Quem
quiser entender por que um comerciante que jamais militou em partidos,
sindicatos ou em qualquer outro tipo de corporação ou grupo de interesses cria
um blog, funda uma ONG e chega a gastar nas atividades parte do tempo que
deveria destinar ao trabalho pela sobrevivência, basta ler o que o colunista da
Veja Augusto Nunes escreveu em seu blog.
Mas,
antes, um aviso: cuidado com o coração, caso você seja cardíaco e tenha vivido
no Brasil entre 2001 e 2002. Aliás, mesmo se não for cardíaco, não sei bem se é
bom arriscar tal leitura. Pode propiciar um mau momento para você descobrir que
sofre do coração…
Todavia,
se por sua conta e risco você quiser se expor ao lado mais obscuro do ser
humano, leia mesmo este post. Há pouca
coisa na praça capaz de revolver de forma similar o estômago de qualquer ser
humano com sangue nas veias e miolos na cabeça. Trata-se de um show de
antijornalismo protagonizado por alguém que se diz jornalista.
O
que, nessa leitura, fere a sensibilidade de qualquer pessoa decente é que um
jornalista de um grande meio de comunicação como a Veja está obrigado,
primeiro, a ser isento – ou a tentar parecer isento. Não é como editor deste
blog, que não tem qualquer compromisso desse tipo porque apenas expressa a sua
opinião sem ganhar um centavo para isso.
Em
seguida ao artigo de Nunes, segue o que dizia a Folha de São Paulo em 20/10/02
e em 01/07/01, em dois raros momentos em que fez jornalismo em toda a sua
história. Os textos, insuspeitos de serem “petistas”, mostram a falta de
vergonha na cara do colunista da revista mais vendida do país – com trocadilho,
é claro.
—–
Do
blog do colunista da Veja Augusto Nunes
07/02/2011
O
apagão do Nordeste iluminou a face enrugada do governo que já nasceu velho
O
Dicionário da Língua Portuguesa/Acordo Ortográfico informa queapagão quer dizer
“interrupção provisória do fornecimento de eletricidade a uma dada região”. Na
madrugada de sexta-feira, oito Estados
do Nordeste atravessaram a madrugada na escuridão. Houve um apagão, certo?
Errado, repetiu nesta segunda-feira o ministro Edison Lobão. Cabelos e sapatos
engraxados com igual capricho, voz de apresentador de circo, o canastrão
maranhense recitou a fala que lhe coube no ato mais recente da ópera dos
farsantes: “Não houve apagão. Houve interrupção provisória de energia
elétrica”. Quer dizer: embora tenha ocorrido seu significado, o substantivo não
aconteceu.
O
que ainda esperam os jornalistas para atirar pilhas de dicionários sobre a
figura bizarra?, estaria perguntando Nelson Rodrigues. O que há com a imprensa
que finge enxergar um ministro de Minas e Energia onde só existe o capataz do
latifúndio mais produtivo da capitania explorada pela Famiglia Sarney? Num país
sério, um Lobão seria despejado do gabinete no meio da primeira frase cretina.
No Brasil da Era da Mediocridade, é outro reincidente sem medo ─ e cada vez
mais atrevido. Já não gagueja quando conta que, entre tantos assombros, o
apagão foi expulso do país por Lula e proibido definitivamente por Dilma de dar
as caras por aqui.
Submisso
a todos os governos desde que se apaixonou pela ditadura militar, Lobão estreou
no papel de doutor em eletricidade em novembro de 2009, escalado por Lula para
justificar o blecaute que afetou metade do Brasil. Numa entrevista coletiva
inverossímil, surpreendeu a nação com a versão espantosa: ocorrera apenas a
paralisação da usina de Itaipu, provocada por trovões que ninguém ouviu e raios
que não caíram. Até então preocupada só com a própria imagem, a candidata que
foi ministra de Minas e Energia entre 2003 e 2005 enfim se animou a entrar no
picadeiro. “Nós também temos uma outra certeza de que não vai ter apagão”,
declamou. E o apagão da véspera?, intrigou-se uma jornalista. “Não confunda
apagão com blecaute, minha filha”, irritou-se Dilma Rousseff. Outra que merece
uma tempestade de dicionários. Não sabe que apagão e blecaute são sinônimos. Ou
finge não saber, o que é a mesma coisa.
