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O STF – Inferno de Lula e céu de Aécio, Jucá & Cia

Foto: Marcello Casal Jr/ Agência Brasil
por Bajonas Teixeira de Brito Junior, colunista do Cafezinho
A cada dia fica mais claro que o tratamento que o STF dedica aos políticos da oligarquia cleptomaníaca, como Aécio Neves e Romero Jucá, é de complacência e compreensão, enquanto reserva para Lula, e para os políticos ligados ao PT, rompantes teatrais de ira e indignação espumante.  São narrativas opostas, como efeitos políticos divergentes em nada “impessoais e isentos”. No dia 12 desse mês, após suspender a coleta de provas contra Aécio, Gilmar disse que aquilo era “normal, absolutamente normal”. Claro que era. Tanto era que agora, no dia 25, ele bloqueou um segundo pedido da PGR para processar Aécio Neves.
Mas e quanto a Lula? Para quem não está lembrado da reação do STF quando, criminosamente, a gravação de uma conversa privada entre Lula e Dilma foi divulgada, vale reler as palavras do furibundo decano Celso Mello:
"Esse insulto ao Poder Judiciário, além de absolutamente inaceitável e passível da mais veemente repulsa por parte desta Corte Suprema, traduz, no presente contexto da profunda crise moral que envolve os altos escalões da República, reação torpe e indigna, típica de mentes autocráticas e arrogantes que não conseguem esconder, até mesmo em razão do primarismo de seu gesto leviano e irresponsável, o temor pela prevalência do império da lei e o receio pela atuação firme, justa, impessoal e isenta de Juízes livres e independentes".
Essa indignação foi fabricada para amplificar os ataques da mídia e do PSDB contra Lula, sendo que todos sabiam que juridicamente não fazia sentido. Lula expressou sua percepção do acovardamento do STF em uma conversa privada, sem chances nem intenção de atingir o STF, sem esboçar ou maquinar nenhuma trama para influenciar ou cooptar o Judiciário. Ao contrário, o STF sim, valendo-se de um pretexto ignóbil, veio à público para atacar e malhar a figura de Lula.
E com Jucá? Romero Jucá traça em conversa com Sérgio Machado, político que esteve no PSDB por dez anos, uma estratégia para derrubar Dilma e substitui-la por Michel Temer. A finalidade desse golpe é liquidar as investigações da Lava Jato e estancar a sangria, isto é, impedir a prisão de políticos corruptos do PMDB e seus aliados. Na conversa, é revelado que o PMDB e o PSDB estão envolvidos nos mesmos crimes que a Lava-Jato atribui apenas ao PT. E que o impeachment é parte essencial da conspiração:
MACHADO - Rapaz, a solução mais fácil era botar o Michel [Temer].
JUCÁ - Só o Renan [Calheiros] que está contra essa porra. 'Porque não gosta do Michel, porque o Michel é Eduardo Cunha'. Gente, esquece o Eduardo Cunha, o Eduardo Cunha está morto, porra.
MACHADO - É um acordo, botar o Michel, num grande acordo nacional.
JUCÁ - Com o Supremo, com tudo.
MACHADO - Com tudo, aí parava tudo.
Não resta dúvida de que se trata de um golpe para brecar as investigações de corrupção e impedir que novas prisões venham a ocorrer. Não é um golpe menor, mas o maior golpe que se poderia dar num regime democrático presidencialista ─ derrubar um presidente eleito em nome dos interesses de uma camarilha de políticos corruptos. O nome do Supremo Tribunal Federal, STF, é mencionado como parte do esquema. Mas cadê a indignação dos ministros? Cadê a estupefação e a violência verbal de Celso de Mello contra a “profunda crise moral que envolve os altos escalões da República”? Mas a coisa vai além. O diálogo continua assim:
JUCÁ - [Em voz baixa] Conversei ontem com alguns ministros do Supremo. Os caras dizem 'ó, só tem condições de [inaudível] sem ela [Dilma]. Enquanto ela estiver ali, a imprensa, os caras querem tirar ela, essa porra não vai parar nunca'. Entendeu? Então... Estou conversando com os generais, comandantes militares. Está tudo tranquilo, os caras dizem que vão garantir. Estão monitorando o MST, não sei o quê, para não perturbar.
Jucá envolveu os sagrados nomes dos ministros na trama conspiratória. E qual foi a reação? Um silêncio sepulcral como se o assunto não lhes dissesse respeito. O problema não é deles, não se falou deles, não se disse que estavam conspirando. Ou seja, não foi dito que estavam acovardados ou acocorados, mas apenas envolvidos ativamente em dois golpes: 1) derrubar Dilma passando por cima do estado democrático de direito, do qual são os guardiões, e 2) desmantelar a Lava-Jato e acabar com o risco de futuras prisões.
