas pelo ordenamento jurídico.
O Brasil, alinhado a
uma tendência mundial de enfrentamento da corrupção, promulgou sua Lei
Anticorrupção (Lei 12.846/13), seguida do decreto regulamentador da mesma (Dec.
8.420/15), valendo-se da ancestralidade dos diplomas internacionais, sobretudo o
FCPA – Foreign Corrupt Practices Act (EUA - 1977) e o U.K. Bribery Act (Reino
Unido - 2010).
Diferentemente daqueles
diplomas estrangeiros, a lei brasileira promoveu uma ruptura na tendência de
(des)utilização do Direito Penal como equivocado instrumento de Política
Criminal, não inserindo, no rol de
medidas punitivas da Lei 12.846/13, a tipificação de condutas criminosas
atribuíveis às pessoas jurídicas, limitando-se o texto legal às
responsabilizações civil e administrativa, utilizando-se, como deve ser, o
direito administrativo sancionador.
A denominada Operação
Lava Jato trouxe à luz as consequências do menoscabo ao Compliance, revelando que uma das maiores estatais brasileiras
lidava com o assunto de forma incipiente e descuidada, na contramão de suas
concorrentes e de todo o mercado internacional. Prova disso, é que ao final de
2014 foi efetivamente “criada” uma diretoria de Compliance, tarde demais!
Que não se prendam os
céticos aos prejuízos dos dólares subtraídos por alguns funcionários, posto que
a verdadeira sangria institucional aconteceu em seus ativos de bolsa (perda
reputacional), tanto quanto o que está por vir das sanções a serem impostas
pela SEC – U.S. Securities and Exchange Comission (EUA).
Essa mesma operação,
que introduziu em larga escala o uso da colaboração premiada, revelou a
necessidade de regulamentação dos acordos de leniência, como instrumento de
consecução dos objetivos anticorrupção.
Na prática, o acordo de
leniência, da forma como previsto no Capítulo V da Lei 12.846/13 (arts. 16 e
17), tem se revelado defeituoso sob diversos aspectos, sobretudo, na medida em
que impõe ao acordante a “autoincriminação”, fator de absoluta insegurança
jurídica, previsto como requisito no § 1º, inciso III do artigo 16, que assim
dispõe: “ III - a pessoa jurídica admita sua participação no
ilícito e coopere plena e permanentemente com as investigações...”.
Evidente
que a admissão de participação em “ilícito” – conforme exigido pela Lei - subentende
a confissão de culpa e, sendo a pessoa jurídica inimputável criminalmente, essa
“confissão” recairá, invariavelmente, sobre os agentes, pessoas físicas, que
por ela agiram, ou seus administradores, vindo dessa constatação a ausência de
acordos com base nessa lei.
Enquanto a operação avança
a passos largos (Lava Jato), exigindo uma postura proativa das autoridades, o
que se assiste é um verdadeiro duelo de reserva de poder entre a CGU– Controladoria Geral da União (que
foi extinta e em seguida reinstituída pela Lei 13.341/16) e o Ministério
Público Federal, ambos disputando a hegemonia sobre os acordos de
leniência. Tramitou no Senado Federal o PL 105/2015, que já se encontra na
Câmara dos Deputados, agora sob o número PL 3636/2015, na tentativa de alterar
artigos da Lei 12.846/15 e ampliar os poderes e a atuação do MP naqueles acordos,
enfrentando o contraponto da CGU.
O fato a se lamentar é
que o Brasil brinca infantilmente de disputar poder, tornando caras ao país e à
sociedade as consequências da desconformidade, sem aprender a decantada lição
do ex-Sub-Procurador de Justiça americano, Paul McNulty, que imortalizou o
axioma “If you think Compliance is expensive, try non-compliance”.
Notas sobre o autor:
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