“Apagão
foi o do Fernando Henrique”, ensinou. Errou de novo. Em 2001, o que houve foi
racionamento de energia, decretado para evitar um grande e demorado apagão. Ao
compreender que a insuficiência de água nos reservatórios, a falta de chuvas e
a escassez de investimentos se haviam conjugado para levar o sistema à beira do
colapso, FHC fez um corajoso pronunciamento em rede nacional de TV. Reconheceu
os erros cometidos, não se intimidou com o desgaste político resultante do racionamento,
transformou a questão em prioridade absoluta e encarregou uma força-tarefa da
busca de soluções. Entregou a Lula um país iluminado. O sucessor repassou-o na
penumbra.
A
escuridão que castigou 46 milhões de nordestinos iluminou a face enrugada de um
governo que já nasceu velho. Tem tanto apreço pela verdade quanto Lula, e está
ficando ainda mais parecido com Sarney. A exemplo do registrado em 2009, o
apagão deste fevereiro avisou, aos berros, que o sistema elétrico está em
decomposição. Os equipamentos são obsoletos, faltam investimentos, sobram
administradores ineptos. Se fosse mais que um apêndice de Lula, Dilma já teria
internado o paciente na UTI. Em vez disso, ratificou a opção preferencial pela
mentira feita pelo padrinho há oito anos. E reencenou o espetáculo da vigarice,
protagonizado pelo mesmo ministro que Sarney nomeou.
“O
sistema é robusto, é muito bom e é moderno”, fantasiou Lobão. “Não há no mundo
nada mais moderno que o sistema brasileiro”. Não pode ser robusto nem muito bom
um sistema que, segundo dados oficiais, registrou 91 apagões de menor calibre
só em 2010 ─ um aumento de 90% em relação a 2008. Não pode ser moderno um setor
controlado pela Famiglia que há 50 anos atormenta o Maranhão com o recorrente
assassinato do futuro.
Em
2009, ao celebrar a erradicação dos apagões, Dilma resumiu o segredo do
milagre. “É que nós, hoje, voltamos a fazer planejamento”. Na sexta-feira, ela
consumou o que vinha planejando faz tempo. Depois de prometer valer-se do
critério do mérito para compor o primeiro e o segundo escalões, resolveu
afastar do setor elétrico o que restava da turma do deputado Eduardo Cunha. E
entregou ao bando de José Sarney o controle completo do Ministério de Minas e
Energia.
É
como afastar o Comando Vermelho para que o PCC governe sozinho um território
sem lei.
—–
FOLHA
DE SÃO PAULO
20/10/2002
AGENDA
DA TRANSIÇÃO
País
sofre com o apagão e indeniza as distribuidoras
Foram
nove meses de redução compulsória do consumo de luz, seis deles com corte de
20% nas residências e de até 35% nas indústrias; antes, o único racionamento
importante no país após os anos 50 havia sido restrito ao Nordeste, em 87/88
CHICO
SANTOS
DA
SUCURSAL DO RIO
O
governo do presidente Fernando Henrique Cardoso foi responsável pelo primeiro
racionamento de âmbito nacional (exceto o Sul) da história moderna da energia
elétrica no Brasil (pós-Furnas). Junto com o Plano Real (iniciado no governo
Itamar Franco), foi o fato que mais afetou o cotidiano dos brasileiros nos
últimos oito anos.
Além
de terem sido obrigados a gastar menos luz, os consumidores, ao final do
episódio, foram obrigados a cobrir, via aumento de tarifa, as perdas das
empresas de energia com a redução forçada dos seus faturamentos.
Foram
nove meses de redução compulsória do consumo, seis deles com corte de 20% nas
residências e de até 35% nas indústrias. Antes, o único racionamento importante
ocorrido no país após os anos 50 havia sido restrito ao Nordeste, no período
87/88.
De
acordo com especialistas do sistema elétrico, a escassez foi precipitada pela
combinação do atraso nas obras da hidrelétrica de Itaparica (complexo de Paulo
Afonso) com a demora na conclusão da interligação Norte-Nordeste, que levaria
energia de Tucuruí para o Nordeste.
