Por Darío Pignotti, na Carta Maior
Bendita por Francisco. O golpe que se gesta contra Dilma Rousseff não caiu nas graças do Papa, uma desconformidade que, nos últimos meses, ele vem insinuando através de uma série de gestos discretos, pontifícios. Possivelmente, o mais eloquente tenha sido a correspondência que enviou à presidenta que está a ponto de ser destituída.
“Ele (Francisco) escreveu uma carta para mim, mas não vou declarar nada mais sobre o tema, somente direi que não foi uma carta oficial, não foi uma carta do Papa como representante do Vaticano, não é uma carta para ser divulgada”, declarou Dilma, antes de completar dizendo que “gostaria muito de ser recebida pelo Papa, sempre é um prazer”. Apesar do texto da correspondência se manter reservado, qualquer descifrador de sinais compreende que se trata de um apoio, ainda mais se colocado no contexto da fluída relação política construída por ambos nos últimos anos.
O vínculo surgiu um março de 2013, quando a católica não praticante Dilma Rousseff, que havia rompido o diálogo com Joseph Raztinger – o Papa alemão militou abertamente contra Dilma e apoiou o candidato conservador José Serra nas eleições presidenciais de 2010 – viajou ao Vaticano, onde foi recebida por Bergoglio, que horas mais tarde assumiria o cargo de chefe do Estado do Vaticano. Um ex-seminarista que esteve nesse encontro disse que Dilma o felicitou por ser o primeiro Papa latino-americano, e recebeu como resposta uma declaração: “latino-americano e peronista”. “Ali começou uma empatia entre os dois”, disse essa testemunha direta do encontro. A afinidade entre os dois continuou, e o governo de Dilma apoiou a Jornada Mundial da Juventude, celebrada em julho de 2013, no Rio de Janeiro, com logística e iniciativas políticas. Na ocasião, eles voltaram a se reunir.
Nesta quinta-feira (18/8), Rousseff concedeu uma entrevista aos correspondentes estrangeiros no Palácio da Alvorada, um prédio contíguo ao Palácio de Jaburu, onde mora o atual presidente interino Michel Temer, que está pronto para se mudar de residência.
Temer já trabalha com a certeza – a mesma que têm quase todos – de que, até o final deste mês, deixará de ser um mandatário provisório e passará a ser definitivo, com direito a ocupar o Palácio da Alvorada, uma vez consumada a mais que provável destituição de Dilma no juízo político realizado pelo Senado, um processo viciado e carregado de parcialidade. “Querem me condenar sem que eu tenha cometido nenhum delito” reclamou Dilma, a sete dias do início do julgamento.
A correspondência de Francisco é uma iniciativa que demonstra sua possível desconformidade com um processo anômalo contra uma presidenta legítima, mas também merece ser avaliada por suas implicâncias diplomáticas, numa região onde ainda prevalece o catolicismo, sitiado pelo evangelismo neoconservador – uma corrente político-religiosa que tem entre seus principais representantes o poderoso Eduardo Cunha, um dos homens fortes do novo governo, sócio de Michel Temer de longa data, e também o principal responsável pela instalação e evolução do processo contra Dilma Rousseff.
A mandatária petista vislumbra que por baixo do “golpe parlamentar” se esconde a ameaça do despotismo político e da repressão. Quando a entrevista tratou sobre as tentações autoritárias de vários membros do atual gabinete, ela recomendou versos de Bertolt Brecht. Possivelmente se referia àqueles em que o dramaturgo contava como o nazismo foi se tornando mais forte numa sociedade alemã cada vez mais tolerante à barbárie. Se percebe que o tema a preocupa: há pouco mais de um mês ela falou sobre como o golpe se dissimula através de uma “cotidianidade anômala”, e citou a “banalidade do mal” da filósofa alemã Hanna Arendt.
Neste novo Brasil que se aproxima a uma nova etapa pós-democrática, são frequentes as declarações que clamam pela intolerância política e a caça às bruxas. O ar está impregnado do cheiro de vingança contra o Partido dos Trabalhadores (PT) e contra Luiz Inácio Lula da Silva, que poderia ser impedido de se candidatar em 2018, através de alguma condenação judicial forçada.
Quando surgiu a pergunta sobre o risco de proscrição ou desaparição do PT, Dilma disse que nenhuma das duas hipóteses é provável.
“Um partido com o tamanho e a tradição do PT é fruto de todo um movimento social, que vem da tradição do trabalhismo desde (o ex-presidente) Getúlio Vargas e Leonel Brizola (líder nacionalista que resistiu ao golpe de 1964), do despertar da luta sindical com Lula, o PT é o fruto do movimento religioso, do despertar do movimento das mulheres, dos negros e dos índios. É fruto de uma mudança da base da sociedade e da afirmação da cidadania, com o povo como sujeito. O PT é uma ruptura com a ideia de que o povo brasileiro tem que ser submisso. É resultado de um processo fortíssimo de representação política. Creio que o PT saberá superar os processos difíceis que atravessa”.
Dilma confirmou que irá pessoalmente ao Senado para se defender, no julgamento que terá que enfrentar, provavelmente no dia 29 de agosto. “O Congresso não tem dono, é preciso disputar todos os espaços democráticos, eu não vou dar a eles (adversários) o monopólio dos espaços, nem das demais instituições do país. Não posso me permitir vacilar nesta hora, e me fazer perguntas como `se acontece isto ou aquilo´, eu devo lutar”.
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