Plenário do Supremo: dá pra contar com eles? – Foto: EBC |
A
defesa da democracia brasileira terá de ser feita por seus cidadãos e cidadãs.
Os 11 do STF têm outra agenda
Por
Ivan Martins*
A
um passo de assumir o governo pela porta dos fundos, Michel Temer parece
assustado com a possibilidade de ser afastado da sonhada (e imerecida)
presidência por uma campanha por eleições diretas.
Explica-se:
uma pesquisa feita pelo Ibope mostrou que apenas 8% da população aprova que
Temer substitua Dilma Rousseff como presidente, enquanto 62% dos entrevistados
desejam novas eleições. Cerca de 25% apoiam a permanência de Dilma no governo.
Temer
não tem legitimidade política e não reúne apoio popular para governar, mas
conta com amigos importantes. Na terça-feira, segundo a Folha, ele ouviu de
seus emissários ao Supremo Tribunal Federal que a convocação de eleições para
substituir Dilma seria “inconstitucional”.
Animado
por essa interpretação, ele teve a cara de pau de dizer a um grupo de sindicalistas
que falar em eleições este ano seria “golpe” . A frase lembrou o romance 1984,
de George Orwell, e a sua invenção mais famosa, a novilíngua. Eleição é golpe.
Guerra é paz. Amor é ódio.
Esse
tipo de sinal sugere que não se deve esperar contribuições do Supremo para a
solução da crise política brasileira. O tribunal já deu indicações de que não
se oporá à retomada do poder pela oligarquia numa manobra de bastidores,
ignorando as aspirações populares por democracia e pelo fim da corrupção. A
despeito de quem tenha indicado cada um dos seus 11 membros, a corporação se
move por lógica própria, coerente com a história e a vocação conservadora e
classista do judiciário brasileiro. Na hora H, se alinha com o velho status
quo.
O
exemplo mais flagrante disso tem sido dado pela relutância do Supremo em
discutir o afastamento do deputado Eduardo Cunha da presidência da Câmara.
O
pedido de afastamento foi feito em dezembro do ano passado pelo
procurador-geral da República, Rodrigo Janot. Ele acusou Cunha de “destruir
provas, pressionar testemunhas e intimidar vítimas”, agindo contra a Lava Jato
e a dignidade do Parlamento. Isso ocorreu há 135 dias, mas desde então o
Supremo lavou as mãos, cruzou os braços, sentou sobre o processo e não discutiu
o afastamento.
Livre
para agir como presidente da Câmara, Cunha explodiu a pauta do Congresso em
prejuízo do governo, conduziu com mão de ferro a instalação do processo de
impeachment da presidenta Dilma e preparou, com todo o cuidado, as manobras
regimentais (e possíveis ameaças, como denunciou o procurador-geral) que podem
livrá-lo do processo de cassação pelos seus pares.
As
coisas não teriam acontecido dessa forma se Cunha tivesse sido afastado pelo
Supremo.
A
mesma cautela exagerada que o Supremo demonstra no trato com Cunha não
transparece na relação com a presidenta de República. Na sexta-feira passada,
quando Dilma foi à ONU com a intenção de denunciar o golpe de que está sendo
vítima, o Supremo fez fogo de barragem contra a presidenta.
O
ministro Celso de Mello deu entrevista à televisão explicando que “impeachment
não é golpe” e que ao afirmar isso no exterior a presidenta estaria agindo “de
forma estranha”. Seu colega Dias Tofolli foi mais longe: acusou Dilma de estar
“ofendendo as instituições” e “prejudicando a imagem do país”. Gilmar Mendes
também falou em tom ácido contra presidenta. Intimidada, ela recuou.
As
entrevistas do Supremo foram uma intervenção direta de um poder sobre o outro,
partindo espontaneamente de autoridades que não foram convocadas oficialmente a
se manifestar, mas escolheram fazê-lo. Por quê?
Não
foi a primeira vez que isso aconteceu.
No
dia seguinte à divulgação pelo juiz Sergio Moro dos infames grampos telefônicos da presidenta Dilma com o ex-presidente Lula, o mesmo ministro Mello achou necessário se pronunciar.
Poderia
ter criticado o juiz de Curitiba por um comportamento que até estagiários de
Direito sabiam ter sido temerário, para dizer o mínimo. Poderia ter defendido a
presidenta, cuja persona pública e cujo cargo foram brutalmente atingidos pela
gravação e pela divulgação de seu conteúdo. Poderia até ter se calado, mas não.
O
decano usou sua voz no Supremo para atacar o ex-presidente Lula (e
indiretamente a sua interlocutora) por desabafos privados que jamais poderiam
ter vindo à luz daquela forma – como ficou evidente, dias depois, na decisão do
ministro Teori Zavaski, que fez admoestações pesadas ao juiz Moro pelo episódio e suspendeu sua jurisdição sobre Lula.
Por
que Eduardo Cunha nunca recebeu de Mello e dos demais ministros do Supremo o
mesmo tratamento que eles reservam à presidenta? A conclusão disso tudo é que
os brasileiros não devem colocar no Supremo as suas esperanças de justiça no
caso da presidenta Dilma e de seu vice ambicioso.
Para
evitar o impeachment, resta aos brasileiros torcer por uma vitória no Senado –
que parece a cada dia mais improvável – ou lutar pela realização de eleições
diretas ainda este ano, antes que se consolide o arranjo sombrio que está
levando Temer ao poder.
Um
plebiscito convocado por um terço da Câmara ou do Senado poderia perguntar à
população se ela quer Temer no Planalto ou se prefere escolher um novo
presidente nas urnas.
O plebiscito está previsto na Constituição – logo, não pode ser derrubado no
Supremo – mas exigiria a renúncia da presidenta Dilma. Seria um gesto de
desafio aos que se assanham para tomar o seu lugar sem voto, em clara oposição
ao desejo da maioria.
A
democracia tem custo pessoal elevado, mas, assim como a luz, expõe
conspiradores e esvazia porões.
*Ivan
Martins é jornalista, escritor e colunista do site da revista Época
Fonte:
brasileiros
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