O Estatuto de Marcola e a Constituição no país da cusparada
No ano de 1993, Luiz Antônio Fleury Filho era governador de São Paulo e Itamar Franco era o presidente da República, ambos do Partido do Movimento democrático Brasileiro (PMDB). Nesse mesmo ano, ainda que uma coisa possa ter ou não a ver com a outra, foi fundado o Primeiro Comando da Capital, na Casa de Custódia de Taubaté/SP.
Reza a lenda que, entre os motes inspiradores estava a violência policial contra infratores da lei. Estava declarada uma reação contra os excessos dos policiais justiceiros por convicção; os que integravam grupos de extermínio (sabe-se lá a serviço de quem) e ainda as traições por parte daqueles policiais que “estando no esquema”, quebravam o “pacto de honra” bandido/polícia. Além do massacre do Carandiru, claro!
Na última versão, aparentemente atualizada do “Estatuto do PCC”, artigo 18, constava que os ‘irmãos’ estão liberados para matar. “Quando algum ato de covardia, extermínio de vida ou extorsões que forem comprovadas estiverem ocorrendo na rua ou nas cadeias por parte dos nossos inimigos (agentes penitenciários ou policiais) daremos uma resposta à altura do crime. Se alguma vida for tirada com estes mecanismos... Vida se paga com vida e sangue se paga com sangue...”.
De acordo com o estatuto de Marcos Willians Herbas Camacho, conhecido por Marcola, os atos condenados pelas normas estatutárias seriam ou são aplicadas aos próprios “irmãos” que descumprem seus preceitos, sobretudo os atos traição.
Sem querer fazer apologia ao crime ou arrumar problemas pessoais com Marcola, gostaria de fazer uma exaltação. Mas, como pegaria mal para um servidor público que levou a sério o conceito de servir ao público, retiro a palavra. No país dos eufemismos no qual a palavra golpe não pode ser tratada como tal, preciso usar outra expressão. Ou melhor, usarei expressão alguma, e apenas dizer que, dentro das normas do PCC não existem mais mais. O que é é. Como no jogo do bicho, vale o que escrito. É Hans Kelsen puro! Olha quanta seriedade!
Depois do episódio dantesco, do circo midiático do dia 17 de Abril, não dá para não lembrar dos “Justiçamentos do PCC”. Minha perplexidade com o que houve naquela data, hoje compartilhada pela consciência cidadã internacional, só me fazem lembrar da fidelidade de Marcola para com a sua “Constituição”, do pão pão, queijo, queijo, palavra dada é assinatura, fio de bigode é súmula vinculante.
Num “justiçamento”, Marcola jamais aceitaria que sua “Constituição” fosse rasgada. Um “irmão” traidor jamais julgaria um “irmão fiel”. Afinal, o estatuto do PCC “não admite mentiras, traição, inveja, cobiça, calúnia, egoísmo, interesse pessoal, mas sim, a verdade, a fidelidade, a hombridade, solidariedade ao interesse comum ao bem de todos, porque somos um por todos e todos por um”. (Art. 9).
Nesse contexto, pelo conjunto da obra, TV Globo, Veja, Folha, Estadão, Época e outros violaram o “Estatuto do PCC”, digo a Constituição de 1988. Exerceram à exaustão a mentira, enalteceram a traição, promoveram a cobiça, praticaram calúnia, defendem interesses pessoais, escondem a verdade, mandaram fidelidade e a Constituição para o brejo.
Nem precisa dizer que pelo “Estatuto do Marcola”, qual seria o destino desses traidores. Além de tudo, o “tribunal de Marcola”, que não aceita o direito penal do inimigo, já que inimigo é inimigo, não tem medo da mídia. Olha que exemplo!
Quem assistiu o “justiçamento” praticado pela Câmara Federal contra a Presidenta Dilma Rousseff, conduzido por Eduardo Cunha... Aliás, nem sei como numa democracia honrada pode-se dar tanto poder a um homem só. Aliás, põe aliás nisso, não dá pra saber como a sociedade que se pretende ser honesta e em nome da honestidade quer honrar um país, finge perplexidade diante do que ela própria promoveu. Afinal, nas redes sociais, moralistas sem moral chegaram a postar que Eduardo Cunha seria o “esgoto” através do qual a sociedade iria expulsar os excrementos.
Pois bem. Nesse clima de golpe, negado à exaustão pelos golpistas, da PF ao STF, do Tiririca ao Moro... Puxa! Como diriam os cearenses, eu estou absurdado. Até porque, na sessão de justiçamento do dia 17 de abril, no casamento sabe-se lá de quem com o tal “esgoto”, o que causou perplexidade foi a cusparada de um parlamentar na fuça de outro que fez apologia a um crime contra a humanidade.
E aí pensei, Puxa! Os julgamentos do PCC são bem mais honestos! Diante disso tudo, o que diria Marcos Marcola no país do cuspe?
Armando Rodrigues Coelho Neto é advogado e jornalista, delegado aposentado da Polícia Federal e ex-representante da Interpol em São Paulo
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