Eleições
já seriam perder a bandeira da legalidade
Do
professor Wanderley Guilherme dos Santos, extraído do Segunda Opinião:
A GRANDE DÚVIDA CONSTITUCIONAL DE QUE O SUPREMO FUGIRÁ
Avalio
como inoportuna, inviável, e ilegal, exceto se por decisão do Superior Tribunal
Eleitoral, a sugestão à esquerda de que reivindique “eleições, já”. Inoportuna
porque lançada em meio ao processo decisório, primeiro, do Senado da República,
e depois, se for o caso, do Supremo Tribunal Federal; inviável porque a Câmara,
os partidos que votaram de forma truculenta a favor do impedimento de Dilma
Rousseff, não irão introduzir tal mudança na Constituição; e ilegal porque se
trata de mudança na regra do jogo ao fim do segundo tempo. Perder a bandeira da
legalidade é presentear os golpistas com o argumento de que não dispõem e
buscam desesperadamente forjar: o de que a presidente Dilma comete crime de
responsabilidade, atentando contra a letra da Carta Magna. E sem ele não há
justa causa para a violência impeditiva.
Tenho
escassa esperança de que o Senado, julgando o mérito do pedido de impedimento,
aceite o óbvio: por nenhuma evidência atual ou histórica, e até biográfica, a
presidente Dilma Rousseff jamais violou ou tentou violar as instituições
representativas democráticas. Nada até agora pôs em dúvida esse fato, cuja
tonelagem de verdade é brutal. Por declarações de mais de um dos integrantes da
partidariamente insuspeita força-tarefa da Lava-Jato, jamais houve tentativas
de interferência do Executivo no andamento da investigação. Delações
interesseiras, assinadas por tipos que acreditam na clemência do algoz quanto
mais fabulam historietas para agradá-lo, transformam conversas cotidianas em
conspiratas clandestinas em calabouços do Planalto. Mas a denúncia de
conveniência será tratada como pepita pelos impolutos senadores, especialmente
porque a acusação de deslize administrativo padece de precária virtude,
assentada em ilegalidade não comprovada e anã.
Tampouco
acredito no discernimento do Supremo. Em matéria de extenso conflito social, só
os ministros autoritários costumam içar bandeiras. Os liberais, como de hábito,
se escafedem. Dirão todos, ou a maioria esmagadora deles que o rito foi
respeitado e não lhes cabe apreciar o mérito da decisão congressual. O dedo do
demônio golpista está precisamente neste detalhe. Pode ser difícil encontrar
fissura nos trâmites adotados pelo Presidente da Câmara dos Deputados. E não
tenho segurança para julgar se é ilegal um réu de processo no Supremo presidir
à votação de um pedido de impedimento da Presidente da República, sendo,
ademais de réu ele próprio, declarado inimigo político dela. Mas a lisura do
rito tem sido reivindicada, até com obsequiosa cautela, não obstante os
espasmos alucinados que a TV registrou.
O
atentado ao contrato social básico é outro, de cujo exame o Supremo fugirá como
lebre. Cabe a qualquer maioria interpretar como lhe convier a forma de aplicar
preceitos constitucionais? O rito pode criar o objeto a que se aplica? Se dois
terços da Câmara dos Deputados decidirem que as contas do atual presidente da
Casa não são contas e que a Suiça não existe, vale a anistia com que pretendem
presenteá-lo? Se valer, para quê serve um Supremo Tribunal? Qualquer decisão
majoritária seria constitucional. Esta é a mácula do processo de impedimento da
presidente Dilma Rousseff: o rito criou o crime a ser punido. Vale? Não devia,
pois a verdade de juízos de existência não é matéria plebiscitária.
É
matéria jurídica, de lógica e da fé contratual que funda as sociedades. Mas os
eminentes ministros vão fingir que ela não existe. A seriedade das instituições
republicanas se dilui no despudor de um Legislativo que convive com a
propaganda da tortura e na prolixidade capciosa dos tribunais de justiça. A
república se esfarela e o amanhã promete ser violento.
Fonte:
conversaafiada
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