O
apagão, como ficou conhecido o último racionamento, começou no dia 4 de junho
do ano passado e se estendeu até o dia 28 de fevereiro deste ano, com
abrandamento das metas a partir de 1º de dezembro. A insuficiência de
investimentos em geração e transmissão de energia foi sua principal causa.
De
acordo com levantamento do engenheiro e economista Maurício Tolmasquin, da
Coppe-UFRJ (Coordenação dos Programas de Pós-Graduação em Engenharia da
Universidade Federal do Rio de Janeiro), os investimentos caíram de uma média
anual de R$ 13 bilhões de 80 a 89 para R$ 7 bilhões/ano de 90 a 98.
O
estudo constatou também que o menor volume de investimentos ocorreu no primeiro
mandato de FHC (1995-1998), ficando em R$ 5,3 bilhões anuais, contra R$ 6,4
bilhões no governo Itamar Franco e R$ 8,9 bilhões no governo Fernando Collor.
Os estudos técnicos apontavam para uma necessidade anual de R$ 10 bilhões ao
longo dos três governos.
Um
trabalho encomendado pelo governo à empresa de consultoria Coopers &
Lybrand, concluído em outubro de 1996, ao custo de US$ 10 milhões, já alertava
para o risco de falta de energia elétrica no final dos anos 90.
O
documento, que não teve publicidade na época, recomendava medidas que foram
tomadas durante o racionamento do ano passado, como a criação de um órgão à
semelhança do “ministério do apagão”, como ficou conhecida a Câmara de Gestão
da Crise de Energia Elétrica, presidida pelo ministro da Casa Civil, Pedro
Parente.
A
privatização do setor elétrico começou mais de um ano antes do alerta, em julho
de 1995, com a venda da Escelsa (Espírito Santo Centrais Elétricas), empresa
federal de distribuição de energia.
Em
1996 foi vendida a Light, distribuidora federal do Rio, e em 1998 foi a vez da
Gerasul (sul do país), única geradora estatal privatizada. A partir de 1996 foi
vendida a maior parte das distribuidoras estaduais, mas a privatização das
grandes geradoras federais (Furnas, Chesf e Eletronorte) ficou emperrada.
Para
o físico Luiz Pinguelli Rosa, diretor da Coppe-UFRJ, “há uma relação direta,
causal entre o apagão e o programa de privatizações”. Para ele, ao decidir
criar um mercado de energia elétrica e privatizar as empresas, o governo passou
a restringir os investimentos das geradoras estatais.
“Entregou-se
a gestão da energia elétrica ao setor macroeconômico do governo”, disse.
Segundo Pinguelli, o dinheiro das estatais do setor passou a ser usado para
fechar as contas do governo, e as empresas privadas não investiram porque o
setor público não definiu as regras para esses investimentos.
O
físico defende para o setor elétrico um modelo no qual se combinem
investimentos públicos e privados, dentro de regras que considerem a energia um
serviço público, com obrigações claramente definidas para seus participantes.
Outro
especialista, o engenheiro Adriano Pires Rodrigues, também da Coppe, tem ponto
de vista diferente. Para ele, “a falta de privatização gerou o apagão”.
Rodrigues diz que o governo pecou por falta de planejamento.
Os
problemas, na sua avaliação, começaram com a venda das distribuidoras antes das
geradoras. Prosseguiram quando o governo interrompeu as vendas de estatais,
temendo a elevação de tarifas e a consequente inflação, e ficou esperando que o
setor privado investisse no lugar das estatais. “Deram o azar de vir uma seca,
e o resultado foi o apagão”, conclui.
—–
FOLHA
DE SÃO PAULO
01/07/2001
PAÍS
NO ESCURO
Segundo
pesquisa Datafolha, 70% acreditam que inflação vai subir; para 72%, desemprego
aumentará
Pioram
as expectativas em relação ao país
MARTA
SALOMON
SECRETÁRIA
DE REDAÇÃO DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O
orgulho de ser brasileiro é um sentimento em baixa. No retrato traçado pelo
Datafolha na semana passada, um certo baixo astral é embalado pelo aumento do
pessimismo com a situação econômica do país e a situação individual dos
entrevistados.
