Do Brasil247
Se alguém ainda tinha dúvidas se Michel Temer e seu governo provisório são de direita elas foram dirimidas com a extinção do Ministério da Cultura. Com sua transformação em Ministério da Educação e Cultura e o fim das verbas para a produção cultural, principalmente de cinema e teatro, o Brasil retrocede a 1953, quando o MEC foi criado por Getúlio Vargas, que comandava, então, um governo de direita num regime democrático. Nem sempre direita quer dizer ditadura. Governos de direita vicejam em plena democracia, como acontece hoje e não pela primeira vez, se é que se pode chamar de democracia o regime que ora nos governa.
A extinção do Ministério da Cultura é sintomática. Não adianta pedir ao governo Temer que volte atrás. Não faz parte do seu DNA. É o mesmo que pedir a porcos que toquem violino. Basta ler os seus versos para saber o que é cultura para ele.
Governos de direita nunca tiveram ministério da Cultura no Brasil. É algo incompatível com o seu espírito.
Todos sabem que quem produz cultura, majoritariamente, é a esquerda. A direita não iria ser burra a ponto de abrir o cofre para financiar produções artísticas da esquerda, as quais, com certeza, além de ficarem com parte de seu butim, seriam críticas ao próprio governo de direita. A menos que se implantasse a censura, mas aí já não se poderia usar o biombo de democracia que ora se usa e cairíamos no perigoso abismo de mais uma ditadura. A justificativa, num momento de recessão é que o dinheiro está curto e a cultura não é produto de primeira necessidade. Em nome da “salvação da pátria” é uma desculpa que a classe média assimila.
O primeiro nome do Ministério de Educação e Cultura foi Ministério da Educação e Saúde Pública, criado em 1930 e que atravessou toda a ditadura Vargas até 1945.
Quem se ocupava da Cultura, depois de 1937, na vigência do Estado Novo, era o DIP, Departamento de Imprensa e Propaganda, criado à imagem e semelhança do Ministério da Propaganda nazista, organizado e comandado por Joseph Goebbels, autor de frases célebres, uma das quais é “quando ouço falar em Cultura saco logo o meu revólver”.
Em vez de financiar a cultura, o DIP a reprimia, nos moldes ditados por Goebbels. Uma de suas atividades era queimar livros, como aconteceu com as obras de Jorge Amado e de José Lins do Rego no dia seguinte à promulgação do Estado Novo, a 10 de novembro de 1937 ou proibir obras primas do cinema mundial, tais como “O grande ditador”, de Charles Chaplin. A outra função do departamento dirigido pelo simpatizante nazista Lourival Fontes era estimular os artistas a exaltarem a ditadura, seja por meio de livros, filmes, peças de teatro ou músicas e promoverem o culto à personalidade de Getúlio Vargas. O êxito foi tanto que até hoje ele ainda tem seguidores entusiasmados e, mesmo quando aqui e ali prefeitos e governadores resolvem renomear logradouros com nomes de ditadores, avenidas e ruas Getúlio Vargas permanecem incólumes. A maioria delas , inclusive a famosa Avenida Getúlio Vargas da Cidade Maravilhosa foram inauguradas com ele vivo.
Em 1953, Vargas que, embora eleito em sufrágio direto não abandonou seu perfil direitista, mudou o nome do Ministério da Educação e Saúde Pública para Ministério da Educação e Cultura. Não por acaso, colocou Educação em primeiro lugar e Cultura em segundo. Matou-se um ano depois.
Os governos seguintes – de Juscelino, Jânio e Jango – adotaram o modelo getulista, sem pestanejar, assim como os governos da ditadura militar, que não recriaram o ministério da Propaganda de Goebbles, mas instituiram a censura à imprensa e à cultura por meio do Departamento de Censura de Diversões Públicas, que mutilou jornais, revistas, peças de teatro, letras de música e roteiros de filmes.
O cinema nacional, no entanto, por incrivel que pareça, apesar de ser tocado por cineastas de esquerda era financiado generosamente através da estatal Embrafilme, um milagre brasileiro que se deve ao produtor Luiz Carlos Barreto. Não me perguntem como ele o conseguiu.
Somente com a queda do regime militar nasceu, finalmente, o Ministério da Cultura, a 15 de março de 1985 por meio do decreto nº 91.144 assinado pelo presidente José Sarney. Alguns perguntarão como isso foi possível, já que Sarney cresceu na política em simbiose com a ditadura, tendo sido presidente da Arena, o partido dos militares. Não podemos esquecer que, ao substituir Tancredo Neves, que morreu antes de assumir, Sarney compartilhou o governo com Ulysses Guimarães, a quem se devem as cores democratizantes desse período chamado Nova República.
Quando a direita voltou ao poder, quatro anos depois da redemocratização, com a eleição de Fernando Collor, o ministério foi extinto novamente, rebaixado para Secretaria da Cultura, subordinada à presidência da República em 12 de abril de 1990. Ou seja, controlada diretamente por Collor. Mais realista que a ditadura militar, ele matou a Embrafilme e, junto com ela, o cinema nacional, que murchou completamente.
Ao assumir em seu lugar, após sua renúncia e impeachment, provocados pela cultura característica da direita, que é a cultura da corrupção, o presidente Itamar Franco recriou o ministério da Cultura em 19 de novembro de 1992 através da lei 8.490, reativando, embora de forma tímida a produção cultural.
Em 1999, no governo Fernando Henrique Cardoso, foram ampliados os recursos e a estrutura do Ministério da Cultura, por meio da lei nº 9.649 aprovada em 27 de maio de 1998. A partir daí, o ministério foi um importante incentivador e patrocinador de diversos projetos culturais pelo país, notadamente na área de cinema e teatro, do que se depreende que nem FHC nem seu governo foram de direita. Se hoje a situação é outra, isto se deve à conjuntura política atual.
Em 2003, durante o governo Lula, o Ministério foi reestruturado por meio do Decreto 4805, passando a ter a estrutura que acabou de ser demolida: ao Ministro era subordinada uma Secretaria Executiva com três diretorias (Gestão Estratégica, Gestão Interna e Relações Internacionais), seis Representações Regionais (Minas Gerais,Pará, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e São Paulo) e seis Secretarias: Fomento e Incentivo à Cultura, Políticas Culturais, Cidadania Cultural, Audiovisual, Identidade e Diversidade Cultural e Articulação Institucional.
Não adianta pedir que Temer recrie o ministério da Cultura tal como era nos tempos de FHC, Lula e Dilma. É preciso lutar e torcer por um governo o mais curto possível, para que as produções culturais não morram de inanição.
A cultura da corrupção costuma trabalhar a favor da brevidade dos governos de direita e, a julgar pelos primeiros dias da interinidade de Temer, este não deverá ter um fim diferente.
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