Brasileiros aguardam o desfecho da votação em Brasília. BETO BARATA AFP |
Autorização
da Câmara para iniciar processo de impeachment não pacificará o país, ao
contrário do que ocorreu em 1992
Na
esteira das grandes batalhas nascem os rascunhos de roteiros épicos de redenção
de povos, de Nações ou de grandes alianças surgidas com o objetivo de redimir
injustiças. A história desses embates, muitas vezes, eterniza-se quando narrada
pelos vencedores em obeliscos plantados com a intenção de conferir glória
divina aos triunfos heroicos. Houve uma grande batalha em Brasília no domingo
17 de abril. Ao fim dela, colhido o 511º voto de 513 possíveis – uma deputada
do Rio e um deputado do Ceará faltaram à sessão da Câmara dos Deputados
convocada para autorizar, ou não, a abertura do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff – não havia heróis a celebrar o triunfo da oposição
ante a chefe do governo brasileiro.
Ao
contrário de 1992, quando a Câmara também abriu um processo de impeachment contra o então presidente Fernando Collor de Mello, a vitória da oposição não é
uma senha para unir o país. Há 24 anos, sem base parlamentar e com escassa
interlocução na sociedade civil, Collor obteve apenas 38 votos a seu favor e
não houve voz que se levantasse em sua defesa arguindo inconstitucionalidades e
fragilidades jurídicas no processo que o tirou do poder. Ainda assim o
ex-presidente foi absolvido no Supremo Tribunal Federal. A perda de seu mandato
passou à História como um caso de fraqueza política de alguém que se resignou
ante o veredito do Parlamento. Há evidências nada desprezíveis de que a versão
2016 do impeachment presidencial brasileiro será diferente.
O
Brasil de 1992 se uniu em torno de um vice-presidente anódino, Itamar Franco.
Ex-senador, mercurial, detentor de um restrito mas solidário grupo de amigos
íntimos e homem de honestidade pessoal comprovada, ele virou a solução viável
para a queda de Collor porque se recusou a conspirar para ser visto como tal.
Tanto foi assim que o primeiro ministro da Fazenda de seu governo, o
pernambucano Gustavo Krause, foi escolhido para o cargo apenas seis horas antes
de sua posse na presidência.
Itamar
sabia que a simplicidade dos gestos, a humildade ao pedir a união em torno de
si e a inapetência para se transformar em salvador da pátria poderiam ser a
chave de seu sucesso à frente de um Governo de união nacional. E foi. Tanto que
passou à História como o homem que fez de Fernando Henrique Cardoso ministro da
Fazenda, dando-lhe condições de se eleger presidente da República por duas
vezes, e não como o hábil e improvável político paroquial que serenou uma Nação
que flertava com o colapso econômico e com ameaças muito mais inflamadas do que
hoje em dia de retrocesso aos tempos sombrios da ditadura militar.
Não
há chance de o Brasil de 2016 se unir em torno de Michel Temer, o
vice-presidente que deve assumir o posto de presidente interino da República
nas próximas três ou quatro semanas. Ao contrário de Itamar, o paulista Temer é
o centro de uma vasta rede de raposas políticas que compartilham ambições
semelhantes, porém cada um deles guarda no bolso direito dos paletós bem
cortados fórmulas divergentes para o exercício do poder. Hábil operador político,
Michel Temer carpiu a armadilha que capturou a presidente no processo de
impeachment. Mas os 146 votos dados contra o impeachment (137 “não”, 7
abstenções e duas ausências) e uma incipiente adesão à tese de antecipação das
eleições presidenciais, mesmo entre integrantes do bloco majoritário que
aprovou a abertura do processo, são obstáculos sólidos à construção tranquila e
rápida de um eventual “Governo Temer”. A chave para o sucesso de Temer
certamente será a recusa em buscar a difícil unanimidade em torno de si. Caso a
busque, não a encontrará e ficará tentando dialogar com quem lhe imporá
monólogos.
A
partir de hoje Michel Temer será instado a dar opiniões e a esgrimir soluções
para o país nos campos da economia interna, das relações externas e da
segurança pública, do combate à corrupção e da saúde, por exemplo. Um eventual
governo sob sua liderança, contudo, só se iniciará depois que o Senado
confirmar a abertura do processo admitido na Câmara. Para isso terá de transpor
duas votações por maioria simples (em que vence quem tem 50% mais um dos votos
dos senadores presentes às sessões). Em 1992 o Senado admitiu o processo e
afastou Collor num prazo de 48 horas. Agora, serão transcorridos cerca de 20
dias em que o país conviverá com uma presidente virtualmente afastada, um
presidente interino virtualmente sagrado e um Senado povoado por biografias
astutas e prontuários experientes sedentos por impor seus ritmos e ritos à
evolução do calendário – ampliando ou reduzindo o prazo da posse de Temer. Divisões
de poder e o desencadeamento de novas e esperadas fases da Operação Lava Jato,
além da publicidade de novos e cada vez mais constrangedores detalhes de
delações premiadas, também turvarão a cena política das próximas semanas e
conferirão pitadas ainda mais dramáticas ao enredo político do Brasil.
Frio,
dono de um sorriso cínico e “usufrutuário” de polpudas contas na Suíça,
investigado como beneficiário de empresas offshores no Panamá, o deputado
Eduardo Cunha (PMDB-RJ), presidente da Câmara e elemento decisivo na escalada
que pode levar Temer à cadeira de Dilma no Palácio do Planalto, poderia ser o
herói destinado a ter sua saga narrada num obelisco improvável na Praça dos
Três Poderes. Não o será: em que pese o Brasil figurar como o único país que ergueu
um obelisco para celebrar uma derrota – o do Ibirapuera, em São Paulo,
construído para eternizar o levante constitucionalista de 1932 esmagado sem dó
por Getúlio Vargas – obeliscos costumam ser planejados para marcar triunfos
gloriosos. Nem Cunha é herói, uma vez que possui o DNA dos vilões e o olhar
frio dos psicopatas, nem o triunfo da oposição sobre um governo abúlico, no
último domingo, foi um épico glorioso. A Nação que assistiu serem dados 367
votos a favor da abertura do processo de impeachment de uma presidente eleita
com mais de 54 milhões de sufrágios há menos de 18 meses está divida e sem
perspectiva de se unir. Está sem líderes no horizonte, sem projetos que
amalgamem a sociedade, carente de base onde assentar a pedra fundamental de
qualquer monumento. E construir futuros é um desafio monumental. Temer tem
contra si, agora, a marcha implacável do tempo para evitar que a História, ao
fim e ao cabo, termine escrita pelos vencidos na batalha de 17 de abril.
Afinal, a guerra não acabou ali.
Luís
Costa Pinto é jornalista, consultor de comunicação e publicitário.
Fonte:
elpais
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