Entrevistas
feitas com 12.601 pessoas em 348 cidades do país traduzem esse sentimento como
um temor mais acentuado dos brasileiros em perder duas coisas: o emprego e o
poder de compra de seus salários.
Os
números apontados pela pesquisa só encontram paralelo durante o governo
Fernando Henrique Cardoso no período que se seguiu à desvalorização do real,
ocorrida em janeiro de 1999, quando o governo foi constrangido a abrir mão do
câmbio fixo.
Entre
as expectativas negativas, o medo de volta da inflação é o que mais chama a
atenção. A taxa medida na última pesquisa Datafolha é a mais elevada em quase
oito anos.
A
expectativa generalizada é de que os preços deverão aumentar. Ela só foi tão
grande quanto agora na época em que o Plano Real nem passava de um esboço e os
tucanos mal sonhavam em chegar ao Planalto.
Na
semana passada, 70% dos entrevistados apostaram que a inflação vai aumentar,
contra apenas 4% que achavam que os preços vão diminuir.
Essa
avaliação é um recorde desde agosto de 93, quando FHC só contava três meses à
frente do Ministério da Fazenda do governo Itamar Franco. Só para comparar,
quando o Real foi lançado, em julho de 94, apenas 14% dos entrevistados
acreditavam em aumento de preços.
O
sentimento detectado pela pesquisa ganhou carimbo de previsão oficial no último
relatório de inflação divulgado anteontem pelo Banco Central. A previsão
oficial de inflação aumentou um ponto percentual desde março e deverá bater em
5,8% em 2001.
Ainda
de acordo com o BC, há 40% de chances de a inflação ultrapassar a meta de 6%
até o fim deste ano.
A
principal reação ao aumento da inflação percebido pelos entrevistados é um
aperto no consumo: 41% dos que responderam à pesquisa disseram que pretendem
consumir menos nos próximos seis meses.
No
fim de 99, ainda sob o efeito da desvalorização do real, 27% dos entrevistados
davam a mesma resposta. Agora, a pretensão de aumentar o consumo não chega a
animar nem a quinta parte da população.
E
como anda a esperança de que a situação econômica vai melhorar? Em baixa, diz a
pesquisa: 44% acham que a situação vai é piorar, dez pontos percentuais a mais
do que o contingente que engrossava essa aposta há apenas três meses.
Principal
problema
A
crise energética -apontada como responsável pela queda no ritmo de crescimento
da economia e como uma das principais causas do fôlego tomado pela inflação-
está distante de representar a principal preocupação dos brasileiros, segundo a
mais recente pesquisa Datafolha.
No
topo da lista de problemas percebidos no país, permanece, imbatível, o
desemprego, mencionado por 33% dos entrevistados, sobretudo entre jovens e no
Nordeste.
A
crise energética apareceu pela primeira vez na última pesquisa entre as
respostas espontâneas, citada como o principal problema por 6% dos
entrevistados.
Nota-se
que a crise de energia tem um peso maior em Belo Horizonte entre as dez
capitais pesquisadas pelo Datafolha.
Justamente
no Estado governado por Itamar Franco (PMDB), um dos principais críticos do
racionamento e do modelo energético do governo.
De
acordo com a pesquisa, menos gente percebe a saúde, a educação, o salário ou
mesmo a segurança como maior problema de responsabilidade do governo federal.
Mas aumentou o número de pessoas preocupadas com a corrupção: de 2% para 5% nos
últimos três meses -período em que o governo conseguiu deter a abertura de uma
CPI da corrupção no Congresso. Foi a maior taxa desde junho de 96.
Curiosamente,
só 1% dos entrevistados apontaram a inflação como maior problema do país. O que
mais cresceu foi a preocupação com a fome e a miséria. Em três meses, passou de
6% para 14% o percentual de entrevistados que apontam esses como os principais
problemas do país.
As
consequências sociais do cenário econômico pouco azul podem explicar o aumento,
ainda que discreto, dos que sentem vergonha de serem brasileiros.
Menos
gente acha que o Brasil é um “país maravilhoso”, ótimo lugar para se viver. Mas
trata-se de um sentimento discreto: 78% dos entrevistados ainda dizem ter mais
orgulho que vergonha, contra 87% que tinham a mesma opinião em março do ano
passado.
Fonte:
blogdacidadania
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