Isso sim era material explosivo, nitroglicerina pura, para ativar a mais vociferante ira do STF. Mas qual foi a reação da elevada corte? Coletivamente, nenhuma. Só Gilmar Mendesconversou com jornalistas:
"Não vi isso [tentativa de obstruir a Lava Jato]. A não ser, uma certa impropriedade em relação à referência ao Supremo. Sempre vem essa história: já falei com os juízes ou coisa do tipo. Mas é uma conversa entre pessoas que tem alguma convivência e estão fazendo análise sobre o cenário numa posição não muito confortável".
Toda a conspiração para Gilmar Mendes não passou de “uma conversa entre pessoas que tem alguma convivência e estão fazendo análise sobre o cenário”. O que acontece aqui? A conversa de dois políticos conspirando, vira uma mera conversa particular entre “pessoas que tem alguma convivência”, isto é, como se fossem cidadãos comuns falando do aniversário do caçula de um deles. E a conspiração para o impeachment, se transforma em simples “análise sobre o cenário”.
Diferente das conversas de Lula, os membros do STF não julgaram necessário que seu decano, afetando indignação e escândalo, falasse em nome do tribunal e fosse duro com Jucá, que alegou ter conversado com ministros do tribunal. Não viram nenhum “insulto ao Poder Judiciário”, nada de “absolutamente inaceitável e passível da mais veemente repulsa”, nenhuma “profunda crise moral” e nem sombra de “reação torpe e indigna”. Após justificar carinhosamente as ações daqueles que envolveram a mais alta corte do país em arranjos para um golpe contra a Constituição, Gilmar Mendes ainda amenizou a situação e tratou tudo como normal e corriqueiro:
“Virou um mantra, um enredo que se repete, pode deixar que resolvo. Isso também aparece de vez em quando nas gravações com advogados. […] Não há o que suspeitar do Tribunal, o Tribunal tem agido com muita tranquilidade, com muita seriedade, muita imparcialidade, a mim me parece que não há nada para mudar o curso”.
Como se vê, são dois pesos e duas medidas, um + zoom gigantesco contra Lula e um – zoom igualmente imenso em favor de Jucá e seu comparsa. Além disso, a própria operação de dar ou retirar a ênfase, funciona construindo imaginariamente um escândalo (no caso de Lula) ou anulando descaradamente uma realidade (o golpe planejado por Jucá, ninguém menos que o presidente do PMDB, ou seja, do partido que ganhou a presidência com a queda de Dilma). A narrativa autoritária atua com muita violência sobre os dados da realidade, os distorcendo ou ignorando, conforme a conveniência do momento. Dá a eles uma amplitude que não possuem, ou os torna inteiramente inocentes, muda-os de natureza (o que é político é transformado em privado e pessoal, quando interessa) ao sabor do arbítrio.
Essa narrativa é, no fundo, o discurso de justificação típico das oligarquias e demonstra seu desprezo pela lógica. O discurso lógico, de obediência às proporções e ao lugar próprio das coisas, nasceu com a democracia grega e se fortaleceu na Ágora, a praça pública. Foram as discussões iniciadas aí por Sócrates, que deram origem à lógica. Hoje a Ágora são as redes sociais, os blogs e os sites dedicados ao trabalho da contrainformação e à luta pela democracia. Esse combate é uma guerra pela coerência, pelo sentido, pela isenção e imparcialidade porque, e sobretudo, é uma luta pela lei.
A existência de uma lei, publicamente constituída, que é válida para todos e que não pode ser distorcida pelos interesses de A ou B, é o que dá coerência e sentido de proporção às narrativas e impõe o respeito pela lógica. E é ela que nos permite, por exemplo, dizer que o comportamento do STF é inteiramente parcial e que confere dois pesos e duas medidas, conforme mire Lula e o PT ou se refira aos políticos das oligarquias e seus partidos. Mas que isso aconteça, que a instituição a quem se destina ser a garantia máxima da Constituição, e, portanto, das leis, não se indigne de ser mencionada num complô contra a democracia e as leis, é o melhor indício da tragédia que vivemos hoje.
Bajonas Teixeira de Brito Júnior – doutor em filosofia, UFRJ, autor dos livros “Lógica do disparate”, “Método e delírio” e “Lógica dos fantasmas”. É professor do departamento de comunicação social da UFES

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