Eu
trabalho com os mesmos congressistas que chocaram o povo por seu
conservadorismo e ignorância e agora temo pelas mulheres…
Por
Paula Fróes Do Azmina
A
votação do impeachment hoje, 17 de Abril de 2016, entra para a história do
Brasil. A meu ver, não pelo que decidiu apenas, mas ao mostrar que é dever de
cada cidadão participar da vida política, é sua responsabilidade também a
situação em que o país se encontra.
Foi
o dia em que a população brasileira assistiu seus quase 513 deputados federais,
muitas vezes indagando quem é fulano ou sicrano. Isso porque, dos deputados que
ali estão, nem 10% foram eleitos pelo voto direto da população, chegaram ali
porque foram levados à reboque de votos de candidaturas popularescas. Possuem
gabinetes, ganham um salário pago pelo povo brasileiro, muitos são investigados
por corrupção, e são os responsáveis por decidir as pautas das quais dependem o
povo brasileiro.
É
o parlamento que não vota a reforma política, porque não quer perder seus privilégios.
É
o parlamento que não vota a reforma tributária porque tem interesses vinculados
por suas bancadas, pelos financiadores de sua campanha. É o parlamento hoje
conduzido por um deputado federal que é réu em processos de corrupção, que é
misógino, machista e cujos projetos de lei apresentados colocam em risco o
direito das mulheres e das minorias. É o deputado que deseja ter o poder
absoluto sobre o corpo das mulheres.
Tem
deputado federal dizendo que, pelos filhos que um dia assistirão ao vídeo, votam
contra a ideologia de gênero porque “homem é homem e mulher é mulher”. Tem
deputado federal dizendo que no MST “não tem mais macho que os homens que ali
estão no parlamento”. Tem deputado federal que é à favor da terceirização
discursando contra o desemprego que hoje existe no país.
E
tem deputada federal dizendo que as milhões de mulheres brasileiras “querem o
direito de ser mulher e dona de casa”.
Trabalho
com advocacy na causa das mulheres, o que significa que minha tarefa é
convencer deputados a votarem e aprovarem leis que combatam todas as formas de
violência contra a mulher e promovam a autonomia feminina. Nosso trabalho
consiste em influenciar políticas públicas e exercer o controle social. Ando
nos corredores do Congresso e lido com esses senhores que quase ninguém
conhece. É tão importante assistir aos debates que cercam o processo de
impeachment e conhecer nossos parlamentares!
Não
tenho vinculação partidária, mas, infelizmente, a causa da autonomia feminina
passa a largo de muitos partidos e de um parlamento extremamente conservador.
Tive
boas surpresas com parlamentares que tanto são a favor, quanto os que são
contra o processo de impedimento da presidente. E anotei nomes aqui com quem
vale a conversa, já que a violência contra a mulher não tem partido e alcança
todas as camadas sociais.
Contudo,
muita apreensão. Em um congresso extremamente conservador que defende “as bases
da família” é difícil falar do direito que a mulher tem de equidade, porque,
para que isso seja alcançado, os homens vão perder privilégios. Me assustou,
também, as muitas parlamentares com uma visão religiosa e restrita do papel da
mulher.
Fico
pensando no trabalho que teremos de falar em direito de escolha no parto, em
autonomia ao próprio corpo, em educação de gênero para diminuir o feminicídio e
a agressão contra as mulheres, em ensinar a próxima geração que o machismo
mata.
Se
o Governo Dilma falhou tremendamente nas pautas femininas se afastando de sua
base e barganhando lugares de luta pelos direitos das mulheres em troca de uma
suposta governabilidade – e se tivemos
(poucas) conquistas foi em razão do trabalho de parlamentares comprometidos com
a nossa causa -, por outro lado, para mim, é horrível imaginar que nosso país
praticamente entregará a vice-presidência nas mãos de um parlamentar que deseja
que o Brasil saia de tratados internacionais de direitos das mulheres
ratificados na OEA (Organização dos Estados Americanos), que quer aprovar o
estatuto do nascituro que submete a mulher e seu corpo às decisões do estado,
que deseja aprovar um Projeto de Lei que obriga uma mulher a comprovar a
identidade de seu estuprador e lhe tira o direito de não ter um filho fruto de
estupro. Que quer proibir e punir quem ensinar teorias de gênero nas escolas,
que quer obrigar ensino religioso, que deseja transformar violência obstétrica
numa simples contravenção a ser resolvida em juizados especiais com acordos.
Sim, tudo isso são projetos de lei em andamento, propostos por Cunha e Marcos
Feliciano.
Quanto
mais as mulheres terão que sofrer????
Há
um problema na economia? Sim, há!
Há
corrupção no governo? Ô! E no congresso também há muito.
E
onde estarão os direitos das mulheres em mais de dois anos de Michel Temer e
Cunha no poder? Já pensou no quanto as mulheres podem perder e retroceder nesse
tempo??? Mulheres ricas, de classe média. Muito mais as mulheres pobres, e as
negras. As mulheres violentadas.
Eu,
pelo meu trabalho e pela equidade feminina, lamento os tempos que virão, em que
estarão em risco os direitos fundamentais. A começar por colocar por terra o
voto de 54 milhões de brasileiros. Teremos, nós, do movimento de mulheres,
estratégia suficiente para sofrermos o mínimo possível?
Esses
dias, aPresidente da Artemis, Raquel Marques, fez um desabafo com o qual
concordo: “Fico feliz em saber que para alguns ‘se Dilma cair, tudo bem, não
muda nada’. Infelizmente, muda para as mulheres, para os pretos, para os que
dependem de políticas sociais, para a população LGBT, para quem depende do SUS,
para quem tem seus direitos garantidos pela CLT, para os povos indígenas, para
a agricultura familiar e para muitos outros grupos. As coisas não estão bem,
não estão mesmo, estamos muito frustrados com muita coisa, mas se o impeachment
rolar vai ficar ainda pior para quem, historicamente, não tem seus direitos
garantidos.”
Acompanhado
os debates, o que eu vi foi que poucos parlamentares – pró e contra impeachment
– debateram a questão e a defesa de sua posição com base na Constituição
Federal, com respeito à decisão do STF. O que mais saltou aos olhos foram
representantes que gritam, teatralizam, colocam no poder federal atribuições
que não são de sua alçada, e uma dúvida me pega: é má fé ou ignorância mesmo?
Sendo
uma ou outra opção, o fato é que esses parlamentares são os representantes do
Brasil. Como a população vai se responsabilizar pela parte que lhe cabe? E não
digo em manifestação seja de qual lado for: eu falo de controle social. De
participação dos fóruns de discussão municipal, estadual e federal. De comitês
de mortalidade materna. De fiscalização do uso da verba do SUS. Dos conselhos
participativos. Da discordância do governo com proposta.
Quem
exerce o controle social são os mesmos cidadãos que votaram nos parlamentares
que vararam a noite nos últimos 3 dias para discutir o impeachment, mas que
normalmente não estão no Congresso nem as segundas e nem nas sextas-feiras para
votar reforma política e tributária. Cadê os cidadãos fiscalizando a aplicação
e aprovação dos orçamentos? Ou a emissão de emendas parlamentares sempre aos
mesmos grupos de poder, seja de direita ou de esquerda? Está em nossas mãos
influenciar políticas públicas, exercer o controle social.
E
trabalhar para que os tempos não sejam tão sombrios ou não durem tanto quanto
da última vez em que perdemos a democracia.
E
eu sinto muito por isso.
Fonte:
geledes
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